Diversão e Arte

Documentário homenageia o maestro Claudio Santoro

Santoro - O homem e sua música, em cartaz, desfila várias fases do monumental maestro de Brasília

Ricardo Daehn
postado em 05/03/2017 07:33

No documentário, Santoro é elevado a nomes como Carlos Gomes e Heitor Villa-Lobos

A palavra vem não só dos musicólogos Lutero Rodrigues e Sérgio Nogueira Mendes, mas ainda é completada pela visão do especialista Fernando Bicudo: todos acham que, ao lado dos renomados Carlos Gomes e Heitor Villa-Lobos, o compositor e maestro Claudio Santoro forma espécie de triunvirato da música erudita brasileira. ;Em termos da busca de aprimoramento de novas técnicas, o Sérgio Mendes posiciona Santoro com equiparação ao russo Stravinsky. Santoro era um maestro sofisticado que sofreu muito, na pele, por ser comunista e por não abrir mão da ideologia;, comenta o cineasta John Howard Szerman, ao lançar o longa-metragem Santoro ; O homem e sua música, exibido anteriormente, em 2015, durante o 48; Festival de Brasília.

;A ideia do filme é ser bem didático com relação ao personagem. No filme, não temos ares vanguardísticos, nem quisemos trazer algo mirabolante;, explica Howard, em torno da fita sobre o compositor e maestro, morto em 1989. Metade do filme é formada por música e o restante comporta depoimentos e material de arquivo. John Howard arregimentou para o filme a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, as filarmônicas do Amazonas e de Minas Gerais e a Orquestra Sinfônica Brasileira. Além disso, a antiga Sinfônica da Rádio de Berlim, em raro material de 1964, apresenta a 7; Sinfonia.

Depoimentos de ex-alunos do maestro que fundou o Departamento de Música da UnB integram o longa-metragem em cartaz. Os maestros Guilherme Vaz e Claudio Cohen aparecem na fita, que conta também com participação do pianista Ney Salgado e de Sílvio Barbato (morto em 2009). Inglês, mas criado no Rio, o diretor de Santoro ; O homem e sua música, John Howard, chegou a Brasília, em 1992, e conta que nunca foi próximo a Santoro. ;O encontrei apenas uma vez, na Sala Cecília Meireles (RJ). Fui mobilizado, na verdade, pela viúva dele (a professora de dança Gis;le Santoro) que me alertou: ;Não tem material nenhum do Claudio, não tem nada ; não tem documentário; ele vai acabar no esquecimento;;, conta o diretor.

Com roteiro elaborado em parceria com Gis;le, o cineasta deu sequência ao longa orçado em R$ 295 mil (vindos do Fundo de Apoio à Cultura) e finalizado em 2015, com três anos e meio de produção. ;Quem escolheu a trilha musical foi o Alessandro Santoro, pianista e maestro formado na Rússia. O filho de Claudio é o maior conhecedor da obra dele ; daí a escolha. O longa traz falas de Santoro, e mostra até ele tocando um trecho da ópera Alma;, adianta.

Um paralelo, que se estende para a situação de penúria do Teatro Nacional Claudio Santoro, traz desgosto no realizador. ;Claudio viveu o pão que o diabo amassou. Quase que o tempo todo, sofreu muito na carne. Teve problemas de dinheiro em vários momentos, beirando a miséria, numa época em que deu muitas aulas de piano para sobreviver;, lembra Howard. Ele se diz inconformado com a ;situação chata; pela qual passa o principal, e abandonado, palco da cidade.

Ironia do destino que Santoro ; O homem e sua música seja apresentado no Cine Brasília, que acolhe (numa iniciativa louvável) concertos da OSTNCS. ;O governo Agnelo colocou R$ 2 bilhões na reforma do Mané Garrincha, e fechou o Teatro Nacional. Claro que precisava ser fechado: já estava numa situação complicada. Mas o esperado é que houvesse a reforma, e fosse reaberto no menor tempo possível. Até hoje não aconteceu nada! É uma pena: a reforma do teatro não sairia nem 10% do valor destinado ao estádio, e o principal aparelho cultural do DF está parado e sem previsão de retomada;, desabafa.

