postado em 17/01/2013 08:00
As mudanças no ensino básico anunciadas pela Secretaria de Educação provocaram várias dúvidas entre professores, especialistas, alunos e pais. Muitas lacunas precisam ser preenchidas até que fique claro como funcionará a formação por ciclos, que agora vai até o 5; ano do ensino fundamental. Também há questionamentos, principalmente por parte de especialistas, sobre a eficácia da substituição do ano letivo pela semestralidade no ensino médio. Conforme as diretrizes anunciadas na segunda-feira, agora os estudantes do 1;, 2; e 3; ano do ensino médio passarão um semestre tendo aulas de humanas e no outro, de exatas. Leonardo dos Santos Leão, por exemplo, acredita que o sistema vai ao mesmo tempo beneficiá-lo e prejudicá-lo. O estudante de 17 anos cursou o 1; ano do ensino médio em 2012 e foi reprovado. Em 2013, verá as disciplinas em bloco. ;Concentrar o estudo em matérias parecidas é bem melhor do que tentar aprender coisas diferentes ao mesmo tempo. Acho que vai me ajudar.; Ele, porém, teme ter mais dificuldades para fazer as provas do vestibular e do Programa de Avaliação Seriada (PAS). ;Vou estudar sozinho para revisar o conteúdo, mas não é a mesma coisa de rever com o professor na sala de aula;, lamenta.
[SAIBAMAIS]Remi Castioni, professor de educação na Universidade de Brasília, tem o mesmo receio. ;As provas têm trazido questões com os conteúdos de exatas e humanas cada vez mais articulados. É natural que, quando se concentra muito tempo em um conteúdo, não se lembre mais de outro. Prejudica ainda mais o aluno da rede pública;, acredita o especialista. A diretora da Faculdade de Educação da UnB, Carmenísia Jacobina Aires, tem outras ressalvas, em especial quanto à formação de cidadão no ambiente escolar. ;Podemos comparar com o sistema de créditos na universidade. Esse modelo prejudica a formação de líderes, não há uma sequência na constituição de grupos, da identidade do estudante;, afirmou.
Desestímulo
Em relação ao ensino fundamental, especialistas são mais confiantes, mas alguns pais estão confusos. As novas regras ampliam a política adotada desde 2005 com o Bloco Inicial de Alfabetização (BIA). A partir deste ano, a reprovação pode acontecer no 3; ano, que é o fim do primeiro ciclo, ou no 5;, quando acaba o segundo ciclo. A dona de casa Silvana Pereira da Silva é mãe de Rebeca, 9 anos. A menina entrará no 4; ano. Silvana está receosa quanto ao novo modelo. ;Minha filha tem que passar por mérito. A criança vai se sentir desestimulada. Se não há reprovação, por que ela vai se esforçar?;, questiona. Ela lembra ainda que toda a responsabilidade vai ficar na mão dos professores. ;Como vamos acompanhar o desempenho dele? Saber se está bem, se está aprendendo?.;
O modelo de ciclos pode funcionar muito bem e ser até mais eficaz na formação educacional, mas requer maior planejamento e rigor na execução. Afonso Danus Galvão, coordenador da pós-graduação em educação da Universidade Católica de Brasília, explica: ;Se o sistema de ciclos for bem implementado, ele proporciona atenção individualizada ao aluno e pode garantir que seu tempo de aprendizado seja respeitado. Mas a secretaria tem de criar as ferramentas e dar a estrutura para que isso aconteça, o que não existe hoje;, afirma.
Para o presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do DF (Aspa-DF), Luis Claudio Megiorin, o maior problema foi a inexistência de um período de transição. ;É uma mudança muito drástica para ser feita no meio de um governo. Um programa dessa magnitude não tem resultados a curto ou médio prazo, leva de 5 a 10 anos para apresentar resultados. Além disso, ele não foi debatido com a sociedade;, reclama.
Professores resistem
Ontem foi um dia de questionamentos para o Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF). De acordo com o diretor da entidade, Washington Dourado, apareceram diversas dúvidas quanto ao novo Currículo em Movimento da Educação Básica. ;A repercussão é extremamente negativa na categoria. Temos muita resistência.; A maior reclamação gira em torno da falta de informação e de discussão prévia com os docentes. ;Fizeram um lançamento oficial, mas não foi apresentado um projeto de estrutura nas escolas. Como vamos aplicar isso? Como será feita a formação dos professores?;, questionou.
A posição da entidade é de que o assunto merecia um debate mais profundo antes da implantação. Porém, a maior indignação, segundo Dourado, é em relação ao repasse de verbas. ;A secretaria anunciou que as escolas que adotarem os ciclos receberão entre R$ 2 mil e R$ 3 mil a mais por aluno atendido para a compra de material pedagógico. Não aceitamos isso. O repasse tem que ser igual para todos;, analisou o Washington. Ele enfatizou que moverá uma ação judicial contra a pasta caso isso ocorra. ;Isso é discriminação, não vamos admitir.;
Explicação
Apesar da indignação, a assessora especial da pasta rebateu os argumentos do sindicalista. ;Não temos um valor definido ainda. Vamos, sim, repassar um valor a mais, que será entre R$ 1 mil e R$ 2 mil. Mas isso já ocorre em toda a rede. Se a escola tem programas diferentes, recebe para mantê-los;, explicou. O Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (PDAF) repassa os recursos extras de acordo com cada escola.
Quanto à falta de informação, a assessora afirma que os detalhes das medidas estão no site da secretaria em documentos como as diretrizes pedagógicas do Bloco Inicial de Alfabetização (BIA), o Plano Político e Pedagógico e o próprio Currículo em Movimento. ;Fizemos dois seminários em cada Regional de Ensino e o resto pode ser consultado com a secretaria;, frisou. (MA e AS)
Debate desde 2011
A Secretaria de Educação do DF não vê a política como uma novidade. A assessora especial da pasta, Natália Duarte, ressalta que as discussões sobre o tema ocorrem desde 2011. Segundo ela, foram realizados debates, seminários com as regionais de ensino e profissionais do setor. ;A ideia melhora a qualidade de vida do professor. Eles terão a metade dos alunos em sala, poderão prestar um serviço individualizado com resultados positivos no aprendizado;, disse. O embasamento para as políticas está na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que sugere o ensino por ciclos de dois ou três anos e ainda dá autonomia aos Estados e ao DF para traçar a própria metodologia de ensino.
O sistema de ciclos é conhecido desde 2005, quando o Bloco Inicial de Alfabetização (BIA) começou a ser aplicado no DF, e só foi ampliado para o 5; ano do ensino fundamental. A extensão ocorrerá primeiro em cinco regionais (veja Tira-dúvidas). A maior novidade fica a cargo das alterações no ensino médio. Existem experiências recentes em outros estados que apontam possível sucesso no modelo de semestralidade. ;O Ministério da Educação (MEC) faz um acompanhamento cuidadoso dessas mudanças. Elas fazem parte de um plano para melhorar o ensino médio em todo o país;, ressaltou Natália Duarte.
A assessora especial frisa que não haverá prejuízo no vestibular, mesmo para os que iniciarem a nova metodologia no 3; ano do ensino médio. ;Quando a gente estuda física, vê um conteúdo no primeiro bimestre, que não se repete no segundo. Nós nos concentramos em uma maneira de o estudante estudar com maior tranquilidade, dedicação maior. Se ele quiser revisar o conteúdo, poderá fazer isso no contra-turno;, lembrou Duarte.