Cidades

Em seis anos, denúncias de racismo cresceram mais de 1000% no DF

Número é do Ministério Público do DF, que lança livro sobre o tema e alerta para a necessidade de as vítimas registrarem a agressão e não se calarem

Paula Pires - Especial para o Correio
postado em 12/06/2017 05:55

Carolina Saraiva foi xingada várias vezes por causa da cor da pele

;Meu apelido de infância era ;picolé de kichute;. Na escola, me chamavam de ;Carolina Saravá;, em referência à religião praticada pela minha família. Além de neguinha, umbandista e macaca;, diz a psicóloga Carolina Saraiva, 34 anos. Ela faz parte de uma parcela da população que sofre preconceito diariamente por causa da cor da pele. Hoje, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPFT) lança um livro que reúne acusações de racismo no Distrito Federal nos últimos 10 anos. Apenas entre 2010 e 2016, o número de denúncias aumentou 1.190% na capital. Centenas de pessoas foram vítimas da intolerância e da falta de respeito de outros seres humanos, cidadãos que não souberam exercer a cidadania e se acharam no direito de ofender alguém.

[SAIBAMAIS]Apesar de tudo que passou, é com voz tranquila e pausada que Carolina conta em detalhes todas as agressões verbais que já ouviu ao longo da vida. Ela garante que tudo isso não gerou revolta nem trauma. Na adolescência, era a única negra da turma em uma escola de padres. ;Para ser respeitada, tornei-me a melhor aluna da sala. Eu era aquela garota que ganhava sempre menção honrosa.; Mesmo sendo uma estudante que ocupava lugar de destaque, ela não era convidada para participar de grupos de estudo porque os colegas achavam que poderia sujar o papel com a cor preta.

Thiago Pierobom: racismo sempre existiu, mas poucos reconhecem

Nos últimos quatro anos, o promotor e coordenador do estudo Thiago Pierobom esteve à frente do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação. Durante esse tempo, o que mais chamou a atenção do promotor foi a quantidade de crimes raciais. ;Quando não se atua de forma especializada nesse assunto não conseguimos ter a dimensão do que é verdadeiramente a realidade dessas pessoas. Só quando vemos a mesa com pilhas de processos é que passamos ter essa sensibilidade de enxergar melhor e compreender que as ofensas não são sentimentos normais dentro de uma briga. É necessária a atuação jurídica;, admite.

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Recentemente, Carolina passou por uma situação de discussão com o ex-marido que não costuma ser nada comum. Inclusive, demonstra um pouco de aflição ao remexer nesse passado que, segundo ela, dá embrulho no estômago. ;Já havia me separado dele quando esse homem bateu à porta lá de casa com várias bananas na mão. Ele começou a gritar e encharcou o piso de água, jogando as frutas no chão. Depois, pisoteou tudo e começou a me xingar de ;macaca; e ;nega;; , relatou. A psicóloga enfrentou a situação com um celular na mão na tentativa de gravar tudo, mas o homem quebrou o aparelho. Carolina deu queixa na delegacia por ofensa racial, mas não havia testemunha no momento da agressão para poder provar.

Camila Rodrigues trabalhava como frentista quando foi agredida

Pesquisa

A pesquisa aponta que 34,7% das ocorrências acontecem no ambiente de trabalho. Camila Rodrigues, 28, vivenciou esse tipo de situação há três anos. Ao relembrar do episódio, ela segura as duas mãos com força e respira fundo. É algo que a incomoda até hoje. ;Eu trabalhava como frentista em um posto de gasolina, em Águas Claras, quando um motorista de caminhão parou para encher o tanque. Do nada, ele começou a me xingar de ;neguinha;, ;vagabunda;. Fiquei constrangida com toda aquela situação, sem reação e perdi a voz. O único movimento que fiz foi caminhar em direção ao banheiro para me distanciar daquele homem que, por sinal, também é negro. Ele ainda me chamou de ;macaca;, lembra. A reação de Camila foi como a da maioria das vítimas: se calar diante das ofensas. Mas ela também aproveitou para responder posteriormente da forma mais digna e justa. Camila registrou uma ocorrência na 21; Delegacia Policial (Taguatinga Sul). O caso está na Justiça e o agressor responde por ofensa racial, agressão verbal e ameaça. ;Tive que revê-lo duas vezes em audiências. Ele assumiu tudo o que fez e o seu advogado pediu acordo. Eu não aceitei. Quero que ele sinta na pele o peso das agressões que fez contra mim. A justiça saberá puni-lo;, declara.

Thiago Pierobom explica que os acordos processuais são algo positivo, pois impedem que os agressores pratiquem mais delitos como aqueles ou mais graves. Porém, o mais importante é eles terem sempre a certeza de que vão responder pelo que fizeram. ;Os acordos também são as respostas mais rápidas da justiça, pois são dadas penas alternativas. Mas os réus não gostam de fazer acordos porque se sentem punidos;, explica.

Infográfico com estatísticas da intolerância no DF

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