Economia

"Mudança no Banco Central é para depois", diz Arminio Fraga em entrevista

Ministro da Fazenda em eventual governo de Aécio Neves diz que Banco Central terá autonomia, mas independência não será prioridade

Paulo Silva Pinto
postado em 23/10/2014 09:21
O economista Arminio Fraga tem se irritado com os ataques da campanha da presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição pelo PT, que o associam a propostas de redução do tamanho de bancos públicos ou ao aumento do desemprego. ;Entendo o calor da campanha, mas o que se diz é falso ou fora do contexto;, afirma. Ele presidiu o Banco Central (BC) no governo Fernando Henrique Cardoso e já foi anunciado para o Ministério da Fazenda caso Aécio Neves (PSDB) vença a eleição.



Fraga esclarece que Aécio defende a autonomia operacional do BC, mas eventuais regras para formalizá-la só serão discutidas mais tarde, não no início do governo. Ele descarta cortes de investimentos e de gastos sociais. A seguir, sua entrevista ao Correio:


Sua proposta de eliminar as ntervenções diárias do Banco Central (BC) no mercado de âmbio, que já acumula US$ 100 bilhões em contratos de swap, não traria maior volatilidade?

Essa questão tem duas dimensões. A curto prazo, é normal que haja alguma volatilidade. O governo consegue segurar isso, mas a longo prazo acaba provocando um movimento muito maior. A administração da volatilidade a curto prazo atrai um capital de má qualidade, que não nos interessa.

Economistas têm dito que a única maneira de ampliar o superavit primário é reduzir investimentos, dada a inflexibilidade de outras despesas. Como resolver isso?
Essa é uma visão muito pessimista. Não é preciso cortar gastos sociais, tampouco investimentos. É um compromisso nosso e um desafio. Por tudo o que vejo de desvio e de má gestão, é possível fazer mais.

Pode citar alguns exemplos e má gestão?
Há atrasos e sobrepreços por todo lado. Isso vai ter que ser detalhado adiante, temos de ver o que se vai herdar. O Orçamento existe para estabelecer prioridades.

O que seria melhor para o BC: autonomia ou independência formal?
A posição do Aécio é muito clara: autonomia sim, mas formalizar não é a prioridade. Isso poderia ser um tema a discutir em um segundo momento. Ele (Aécio) tem ordem de prioridade, com a qual eu concordo integralmente, quanto à reforma do Estado e a temas ligados à infraestrutura. Acho que a autonomia do BC é um bom sistema, que poderia ser discutido nos detalhes. O mundo dos bancos centrais evoluiu muito e o ideal, hoje, não é o que se pensava há dez anos. O conceito é o de agência. Como formalizar isso é um assunto para discussão.

Como foi o episódio do convite para o senhor integrar o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva?
O livro do (ex-ministro Antonio) Palocci registra muito bem isso. Conversei muito com ele durante a transição. Dei uma eclaração genérica de que ficaria por um período, algo como seis meses, se fosse necessário. Tive duas excelentes conversas com o Lula já eleito. Eu estava ali para ajudar e funcionou bem essa integração.

Levando em conta essa boa elação que houve 12 anos atrás, os ataques que o senhor vem ofrendo da campanha do PT incomodam?
Têm me incomodado porque muito do que se diz é falso ou fora de contexto. Entendo o calor da campanha, mas acho que, em geral, as coisas passaram do ponto. Escrevi um artigo sobre os mitos do PT e nada foi contestado. Mas uma declaração sobre o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) está sendo usada fora de contexto: a frase em que digo que não sei que tamanho o banco teria no fim do processo. Simplesmente, afirmo que não faz sentido a ;bolsa empresário;, a concessão de imensos benefícios. Ou subsidiar a Petrobras. E nem citei os contribuidores de campanha. Não existe meta para o tamanho do BNDES, mas sim o desejo de ter critérios sociais para o uso do dinheiro público. Não falei do Banco do Brasil e da Caixa, que precisam ser protegidos e competitivos. Eles têm também missões, mas os recursos para isso têm de vir do Orçamento da União.

Pode citar algum dos mitos do atual governo?

É incrível o governo defender a taxa de inflação que está aí. Achar que um pouco de inflação vai fazer bem ao Brasil. É um equívoco de colossais proporções.

Ainda que o senhor pretenda levar a inflação para o centro da meta de modo gradual, ao longo de alguns anos, os efeitos, num primeiro momento, não seriam recessivos por conta do maior rrocho fiscal e monetário?
A recessão já está aí. É totalmente injusto nos colocar a culpa por recessão e por baixo crescimento. No governo Lula, manteve-se uma política comprometida com metas e o Brasil avançou na média dos países vizinhos. Recentemente, (o cumprimento de metas) deixou de acontecer e o país passou a crescer dois pontos abaixo da região. A média anual (de crescimento) do governo Dilma vai ser de 1,6%.

Como destravar o investimento?
A incerteza é o que mais tem assustado empresas e consumidores. A grande fronteira do país para investimentos é a infraestrutura. O governo faz muito discurso sobre isso, mas está tudo atrasado, com resultado geral pífio. O investimento agregado caiu para 16,5% do PIB. Reduzindo a incerteza, a confiança volta e o investimento privado começa a andar.

Mas essa volta da confiança acontecerá simplesmente pelo fato de Aécio ser eleito?
Ouvir por aí que ;a confiança vai ser restabelecida só de vocês entrarem; é simpático. Mas não é só isso. Tem de ter substância. Um tema importante é a reforma tributária, porque hoje temos um sistema complexo, cumulativo, que pune exportações. Temos o compromisso de fazer essa reforma.



A reforma tributária é discutida desde o governo de Fernando Henrique Cardoso e não anda. O que o faz acreditar que agora ocorrerá de fato?
Tudo na vida tem seu momento. Ao longo do tempo, foi se criando um consenso. Agora, seria o tema prioritário de uma administração nova, que chegaria preparada, com um roteiro que está no programa de governo.

Os juros podem subir no próximo ano ou tendem a diminuir?
Como a economia já está em recessão e outros instrumentos seriam administrados, não precisamos nos assustar. Não sei dizer como ficaria, afinal o BC seria autônomo. Vai depender das circunstâncias. O juro de longo prazo cairia, ajudando o investimento e, indiretamente, de maneira virtuosa, a inflação. Maior demanda leva a aumento de preços, mas isso também ocorre pela oferta insuficiente.

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