;Vamos para o futuro, de volta para Vigotski;, disse uma vez o filósofo russo moderno Vladimir Bibler. Passados 76 anos de sua morte, Lev Vigotski se torna mais atual do que nunca. Junto da teoria do biólogo suíço Jean Piaget, sua psicologia não clássica se tornou um dos alicerces da teoria do desenvolvimento humano. Os dois entendiam a criança como um ser ativo e atento que, durante todo o tempo, cria hipóteses sobre o ambiente ao seu redor. No entanto, enquanto Piaget olhou para a maturação biológica, o interior e o aspecto físico, Vigotski apontou o ambiente exterior e a interação social como os principais fatores de desenvolvimento, sendo um dos fundadores da psicologia histórico-cultural.
Se a obra desse bielorrusso morto em 1934, aos 38 anos, permanece viva até hoje, muito se deve ; além do indiscutível valor das ideias ; ao trabalho de sua neta, Elena Kravtsov. Ao lado do marido, Guenadi, ela é uma das principais estudiosas do trabalho de Vigotski. Graduada em psicologia pela Universidade Estatal de Moscou e doutora em educação pelo Instituto de Desenvolvimento da Personalidade, Elena se dedica há algumas décadas a pesquisas sobre o desenvolvimento humano e possui diversos trabalhos científicos nas áreas da psicologia e da educação.
Além de dirigir o Instituto L. S. Vigotski, na Universidade Russa de Humanidades, ela percorre o mundo divulgando e esclarecendo pontos sobre a obra do avô, ainda hoje mal-interpretada por problemas de tradução ou edições que propositadamente suprimiam algumas ideias do teórico, claro defensor da revolução socialista (leia Para saber mais). Elena espera que problemas desse tipo sejam diminuídos a partir do lançamento das obras completas de Vigotski, nas quais ela trabalha. Todo o material deve somar 16 volumes, sendo que os dois primeiros estão previstos para sair ainda este ano na Rússia.
Em visita a Brasília na semana passada, onde apresentou um ciclo de palestras no Centro Universitário de Brasília (UniCeub), ao lado do marido, Elena conversou com o Correio sobre a teoria de seu avô a respeito do que é o desenvolvimento humano, de como pais e professores podem ajudar no progresso infantil e do que é uma boa escola. Veja os principais trechos da entrevista a seguir.
Ao definir uma boa escola, Vigotski afirmou que seria aquela que, quando a mãe pergunta o que o professor fez, a criança responde: ;Nada. Nós fizemos tudo sozinhos;. Como isso acontece?
Essa ideia é baseada nas palavras de Vigotski para quando a pessoa se sente o motor, a fonte das próprias ações. Ela age com personalidade. Faz parte do desenvolvimento e é interessante que se a pessoa se sinta a autora no momento de captação do conhecimento, e não como se o conhecimento fosse imprimido nela. Por exemplo: uma criança estuda aritmética e conhece expressões simples de subtração e soma. Consegue responder com facilidade quanto é 80 menos 20. Depois, você dá R$ 100 para ela e pede para que compre alguma cosia e traga o troco. A criança não consegue resolver esse tipo de questão, apesar de ter o conhecimento da aritmética. A partir daí, você entende que muitas vezes o aluno estuda para o professor e não para ele mesmo.
Seria esse um exemplo da diferença entre o desenvolvimento e a aquisição de uma habilidade?
Na aquisição de habilidade, nada se altera na consciência. A pessoa continua sendo a mesma que era antes de passar por esse processo. Passa apenas a saber tocar um instrumento ou a jogar xadrez. Por outro lado, é possível, sem ter adquirido nenhuma nova habilidade, mudar sua consciência, sua forma de ver o mundo e passar por um processo de desenvolvimento. A aquisição de habilidade é muito mais rápida e muito mais visível, mas tem um significado muito menor na vida da pessoa. Os pais, às vezes, não acreditam muito nisso e acham que, se levar o filho a um máximo de aulas particulares, ele vai se desenvolver. Na verdade, ele continua sendo ele mesmo e acaba se desenvolvendo por si só, usando um lápis, um brinquedo ou alguma coisa simples que leva na mochila mesmo.