Flávia Maia
postado em 01/10/2017 08:00
Serviços de transporte individual por aplicativo oferecidos por empresas como Uber, Cabify e 99 estão instalados no celular e presentes na rotina dos consumidores. Na contramão da agilidade oferecida pelas novas tecnologias, o poder público caminha a passos mais lentos em relação à regulação. Embora a Uber opere há três anos no Brasil e esteja com 50 mil motoristas inscritos, os três projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional ainda não foram votados ; na semana que passou, mais uma vez, a votação foi adiada. No Distrito Federal, apesar de a lei ter sido a primeira do Brasil, a Secretaria de Mobilidade (Semob) não concluiu tópicos importantes, como o protocolo de cadastro dos condutores e o preço a ser cobrado pelo espaço público. Para complicar o processo, a Cabify questiona na Justiça o decreto que regulamentou a atividade no DF.
Um dos pontos mais sensíveis é o cadastramento de motoristas ; o prazo previsto é até 4 de outubro, 120 dias após a publicação do decreto. No entanto, a poucos dias da data final, a Semob informou que ;o procedimento ainda não foi iniciado;, mas que as ;tratativas estão avançadas;. As empresas não orientaram os funcionários e alegam que estão esperando as diretrizes da Semob. Sem regras claras, muitos condutores não sabem da exigência do registro. Outros não estão cientes dos prazos. Os que tentam o cadastramento não conseguem por falta de informação ; se é preciso preencher alguma ficha e onde será a entrega dos documentos. Os que chegaram a procurar as empresas ou a própria Semob receberam informações desencontradas.
De acordo com o decreto que regulamenta o serviço, as empresas e os prestadores do serviço precisam se cadastrar no governo. Por enquanto, apenas a Uber e a Cabify estão inscritas na Semob, mas não os motoristas. O cadastramento exigirá que eles cumpram requisitos para a atuação no sistema de transporte individual via aplicativo, como a obrigatoriedade da habilitação tipo profissional, certidão de ;Nada Consta; criminal e seguro de acidentes pessoais com cobertura de, no mínimo, R$ 50 mil.
O motorista José Wyllames, 46 anos, participa de três aplicativos em operação no Distrito Federal. Ele conta que ainda não fez nenhuma inscrição no GDF, nem foi orientado sobre como agir. ;Eu ainda não fiz. Não sei se alguma empresa fez;, comenta. Elan Barros Figueiredo, 35, também trabalha com um aplicativo e conta que procurou tanto a empresa, quanto a Semob para regularizar a situação, mas não obteve resposta. ;Na verdade, eu não sei o que fazer, como me cadastrar. Está um jogo de empurra. Eu, particularmente, não recebi nenhum informe, mas corri atrás. Liguei na Secretaria de Mobilidade, e ninguém sabia informar nada. Na Uber, disseram-me que estavam esperando as informações da Secretaria;, afirma.
Wesley Palhares, 38, é formado em administração e em pedagogia e conta que estava desempregado até iniciar a prestação de serviço via Uber. Ele participou do protesto da última terça-feira contra o projeto de lei federal que determina a limitação da quantidade de carros circulando por aplicativos. Assim como o colega, também não fez o registro no GDF. ;Não estou ciente de cadastramento;, explica.
Embora o cadastramento não tenha começado, a Semob adiantou que, após a data prevista no decreto, ;os motoristas estarão sujeitos a sanções, como pagamento de multa que varia de R$ 200 a R$ 2 mil e retenção do veículo;. A Uber informa que espera a Semob finalizar o procedimento dos registros e que, assim que estiver liberado, pretende enviar o cadastro dentro do prazo previsto em lei. A Cabify assegura que ;está seguindo todas as determinações da Semob;, mas não informou se iniciou algum cadastramento.
Em relação ao decreto local, a Cabify ressalta que questiona a regulação, porque limita a prestação dos serviços apenas a carros licenciados no DF, o que impede a operação de veículos de outras unidades da Federação. A Semob destaca que não tem conhecimento da ação.
Preço público
A cobrança do preço público por quilômetro rodado não está determinada. A Semob informa que o valor deve ser definido até o início de outubro, mas não divulga mais detalhes. Isso preocupa os condutores. Apreensivos com a cobrança, eles não sabem quem deve pagar o valor: se a empresa, se os motoristas ou se os clientes. ;A gente paga IPVA, imposto na gasolina e ainda teremos de pagar para usar a rua? Querem inviabilizar o nosso trabalho?;, questiona Wesley Palhares.
O professor Pastor Willy Gonzales Taco, coordenador do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes (Ceftru) da Universidade de Brasília (UnB), avalia que a demora da regulação e de colocá-la em prática prejudica o serviço e as políticas públicas. Para ele, o problema do Brasil é que não se pensa de forma integrada; por isso, a pouca agilidade no processo. ;Existe uma dificuldade em aproveitar o que está pronto. No Brasil, se inventa novamente a roda, quando, na verdade, precisamos aperfeiçoar a roda. Veja no caso dos aplicativos: São Paulo tem um modelo de implementação que poderia ser aprimorado de acordo com as realidades locais;, diz.
O especialista defende a cobrança do pagamento de uso da via pública. Para ele, essa solução é mais factível do que a limitação do número de profissionais. ;Com a cobrança, os motoristas que realmente querem trabalhar ficarão no mercado;, prevê. ;Mas em Brasília ainda falta um instrumento econômico para o uso do solo e da via;, complementa. Pastor Willy lembra que os modelos de São Paulo são os mais adiantados por causa do Laboratório de Mobilidade criado pela Prefeitura, que permite mais integração dos estudos acadêmicos com as mudanças nos transportes urbanos. ;Falta em Brasília essa integração com os centros de pesquisa, que estão estudando essas questões, vendo os modelos existentes. Nós tentamos essa aproximação com o governo local, mas não foi para frente por causa das constantes mudanças nos gestores;, lamenta.
Lei
O DF foi pioneiro na regulação do assunto com trâmite legislativo, isto é, com a aprovação da Câmara Legislativa. O município de São Paulo foi pioneiro na regulamentação do serviço, entretanto, o documento é um decreto do prefeito Fernando Haddad.
Palavra de especialista
Exigência de normas
;É relevante que se tenha uma legislação nacional e local sobre os serviços de transporte via aplicativo. E essa legislação precisa seguir duas premissas: uma é mobilidade urbana. Por isso, defendo o controle de quantidade de veículos na rua. Essa é uma falha da lei distrital. Alguma norma precisa existir para que o Estado tenha controle. A segunda é a proteção de dados do consumidor. Esses aplicativos precisam ter regras impostas desde já com os dados que as pessoas cedem para usufruir dos seus serviços, para que não sejam comercializados, por exemplo. As empresas devem ser responsabilizadas por essa proteção, assim como questões de acidente e segurança;.
Igor Brito, professor de direito do Iesb e advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)