Homem múltiplo
Até a volta do exílio (na Alemanha), perto dos anos de 1980, Claudio Santoro tem várias facetas encampadas no documentário Santoro ; O homem e sua música. ;Ele começou dodecafônico, tendo sido aluno de Hans-Joachim Koellreutter, no Conservatório Brasileiro de Música (RJ), e teve aulas com Nadia Boulager;, pontua o cineasta. Uma curiosidade está na fase dos Treze Poemas de Amor, composições para poemas do amigo Vinicius de Moraes. ;Com este material musicado, eles se tornaram praticamente precursores da Bossa Nova;, explica Howard.

Outro momento relevante para a fita está na imersão de Santoro pela União Soviética, durante o Segundo Congresso de Compositores Socialistas. ;Lá, ele teve o entendimento de que a música deveria ser entendida pelo povo. Ela deveria passar mensagens, fossem estéticas, fossem políticas. Dali, Santoro ter partido para uma fase nacionalista, que até ele nem gostava;, detalha o cineasta.

Denunciado como comunista por um colega de profissão para os militares, Santoro foi daqueles professores que saíram no que foi considerada uma diáspora, na UnB, em meados dos anos de 1960. Exilado na Alemanha, entre 1969 e 1977, ele teve acentuado o contato com a música eletrônica. ;Ele chegou a montar um estúdio em casa, perto daquele período, com dois gravadores, sintetizador, e seguiu composições num estilo eletroacústico;, conta Howards. Sem muitas oportunidades, Santoro canalizou o talento para a criação em trilhas sonoras de cinema. ;Além disso, ele atuou como diretor musical da série Carrossel, composta por aqueles disquinhos coloridos, meio transparentes que traziam obras como Cinderela. Santoro foi também diretor musical da Rádio Nacional e da Eldorado, e, quando a barra pesava, o Pixinguinha o chamava para trabalhar. Depois do exílio na Alemanha, em que ele foi diretor da Orquestra de Mannheim, ele recebeu um convite do Geisel, em 1977, quando o presidente disse: ;Nós precisamos de você no Brasil: vá trabalhar lá;;, arremata John Howard Szerman.

Duas Perguntas - para Alessandro Santoro, pianista, cravista e filho de Claudio Santoro

Qual o sentimento de ver o Teatro Nacional fechado e nas condições atuais?

De imensa tristeza. Meu pai deixou tudo que tinha no exílio, inclusive uma aposentadoria confortável, para retornar ao Brasil por três motivos: sua clara paixão utópica pela cidade, concluir o que tinha iniciado nos anos 60 no Departamento de música da UnB e criar a Orquestra e a estrutura do Teatro Nacional (o projeto previa além da orquestra naturalmente, também a criação de uma estrutura operística assim como uma companhia de dança).

Passaram se tantos anos e depois de tantas inaugurações e reinaugurações, reformas com e sem placas com nomes de ilustres políticos da cidade do país, o que temos no momento? Um Teatro fechado e se arruinando.

Aparatos como o Teatro Nacional deveriam a meu ver ser imunes a tempestades políticas e econômicas, independentes de ideologias: funcionando sempre como templos de celebração daquilo que a cultura humana cunhou de mais sublime e nobre. Um Teatro deveria ser eternamente um símbolo de cultivo da memória cultural. O que um país como a Alemanha fez no seu período mais recente de crise econômica? Investiu massivamente na cultura de seu país e acelerou a sua recuperação. Não deveríamos fazer o mesmo?

Existe também um descaso nacional com a cultura, aquela considerada de ;elite;; digo descaso nacional ao ver que os grandes representantes políticos do país na capital não prestigiam a orquestra ou qualquer outra atividade do Teatro Nacional. A questão é logicamente de prioridade.

Aonde você percebe a influência do seu pai, nas suas criações?

Não existe influência do meu pai, pelo fato que as obras apresentadas no documentário são totalmente de autoria dele. Me vejo como um diretor musical, não como um criador de trilha, alias quem está trabalhando com isso é o meu irmão DJ Raffa. O desafio no documentário foi tentar ilustrar ao máximo o lado eclético do meu pai, compositor que flertou com diversos estilos, gêneros e formações musicais, sempre com uma assinatura inconfundível, tendo como premissa apenas exemplos musicais curtos. Espero que gostem do resultado.


