Walder Galvão*, Lucas Nanini - Especial para o Correio, Luiz Calcagno
postado em 18/02/2018 08:00
Com coleta seletiva em apenas 16 das 31 regiões administrativas e catadores se adaptando a um novo jeito de ganhar a vida com a separação de material reciclável, a relação entre aqueles que tiravam seu sustento do Lixão da Estrutural e o Poder Público apresenta falhas e atritos. Há um mês, o espaço de 200 hectares ; então o segundo maior do mundo e primeiro das Américas ; foi fechado.
Os catadores reclamam que falta material para triagem, por isso, o rendimento caiu drasticamente. Alguns voltaram para as ruas atrás de lixo. O governo diz que a situação vai melhorar à medida que a coleta seletiva for ampliada e os envolvidos, principalmente a população, entenderem melhor como funciona o processo.
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A presidente do Serviço de Limpeza Urbana (SLU), Kátia Campos, garante que a coleta seletiva será ampliada até o fim do mês. Mas destaca que o Distrito Federal só terá cobertura em 100% do território depois que o Tribunal de Contas do DF liberar a licitação aberta em dezembro de 2016 (leia mais ao lado).
Para organizar a triagem de lixo reciclável usando a força de trabalho dos catadores, o GDF fez um cadastro e levou os envolvidos a galpões onde se faz a separação de material para venda. Os trabalhadores que ganhavam dinheiro no Lixão dizem que a quantidade coletada atualmente no DF não é suficiente para se ter uma renda ;digna;. Há relatos de rendimento de R$ 19 em uma semana, enquanto que, no Lixão, passava de R$ 500.
Por isso, a adesão entre os cadastrados tem sido baixa. Dos 1.316 catadores que deveriam atuar nos novos espaços, 614 estão nos galpões, segundo o SLU. Alguns têm preferido recolher produtos recicláveis nas ruas e não ir aos espaços disponibilizados pelo GDF, como Maria Ivonete Gomes, 44 anos, que trabalhou por 15 anos no antigo Lixão.
Emoção
;O governo prometeu trabalho digno, mas eu pergunto: ;É digno de quê?; Não existe coleta seletiva dentro de Brasília. Se antes diziam que a gente comia com os urubus, eu digo que antes a gente tirava o sustento ao lado dos urubus, mas tinha o que comer em casa, limpinho. Agora, a gente vai para o galpão e não tem comida;, declara Ivonete.
A catadora tem se reunido com outros colegas, todos moradores da Estrutural, para recolher material nas ruas. Uma das parceiras dela é Sandra Regina Cândida da Silva, 45 anos, 22 de Lixão. Ela tem dividido seu tempo entre atuar em um galpão e recolher recicláveis em vias públicas.
Risco
;Eu tirava R$ 1 mil por mês, agora tiro R$ 27. O governo acabou com o meu ganha-pão. Sem contar que o lixo que vai para coleta tem de tudo, inclusive lixo hospitalar, um risco para nós. Fica tudo junto, lixo seco, lixo molhado;, se queixa Sandra.
Marcos Souza, 33, optou por só trabalhar no galpão cedido pelo GDF. Na atividade desde 2000, ele conta que tirou míseros R$ 60 em quase quatro semanas. Ele garante que ganhava entre R$ 2 mil e R$ 3 mil por mês na Estrutural.
;Esse dinheiro não dá para nada. Por enquanto, estou me virando com um cobre que juntei, mas está acabando. Eu sabia que o Lixão ia fechar e juntei. Mas está muito difícil. Eu ia erguer uma casa este ano, mas vou ter que adiar;, afirma. A renda da família é completada com o salário da mulher, que também foi catadora e hoje é camareira de hotel. O casal tem quatro filhos, entre 4 e 12 anos.
São cinco galpões disponíveis, dois deles em áreas distantes do antigo Lixão ; um no Setor de Armazenagem e Abastecimento Norte (SAAN), outro em Ceilândia. Nas primeiras semanas, os catadores tiveram de custear as passagens de ônibus. Desde antes do carnaval, o GDF disponibiliza ônibus de graça para os grupos das duas unidades.
