Paloma Oliveto
postado em 01/07/2011 08:00
Às vezes, ao olhar para o céu, tem-se a impressão de que há um buraco formado entre as nuvens. É um belo efeito que, de natural, não tem nada. Esses rasgões celestiais são, na verdade, provocados pela passagem de aviões e, de acordo com um estudo publicado na edição de hoje da revista especializada Science, podem provocar alterações climáticas.;O fenômeno é antigo, mas os mecanismos de formação, desenvolvimento, duração e extensão dos efeitos foram solenemente ignorados até agora;, diz o artigo. Os buracos não chegam a causar mudanças no nível global, mas podem afetar o tempo nas regiões próximas aos aeroportos, explica ao Correio o principal autor, Andrew Heymsfield, do Centro de Pesquisas Atmosféricas em Boulder, no Colorado (EUA). ;As camadas podem se estender por dezenas de quilômetros no raio dos principais aeroportos do mundo. Os efeitos são mais pronunciados perto das regiões polares, onde as nuvens são particularmente suscetíveis;, conta. A consequência, segundo o cientista, são mais precipitações e formação de neve.
Heymsfield esclarece que as nuvens contêm água supercongelada, abaixo de -10;C, ou em estado líquido, perto do ponto de congelamento. Quando os aviões passam por elas, liberam calor. O ar quente sobe, provocando uma corrente de ar de baixo para cima, formando vapor. A umidade, então, condensa, a nuvem fica maior e, consequentemente, chove forte.
O efeito é semelhante à semeadura de chuva, uma técnica usada para levar água a regiões muito áridas. Nesses casos, os pilotos, propositadamente, caçam as nuvens em formação e as atingem para que condensem. ;Geralmente, o método é realizado utilizando substâncias químicas que estimulam a produção de gotículas de água dentro das formações de nuvens. Existem vários estágios no processo, sendo que, no final, é adicionado cloreto de sódio para acionar a chuva. Em boas condições, a nuvem condensa e a chuva começa a cair;, explica ao Correio Soothiporn Jitmittraparp, pesquisador tailandês especialista na técnica. Ele conta que a abordagem é comum em países do sudeste asiático, como Malásia e Indonésia.
No estudo liderado por Heymsfield, porém, os pesquisadores perceberam que efeitos semelhantes são obtidos pela passagem cada vez mais intensa de aviões comerciais e fretados pelos principais aeroportos do mundo. Sem que esse seja o propósito, as aeronaves estão cavando canais através das nuvens, que podem continuar a se expandir horas depois do evento.
;Embora o fenômeno não atinja o clima global, talvez seja necessário aumentar o uso de descongeladores dos aviões no futuro;, acredita o cientista. Como a temperatura externa em um voo pode chegar a -40;C, as aeronaves precisam ser borrifadas com um líquido descongelador; caso contrário, ficariam cobertas por cristais de gelo.
Imagens de satélite
A equipe de Andrew Heymsfield analisou imagens de satélite de buracos abertos por aviões em seis aeroportos ; de Londres, Frankfurt, Paris, Chicago, Canadá e Antártica ; e depois usou modelos meteorológicos para simular o crescimento e a evolução dessas nuvens. ;A trajetória do avião é que define se será criado só um furo ou um longo canal. Quando ele voa acima de uma camada de nuvens supercongeladas, pode apenas fazer um rasgão. Mas se passa através dela, produz canais que provocam o fenômeno que descrevemos;, diz o cientista.
Alguns desses canais estudados pelos cientistas espalhavam-se por 100km e pairavam nos céus por mais de quatro horas. Dos aeroportos estudados, os de Frankfurt, Paris e Chicago são os que mais experimentam precipitações provocadas pela semeadura de nuvens. O fenômeno foi observado mais de 5% do tempo ao longo de um ano.
Além da trajetória do avião, o desenho da hélice influencia a magnitude do evento. Um avião a hélice empurra o ar por trás dele, gerando um impulso ao redor das pás giratórias. ;Esse impulso esfria o ar em até 30;C, provocando a formação de gotículas de nuvens de congelamento e deixando um rastro de cristais de gelo;, diz Heymsfield. Segundo ele, naturalmente, a temperatura das nuvens gira em torno de -10;C, mas cai para -40;C quando são atravessadas por aviões, justamente por causa do efeito de formação de gelo.
O estudo se concentrou em países frios, mas a equipe pretende explorar as consequências dos rastros de nuvens deixados por aviões em outros tipos de clima. A próxima região a ser analisada pela equipe de Heymsfield são as Ilhas Virgens Americanas, no mar do Caribe. ;Pretendemos saber o que ocorre no clima tropical;, conta o pesquisador. Embora o estudo não tenha estimado o total de chuva ou neve resultante da semeadura de nuvens, leituras feitas por radares, em um dos casos, indicou que a taxa de neve cresceu 2,5cm depois da passagem de diversos aviões.