Rosana Hessel
postado em 02/07/2017 08:00
Apesar de as novas regras para a cobrança de bagagem nos voos nacionais e internacionais estarem vigorando desde o fim de abril, o consumidor ainda vai demorar para ver os preços das passagens baixarem como prometiam a Agência de Aviação Civil (Anac) e a Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear).
As líderes nacionais, Gol e Latam, donas de mais 70% do mercado doméstico, iniciaram a cobrança de mala despachada, há menos de duas semanas. Mas já recebem críticas por manterem os mesmos tipos de tarifas, só mudando a nomenclatura do bilhete mais barato para indicar uma diferenciação. Em alguns casos, a passagem que deveria ser mais vantajosa para quem não pretende despachar a mala ficou mais cara do que a anterior, sem contar que o passageiro ainda pagará os R$ 30 por mala.
[SAIBAMAIS]Antes da mudança, por exemplo, era possível comprar um bilhete, com dois meses de antecedência, de ida e volta entre Brasília e São Paulo por cerca de R$ 350 em um site de viagens com cotações de várias empresas aéreas. Agora, o mesmo bilhete para meados de agosto custa pelo menos R$ 478, sem contar as malas.
A Anac não regula diretamente os valores de preços, mas monitora o mercado. No último relatório, de 2016, o valor nominal do bilhete médio cresceu 6,8% em relação ao anterior. Apesar de usar metodologia diferente da Anac, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não deixam dúvidas sobre a inflação das passagens. No acumulado em 12 meses até junho, os bilhetes aéreos ficaram 21,26% mais caros, enquanto a inflação oficial foi de apenas 3,52% ; tudo isso em um ambiente de queda no preço dos combustíveis. Na média global, o país não está no topo das passagens mais baratas (veja quadro acima).
A queda nos últimos anos na oferta de voos contribuiu para segurar os preços. As promoções diminuíram neste ano. Conforme os dados da Anac, de janeiro a maio, a oferta caiu 2,9% e a demanda cresceu 2,2%.
Milhas desvalorizadas
Até operadoras de programas de fidelidade sentem a carestia das passagens, que acaba se refletindo nas milhas, cada vez mais inflacionadas. ;Somos clientes das companhias aéreas como qualquer consumidor e sentimos a mesma agonia. Quando a oferta cai, o preço sobe e a quantidade de milhas para emitir um bilhete também;, explica Marcos Pinheiro, diretor da Smiles, que vem ampliando parcerias.
Conforme dados da Anac, as maiores aéreas tiveram prejuízos de R$ 1,5 bilhão em 2016. Logo, o ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Ruy Coutinho, alerta que as companhias vão aproveitar a taxa extra da bagagem para recuperarem as margens. ;As empresas não vão reduzir os preços coisíssima nenhuma. Elas estão colocando essa cobrança como adicional de rentabilidade porque estão todas mal das pernas e vão buscar fazer caixa;, avisa. A advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Claudia Almeida, tem a mesma preocupação e conta que ;a entidade não desistiu; e atua para derrubar a Resolução 400/2016, da Anac, que mudou as regras das bagagens. Com outras entidades, o Idec encaminhou, no último dia 17, um manifesto ao Senado solicitando urgência na tramitação do projeto de decreto legislativo que anula essa resolução, e que tramita na Câmara.
Para Luiz Alberto dos Santos, consultor legislativo e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), o consumidor não conseguirá ter vantagem alguma com as novas regras de bagagem porque a Anac foi ;capturada; pelo setor privado. Para Coutinho, isso é um problema de todas as agências, que possuem diretores que são indicações políticas. ;Elas não são independentes. O modelo foi desmoralizado;, lamenta.
O presidente da Associação Nacional dos Servidores Efetivos das Agências Reguladoras (Aner), Thiago Botelho, reconhece que o aparelhamento das agências atrapalha a fiscalização, algo que poderia ser corrigido com a Lei Geral das Agências, cujo projeto de lei está engavetado na Câmara. Ele ainda considera cedo para uma conclusão sobre a redução efetiva do preço da bagagem, mas essa nova regra seria positiva se o mercado brasileiro não fosse tão ;oligopolizado;. ;As passagens seriam realmente mais baratas se houvesse concorrência como na Europa, onde há muitas empresas nas mesmas rotas. Não é o caso do Brasil, e, pelo que temos ouvido falar, não há muita diferença entre os preços das passagens e também entre as taxas da bagagem;, destaca.
Baixa concorrência
Rodrigo Rebouças, professor do Insper Direito, avalia que, para que o mercado tenha mais concorrência e bilhetes baratos, é preciso abrir o mercado. ;A experiência mostra que reserva de mercado só traz atraso;, diz.
A Azul iniciou a cobrança da mala despachada e evita comentar as diferenciações de preços, por serem ;dados estratégicos;. A Gol informa que, no primeiro trimestre deste ano, registrou queda de 6,5% nas tarifas médias cobradas e que o modelo de precificação é ;dinâmico e varia de acordo com a demanda e a oferta;. A Latam conta que os valores promocionais existem para todas as rotas, estão disponíveis conforme a oferta e a demanda, assim como com a época do ano, o tempo de viagem, a data de partida, as conexões, entre outros fatores. A Avianca não mudou suas tarifas. A Abear destaca que, pelo Flight Price Index, o Brasil figurou entre os países com menor tarifa para curtas distâncias, mas alerta que não acompanha os preços e a comercialização dos bilhetes.