Necessidades
A queixa dos catadores é ressaltada por cooperativas e por organizações que auxiliam os moradores da Estrutural. Em geral, o discurso é de que a comunidade está ;passando necessidade;. ;Eu vejo a situação como muito ruim, não foi tratada com respeito à pessoa humana;, afirma a presidente da ABC Prodein (Associação Beneficente Cristã Promotora do Desenvolvimento Integral), irmã Luz Mery Suarez. A ONG arrecada cestas básicas para os moradores.
;Não fizeram nada pelos catadores, não indenizaram as pessoas que viviam do lixo. Tem que fazer a inclusão social dessa população, inclusão no mercado de trabalho. Eles (governo) falam que têm estrutura, mas não é verdade. Deveria ter conversado com cada catador.;
No domingo passado, a organização entregou 80 cestas de alimentos para os moradores. Segundo a irmã Luz Mery, a entidade costumava oferecer 30 kits de produtos antes do fechamento do lixão. Para a presidente da ONG Estruturando, Angela Castilho, o GDF não deu alternativas para a comunidade, por isso, aumentaram as solicitações de auxílio pela organização. A entidade presta atendimento em creches da Estrutural.
A presidente da Central de Cooperativas de Materiais Recicláveis do DF (Centcoop), Aline Sousa, reclama que as cooperativas não participaram da distribuição de catadores nos galpões. Ela reforça a queixa de que falta material para catadores.
;O que está acontecendo com eles é desumano. Como em Brasília não tem coleta seletiva, os mais de 1 mil catadores têm que se contentar com as poucas áreas de coletas.; Segundo Aline, um grupo de 314 catadores, por turno, divide a coleta de um carro apenas. ;Com isso, retiraram R$ 19 na semana passada.
* Estagiário sob supervisão de José Carlos Vieira
Rendimento
Cada catador cadastrado junto ao SLU recebe uma bolsa mensal de R$ 360,75, por seis meses, oferecida pelo governo. Ele também tem direito a ganhar R$ 300 a cada tonelada tirada (como ;agente ambiental;). Desse valor é descontado o custo da cooperativa. Por isso, a categoria tem se queixado sobre a baixa quantidade de material ; que rendeu apenas R$ 19 líquidos para cada coletor. Os recicláveis comercializados no mercado podem render R$ 307, em média, por trabalhador, segundo o SLU ; caso a coleta seletiva se efetive 100%.
Palavra de especialista
Questão de conscientização
A coleta seletiva no DF não funciona de fato. A gente tem esse processo em alguns bairros, mas ele é aberto, sem comprometimento das empresas e do governo. A forma como a atividade é desenvolvida na capital é informal. O Estado tem o papel de fazer com que as coisas aconteçam, firmar acordos e conscientizar e orientar a população.
Ter a coleta seletiva em algumas regiões administrativas não significa que ela esteja funcionando efetivamente. A divisão deve começar com a separação direta na fonte do lixo, ou seja, na comunidade. Eu posso fazer na minha casa, mas, sem participação de todos, a maioria desse material terminava no Lixão da Estrutural e, agora, vai terminar no Aterro Sanitário de Brasília.
O governo tem legislação que impõe aos grandes geradores que façam a destinação correta dos resíduos, porém, não há fiscalização efetiva. Como capital do país, estamos longe de ser um exemplo no que se diz respeito à coleta seletiva. Em Curitiba, por exemplo, foram criados centros de triagem e compostagem de material. Então, esses locais, envolvem os catadores, descentraliza a coleta e dá o tratamento e destinação adequados aos resíduos. Além disso, esse processo é mais barato do que contratar grandes empresas para realizar o serviço. Com esses pequenos centros, você pode envolver toda a população e não depositar volumes imensos de lixos em um só local.
Em relação ao Lixão, ele continua com material enterrado, que está sendo decomposto a todo momento. Esse processo gera um líquido poluente, o chorume, e pode contaminar a barragem de Santa Maria, responsável por grande parte do abastecimento da cidade. Além da desativação do Lixão, precisamos cuidar do tratamento desses resíduos e drenar os gases. Aquele espaço só deixará de ser um problema ambiental após 20 ou 30 anos. Nesse tempo, precisará de um tratamento adequado de manutenção.