postado em 30/06/2011 07:52
O câncer é uma das doenças mais complexas da modernidade. Não apenas porque há cada vez mais diagnósticos, mas também porque as causas da doença podem mudar conforme o tipo de tumor e de pessoa para pessoa. A patologia surge a partir de mutações genéticas, que ocorrem devido a heranças familiares ou em razão do envelhecimento das células. Para entender como isso ocorre, os cientistas tentam identificar a evolução dessas alterações no DNA. Dois artigos publicados hoje em revistas especializadas revelam o enredo dos genes defeituosos em dois tipos de câncer ; o de pele e o de ovário. A descoberta pode melhorar o diagnóstico e ajudar na produção de drogas mais eficazes.Dados do ano passado mostram que o carcinoma, o tipo mais comum de câncer de pele, acomete 150 em cada 100 mil pessoas entre a população branca. Embora muitos casos não sejam graves, a doença pode evoluir para metástases em outros órgãos. Para tentar descrever melhor esse processo, cientistas chineses, coreanos, norte-americanos e dinamarqueses se uniram na tarefa de revelar o roteiro da evolução desses tumores. A partir da análise de oito amostras de carcinomas, encontraram um padrão na ocorrência das mutações genéticas (veja arte).
Os tecidos foram retirados de pessoas com a doença, mas que ainda não haviam entrado em um estágio avançado. Após avaliar o crescimento das células cancerosas, eles perceberam que a ordem das mutações foi a mesma em sete dos oito tumores, algo importante para uma doença que é tão variável de indivíduo para indivíduo. ;Conhecer as primeiras lesões de um câncer ajuda não só no diagnóstico, mas também a melhorar as estratégias de tratamento;, disse ao Correio Raymond Cho, dermatologista da Universidade da Califórnia em São Francisco e um dos autores do estudo. Os resultados foram publicados na revista Cancer Discovery, da Associação Americana de Pesquisa sobre Câncer.
Identificar um padrão nas alterações genéticas dos tumores é algo mais complicado do que parece. ;O grande problema é que o câncer é poligênico, provocado por várias mudanças, ao contrário do que acontece na hemofilia, em que há a mutação de um só gene;, exemplifica o geneticista Wilson Araújo, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. A definição das anomalias ajuda a estabelecer os estágios da patologia. ;Isso não é determinado apenas com o diagnóstico. Muitas vezes, os tumores não obedecem a qualquer ordem de evolução;, esclarece Araújo. O câncer de mama, diz o especialista, é um dos principais desafios da medicina, porque pode crescer de inúmeras formas diferentes.
Além de encontrar o roteiro da evolução do carcinoma, os pesquisadores também identificaram mais de 1,3 mil alterações genéticas em um dos genes mais frequentes nos tumores, o TP53. Presente em vários tipos de câncer, ele é responsável pela piora do quadro. Isso porque, quando está operando de forma correta, ele trabalha para corrigir as alterações genéticas. ;Ao longo da vida, você sofre lesões naturais no DNA, provocadas por radiações e compostos químicos. O TP53 está associado ao reparo dessas mudanças;, detalha Wilson Araújo.
Como se trata de um gene essencial à manutenção da vida, quando o TP53 entra em parafuso, as consequências são desastrosas. Isso também foi verificado no estudo de hoje. Segundo os resultados, as mutações nesse gene foram responsáveis por aberrações cromossômicas nas células cancerosas e, consequentemente, pela piora da gravidade do tumor. Mutações comuns ocorrem em pontos específicos do DNA, mas, porventura, acontecem alterações grosseiras, que conseguem apagar uma região inteira de genes.
Órgãos irmãos
Depois de identificar as alterações genéticas do câncer de pele, os pesquisadores decidiram verificar se o mesmo padrão ocorria em outro tipo de tumor. Escolheram o de ovário, responsável por 13,8 mil mortes de mulheres no ano passado, somente nos Estados Unidos. O padrão de aparecimento das mutações foi o mesmo em três amostras, assim como a predominância de anomalias no TP53. ;Nosso trabalho indica que a perda da segunda cópia natural desse gene é muito crítica, fazendo com que o organismo ganhe anomalias adicionais e, talvez, contribuam para o desenvolvimento do câncer;, observa Raymond Cho.
Para se ter uma ideia da importância do TP53, uma pesquisa publicada hoje na revista Nature sugere que ele está presente em 96% dos tumores de ovário. Pesquisadores do Atlas do genoma do câncer ; uma entidade internacional que reúne cientistas dedicados à patologia ; sequenciaram parte do genoma de 316 amostras e encontraram um padrão de mutações relativamente simples. ;Esse estudo fornece uma visão integrada em grande escala das aberrações. No geral, os espectros mutacionais foram surpreendentemente simples;, escrevem os autores do artigo. Além do TP53, outros dois genes, o BRCA1 e o BRCA2, apresentaram mutações em 22% dos casos. Outros sete genes significativamente mutantes foram identificados, mas apenas em menos de 10% das amostras.
O mapeamento das anomalias do DNA pode ser a chave para o diagnóstico precoce e a melhoria das terapias gênicas. No caso da pesquisa sobre o câncer de pele, ainda é preciso ampliar o número de exemplares estudados. Embora o padrão tenha ocorrido em sete dos oito tumores, o universo ainda é muito pequeno. ;O problema é que ainda é muito difícil colher um número grande de amostras;, pondera o geneticista Wilson Araújo. Os resultados das duas pesquisas farão parte do banco do Atlas do genoma do Câncer. ;O aspecto mais interessante dessa pesquisa é que ela cresceu a partir de um investimento global no estudo do sequenciamento do DNA que caracteriza o câncer;, comenta Raymond Cho. Em consequência, dizem os especialistas, a conduta terapêutica ficará ainda melhor.
De pai para filho
Cerca de 10% dos tumores nascem por causas hereditárias. Os outros 90% são conhecidos como esporádicos e acometem, principalmente, as pessoas que já passaram dos 60 anos. Nesse caso, o problema é provocado, basicamente, pelo envelhecimento celular. Ao definir as marcas genéticas do câncer, é possível melhorar a prevenção dos tumores hereditários e o tratamento para os esporádicos.
FDA proíbe o Avastin
Especialistas independentes convocados pela Administração Americana de Alimentos e Medicamentos (FDA) ratificou ontem a recomendação de proibir a venda do Avastin. O grupo afirmou que os testes demonstram que o Avastin não é efetivo contra o câncer de mama, depois que a Roche iniciou na terça-feira uma audiência de dois dias para pedir que a FDA reconsiderasse sua posição. O medicamento, também conhecido como bevacizumabe, traz riscos como hipertensão arterial grave e hemorragia e não prolonga a sobrevida global em mulheres com câncer de mama. A recomendação não afeta o uso do Avastin para outros tipos de câncer.