postado em 24/01/2011 08:57
Glauber Rocha falava de cinema quando disse que ;uma câmera na mão e uma ideia na cabeça; eram o bastante. A célebre frase, no entanto, parece profecia. Quase trinta anos depois da morte do cineasta, uma ferramenta despretensiosa democratizou a ciência do vídeo e se tornou responsável pela maior parte do tráfego de bits na internet. O YouTube, que fará seis anos em 2011, tem espaço para tudo e, com sua imensa generosidade, acabou criando a política do ;faça você mesmo; virtual.Não há nada que não possa ser aprendido no site: fazer nó de gravata, trança embutida, passarinho de origami, fuxicos de tecido, maquiagem ou trabalhos acadêmicos (com e sem qualidade); instalar programas, tocar instrumentos e como preparar toda sorte de pratos e receitas estão contemplados no site. Isso sem falar nos tutoriais mais curiosos: ;Como fazer uma bomba-relógio com bexiga e gelo seco;, por exemplo, já teve quase 100 mil exibições. Bem menos do que os 400 mil views de ;Como fazer um homem se apaixonar;.
;Nos últimos anos, as pessoas descobriram que podem produzir conteúdo on-line, seja ele relacionado à história pessoal ou profissional do indivíduo. Isso começou com os blogs, fortaleceu-se com os fotologs e atingiu outro grau de evolução com o vídeo;, afirma Sidnei Oliveira, consultor de tecnologia e especialista em gerações. Sidnei acredita que o YouTube se tornou um padrão para a publicação de conteúdos e que o site deve se fortalecer como um novo canal de comunicação.
A publicitária Priscila Paes soube aproveitar o recém-nascido nicho. Há dois anos, ela publica na rede vídeos em que dá dicas de cabelo e maquiagem, ensinando as internautas a fazer em casa o que, até pouco tempo atrás, só podia ser feito nos salões de beleza. ;Eu sempre gostei de maquiagem e procurava na internet informações sobre isso. Encontrava fóruns com comentários e imagens, mas pouca coisa em vídeo;, conta Priscila, que produz os tutoriais sozinha, falando a uma câmera apoiada em um tripé e editando o material.
Hoje, o hobby da publicitária virou profissão. Ela mantém o site www.passandoblush.com.br e um canal no YouTube, tudo com apoio de empresas de cosméticos e acessórios. Os tutoriais de Priscila já foram vistos por cerca de 4 milhões de usuários, que acabam inspirando a realização de novos vídeos. ;Eu recebo muitos pedidos, acompanho as tendências e tenho um retorno bastante positivo. As pessoas ficam satisfeitas, percebem que a maquiagem não é um bicho de sete cabeças e que não é mais necessário pagar um maquiador;, diz.
É o que incentiva a designer Virgínia Soares, 27 anos, a consultar o YouTube sempre que o assunto é produção visual. ;Eu leio blogs de referência no assunto, mas os vídeos são muito esclarecedores. Se tenho alguma dúvida,
sobre como fazer um olho esfumaçado, por exemplo, é só jogar no YouTube que a explicação aparece;, observa. ;Eu passei a usar melhor os produtos de beleza que eu comprava;, completa. Virgínia também usa o site para conferir a opinião de outros internautas. ;Sempre presto atenção nos comentários e, se eles não forem bons, não adoto a técnica.;
O esquema colaborativo também estimula Caio Novaes, criador do canal Ana Maria Brogui, em referência à apresentadora da TV Globo Ana Maria Braga. Caio se inspira na preferência dos usuários para montar seus ;programas; virtuais. Até agora, criou 15, que foram assistidos por, aproximadamente, 1 milhão de pessoas. ;Antigamente, eu apenas colocava a receita na internet, mas percebi que muita gente não fazia o prato por achar que era muito complicado. Então resolvi mostrar que, mesmo alguém sem qualquer experiência, como eu, poderia ter sucesso na cozinha;, explica Caio, que ensina a fazer coisas tão diversas como estrogonofe, prestígio (sim, o chocolate) e uma bebida similar à Smirnoff Ice.
Os programas de Ana Maria Brogui também têm um quê de humor. Em um deles, por exemplo, Caio tenta abrir um coco usando uma faca de cozinha. ;A ideia inicial é simplesmente cozinhar, o resto ocorre naturalmente. Gosto de mostrar que uma pessoa toda atrapalhada é capaz de fazer algo bonito, e essa é a intenção. A diversão que o vídeo gera fica como um bônus para quem assiste;, brinca.
Negócio sério
Há tutores, no entanto, que levam a plataforma virtual bastante a sério. É o caso do guitarrista Marcelo Barbosa, que criou o projeto Guitarosofia, uma série de 15 aulas com 10 minutos cada. Marcel contratou um cinegrafista e um editor de imagens para montar o material. ;A ideia era dividir um pouco do meu conhecimento com as pessoas que gostariam de frequentar a minha aula, mas não têm condições, seja por questões financeiras ou geográficas;, ressalta. ;Ao mesmo tempo, queria divulgar a minha escola e, por que não, o meu nome como guitarrista.;
O músico adota o estilo despojado, falando sem roteiro em frente às câmeras. ;A aula é dada como se eu estivesse na frente do aluno, falando naturalmente. Às vezes, até gaguejo ou paro para pensar o que vou dizer;, detalha. A série de Marcelo já alcançou 75 mil exibições e vai virar um DVD. Músicos são, inclusive, um dos grupos mais adeptos aos tutoriais, mesmo os artistas profissionais. O bandolinista Rafael Bandol, 28 anos, assiste a vídeos no YouTube quase todos os dias, não para aprender a tocar seu bandolim, mas para captar detalhes de canções de outros instrumentistas. ;O site é uma ferramenta muito importante, dá acesso a informações que não vêm no CD, como a disposição das coisas no palco;, exemplifica.
Para Marcelo e Rafael, os vídeos não substituirão o papel dos professores de música. ;Claro que os tutoriais são excelentes, eu mesmo aprendi a editar vídeos e noções básicas de Corel Draw. A grande desvantagem é o fato de não ser interativo;, diz. ;Mas eu sou um fã da aula individual e personalizada. O video é um só para todos, enquanto um bom professor conhece seus alunos, sabe os pontos fortes e fracos de cada um e usa isso no processo de ensino;, aponta Marcelo.
Galinha dos ovos de ouro
O YouTube foi criado em fevereiro de 2005 por dois amigos em uma garagem de São Francisco, na Califórnia. Chad Hurley e Steve Chen queriam desenvolver uma ferramenta que facilitasse o compartilhamento de vídeos entre seus amigos, até então demorado por conta do peso dos arquivos. Quase dois anos depois da invenção do site, a dupla vendeu a ideia para o Google por US$ 1,65 bilhão.