postado em 05/11/2013 06:03
Belo Horizonte ; Uma nova linha de investigação em torno das circunstâncias da morte de Juscelino Kubitschek, aberta pela Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, poderá mudar a versão corrente do acidente de carro na Via Dutra, ocorrido em 22 de agosto de 1976, à altura da cidade de Resende. Gilberto Natalini (PV), vereador que preside a comissão, disse ontem, em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas, que está à procura de um dos legistas ; cujo nome ainda mantém em sigilo ; que esteve presente na necrópsia de JK e de seu motorista, Geraldo Ribeiro, realizada no Rio de Janeiro. ;Essa pessoa está viva, esteve dentro da sala de autópsia e queremos que nos conte o que viu naquela sala;, afirmou Natalini.
Quem contou a Gilberto Natalini o que o legista viu foi o jornalista aposentado Wanderley Midei, que, em 1976, fez a cobertura do caso. Midei confirmou ter entrevistado, na ocasião, um médico que teve acesso à necrópsia de Geraldo Ribeiro. Esse legista contou-lhe que teria verificado um buraco no lado esquerdo do crânio do motorista do Opala cinza metálico de JK, ano 1970. A nova linha de investigação dá sustentação à tese de que um tiro teria atingido a cabeça de Ribeiro, o que explicaria o motivo de seu carro, que trafegava em direção ao Rio de Janeiro, ter se desgovernado em direção à pista oposta, chocando-se de frente com uma carreta Scania Vabis de Orleans, de Santa Catarina.
Se elucidado o fato, o motorista da Viação Cometa, Josias Nunes de Oliveira, que esta semana completa 70 anos, poderá, enfim, ter paz. Durante décadas, o regime autoritário-militar tentou lançar sobre ele a responsabilidade pelo acidente que matou JK. Naquele 22 de agosto de 1976, Josias dirigia um ônibus que partira de São Paulo para o Rio, com 33 passageiros. Em depoimento ontem à Comissão de Direitos Humanos, Josias voltou a contar a sua história. ;Nem eu bati no Opala, nem o Opala bateu em mim. Eu vi o acidente e parei para socorrer;, explicou. O depoimento de Josias, também confirmado por Serafim Jardim, que foi secretário particular de JK e autor do livro ;Juscelino Kubitschek, onde está a verdade?;, deixa claro que não houve o suposto abalroamento entre o Opala e o ônibus, que teria provocado a perda da direção do veículo menor, segundo divulgado à época.
;Abaixo de Deus, quem viu JK morrer fui eu;, contou Josias, chorando, ao se lembrar que assistiu aos últimos suspiros de um dos presidentes da República mais populares da história do país. ;Depois disso, minha vida acabou. Simularam tinta no veículo em que estava o ex-presidente na lataria do ônibus e, com isso, fui indiciado pelo acidente;, disse, muito emocionado. Josias foi absolvido. Mas a vida dele sofreu um baque. ;Tinha 33 anos. Cinco anos depois, pedi demissão e não consegui mais emprego;, relatou ele, que, depois de trabalhar em bicos diversos e vagar longe da família, vive hoje em um asilo em Indaiatuba (SP), com uma aposentadoria de R$ 997.
Mala de dinheiro
Josias confirmou, em seu depoimento à comissão, que, após a morte de JK, foi procurado em casa por homens que carregavam uma mala de dinheiro. Segundo o motorista, essas pessoas propunham que ele assumisse o suposto choque entre o ônibus e o Opala. ;Não aceitei. Eles levaram 40 minutos pedindo para eu falar que era culpado. Minha cunhada morava comigo e foi se aproximando, quando viu o dinheiro. Mandei-a voltar para trás na hora;, afirmou Josias. Ele também revelou ter enfrentado a pressão do delegado responsável pelo caso, que tentou convencê-lo que seria melhor se dissesse ter causado o desastre.
A tese de que o carro dirigido por Geraldo Ribeiro teria se desgovernado porque o motorista fora atingido na cabeça por um projétil, de fabricação e uso exclusivo das Forças Armadas, também é investigada pela Comissão Nacional da Verdade, a partir de relatório encaminhado pela Ordem dos Advogados do Brasil, seção de Minas Gerais. Por isso, a Comissão da Verdade de São Paulo pediu à Justiça de Minas nova exumação dos restos mortais de Geraldo Ribeiro.
Segundo o deputado estadual Durval Ângelo (PT), que presidiu a audiência pública na Assembleia, esse projétil foi encontrado na primeira exumação de Geraldo Ribeiro em 1996. ;A autópsia foi fraudada e, na época, argumentou-se que o elemento de ferro seria um prego que teria se soltado do caixão;, afirmou Durval Ângelo, que acrescentou: ;Vamos requerer, da Comissão da Verdade, uma audiência pública em Diamantina, com a presença do legista que viu a autópsia de Geraldo Ribeiro, e declarar o assassinato de JK;. Durval quer que o Estado brasileiro faça um pedido formal de desculpas a Josias e lhe dê compensação financeira na forma de correção da aposentadoria por invalidez.