Elas tinham cadeados nos pés, foice de ferro no pescoço e corrente que prendia o corpo ao solo, demonstrando que foram alvo de superstições e maus-tratos.
Arqueólogos da Universidade Nicolau Copérnico estão estudando esse tipo de prática. As ossadas estavam num "cemitério de rejeitados", local onde eram enterradas vítimas de doenças, crianças não batizadas e pessoas que haviam morrido de forma trágica. Todas eram temidas há cerca de 400 anos.
Elas eram mantidas presas porque acreditava-se que poderiam retornar do mundo dos mortos.
No século 17, a Polônia era assolada por relatos de "revenants" ou "renascidos", seres semelhantes a vampiros que atacariam vivos e causariam caos nas casas.
Esses relatos eram tão comuns que várias medidas eram tomadas para evitar a reanimação dos cadáveres, como arrancar seus corações, pregar seus corpos nas sepulturas e usar estacas nas pernas.
Em 1746, um monge chamado Antoine Augustin Calmet publicou um tratado para distinguir os verdadeiros "renascidos" de fraudes.
Recentemente, arqueólogos da Universidade Nicolau Copérnico encontraram a primeira evidência física de uma criança "renascida" em um cemitério na Polônia.
A criança, que teria cerca de seis anos no momento da morte, foi enterrada de bruços com um cadeado de ferro sob o pé esquerdo para evitar que assombrasse sua família e vizinhos.
“O cadeado teria sido trancado até o dedão do pé. A criança foi enterrada de bruços para que, se voltasse dos mortos e tentasse ascender, mordesse a terra”, disse o arqueólogo-chefe do estudo, Dariusz Poli?ski.
A descoberta tem ajudado os historiadores a entenderem mais sobre as crenças e práticas da época em relação a esses seres.
Algum tempo após o sepultamento, a tumba foi profanada. Todos os ossos foram removidos, exceto os das partes inferiores das pernas.
De acordo com o jornal The New York Times, este é o único exemplo de um enterro infantil desse tipo na Europa.
O lugar, que funcionava como um cemitério improvisado destinado para pessoas menos favorecidas, foi encontrado há 18 anos sob um campo de girassóis, situado na encosta de uma colina.
Segundo registros locais, o cemitério não estava associado a uma igreja ou a um terreno consagrado. Cerca de 100 sepulturas já foram descobertas no local.
Uma mulher, cujo túmulo estava próximo ao da criança "vampira", foi encontrada com um dedo do pé trancado com cadeado e uma foice de ferro no pescoço.
“A foice deveria decepar a cabeça da mulher caso ela tentasse se levantar”, disse Poli?ski.
No fim da Idade Média, especialmente na Polônia, era tradição colocar cadeados nas sepulturas. O maior achado deste tipo foi na cidade de Lutomiersk, onde quase 400 das 1.200 sepulturas investigadas continham cadeados.
A tradição persistiu nas comunidades judaicas da Polônia pelo menos até a Segunda Guerra Mundial.
Martyn Rady, historiador da University College London, ressalta que a mulher e a criança não devem ser categorizadas como vampiras. As características dos “vampiros” foram oficialmente definidas pela primeira vez na década de 1720, por autoridades austríacas dos Habsburgos, que identificaram suspeitos de vampirismo na região que hoje é o Norte da Sérvia.
Eles elaboraram relatórios que chegaram até a ser publicados em revistas médicas da época.
“Eles deixaram bem claro que, na lenda popular local, o vampiro tinha três características: era um fantasma, alimentava-se dos vivos e era contagioso”, relatou o historiador.
As lendas polonesas mencionam dois tipos de "renascidos". O primeiro é o upiór, que mais tarde foi substituído pelo termo wampir e se assemelha ao Drácula representado por Béla Lugosi no filme de 1931.
O segundo é a strzyga, que é mais parecida com uma bruxa malévola que ataca os humanos, podendo comê-los ou beber seu sangue, de acordo com o folclorista Al Ridenour.
Em última análise, a prática dos cadeados pode ser vista como uma tentativa de garantir que os mortos permanecessem em paz, como expresso na citação de Lugosi em "Drácula": "Morrer, estar realmente morto, deve ser glorioso".