R$ 295 mil
Orçamento do documentário


Depoimento

Santoro - O homem e sua música, em cartaz, desfila várias fases do monumental maestro de Brasília

Gis;le Santoro, professora de balé e viúva de Claudio Santoro

;O Claudio (Santoro) era imprevisível; ele tinha uma inquietude intelectual difícil de ser captada, num filme, numa entrevista. Eram coisas que transpareciam na vivência política e no cotidiano dele.

No filme, percebi o esforço do cineasta em captar a paleta de notas e sonoridade presentes na música do Claudio. A obra tem de ser maior do que o homem, do que o indivíduo ; e isso fica claro, na tela. No filme, foi bem destacada não só a quantidade de peças produzidas por Santoro, mas também a qualidade. Ele estava sempre querendo ir além: buscava dados novos e contemporâneos.

Em muitos momentos, Claudio era fora do comum, nunca acomodado. Ele não realizava coisas pela vontade de agradar. A criação musical dele nunca era unicamente cerebral: sempre tinha uma abordagem lírica.

Conviver com a genialidade dele não era difícil: era único. Quando fui entrevistada para um projeto do Museu da Imagem e do Som, me lembro de ter desabado com uma pergunta sobre a ausência dele. É que me dei conta de que não faltava meu marido, e o pai dos meus filhos; percebi o quanto faria falta acompanhar, ativamente, as criações dele ; de como era divino presenciar o brotar das novas músicas dele.

Eu me apaixonei por ele, e pela capacidade de dividir comigo os sentimentos intensos das criações dele;.

Raffaello Santoro, o produtor DJ Raffa, filho de Claudio Santoro

;Hoje, tenho 48 anos; quando meu pai morreu, tinha 20. Ele trabalhava muito, viajava, passava muitos períodos fora de casa, então, comecei a me aproximar mais do universo dele, aos 16 anos, por caus

%u200Ba%u200B do interesse nas composições e nos equipamentos da música eletrônica dele.

Sabia até de muitas partes e episódios relatados no longa Santoro ; O homem e sua música, por meio de relatos. A obra dele eu já conseguia enxergar. É um conteúdo que tem muito a ver com o estado espiritual do meu pai.

Vejo a produção musical dele como consequência do resultado do momento de vida dele, reafirmando traços políticos, nas circunstâncias das criações artísticas. A parte musical do é muito perfeita. A vida pessoal é mais compreendida por nós (pela família).

Quanto aos ensinamentos deixados pelo meu pai guardo um, em especial: ele estava o tempo todo se reciclando. Lia muito coisas de filosofia e acompanhava todos os tipos de expressão artística. Constantemente, ele se atualizava.

Santoro tinha um lado revolucionário que eu persigo no hip-hop; menos pelo lado artístico, mas mais pelo viés social e militante. Ele sempre levava as coisas a sério. Para meu pai, sucesso e fama vinham como consequência, como resultado de árduo trabalho, que se alinhava ao talento;

Uma pirâmide bastante degradada

Em 1979, o maestro Claudio Santoro voltou ao Brasil e fundou a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional. Naquele mesmo ano, a mulher do músico conta que ele foi convidado para fazer um projeto, que envolvia orquestra, corpo de balé e oficinas no espaço. Porém, ela revela que foi engavetado pelo governo da época. Atualmente, a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional se apresenta de forma itinerante no Cine Brasília.

Desde fevereiro de 2014, o Teatro Nacional Claudio Santoro está fechado por determinação do Ministério Público do Distrito Federal e do Corpo de Bombeiros, que apontaram 112 determinações que precisariam ser cumpridas para garantir a preservação e acessibilidade no espaço cultural. Em janeiro deste ano, o Ministério da Cultura firmou uma parceria com a Secretaria de Cultura do DF para reabertura do Teatro Nacional Claudio Santoro, que será feita por meio de uma licitação para início das obras ainda em 2017.

De acordo com a assessoria de imprensa da SeCult, "no ano passado, a secretaria iniciou o trabalho de revisão do projeto, para poder realizar uma obra que respeite o projeto contratado, mas que permita uma ação por etapas, iniciando provavelmente pelo Foyer da Villa-Lobos e em seguida as salas Martins Penna, Alberto Nepomuceno e, então, Villa-Lobos." (Adriana Izel)

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