Cidades

Parcelamento irregular no DF é fruto de história de grilagem e descaso

Ana Maria Campos
postado em 11/12/2012 06:01


No começo era tudo cerrado. Do cerrado se fez pó. Da terra vermelha, brotou uma cidade, a esperança, o poder e a riqueza. A capacidade de trabalho e a organização fizeram do sonho a casa de alvenaria dos candangos no Planalto Central. Mas como os redemoinhos de vento que remexiam a terra nos idos de 1960, a desorganização se imiscuiu aos valores da criação e também deixou sua marca. Se em três anos e oito meses os pioneiros foram capazes de erguer a capital da República, em cinco décadas o Distrito Federal tornou-se símbolo da desordem fundiária, com sequelas tão ou mais impregnadas que a história de quatro séculos de grandes metrópoles brasileiras foi capaz de produzir.



[SAIBAMAIS]Ask the dust é um clássico da literatura beat da década de 1930. Traduzido para o português, significa Pergunte ao pó. O título cabe perfeitamente em uma reflexão sobre Brasília e suas particularidades. No DF, o solo é resposta para tudo. Perguntar à terra é certeza de descobrir o passado de idealizações, o presente de conflitos e o futuro de incertezas. Para entender no que se tornou a cidade criada por Juscelino Kubitschek, planejada por Lucio Costa e transformada em monumento por Oscar Niemeyer, é preciso voltar no tempo. E questionar as reviravoltas da terra, exumar histórias, revisitar personagens, investigar mapas desbotados, agitar documentos amarelados, vasculhar cartórios.

A história sobre as terras do DF começa em 1822, ainda nos primeiros anos do Império, quando o estadista José Bonifácio de Andrada e Silva propôs interiorizar a capital do Brasil e sugeriu os nomes de Petrópole, em homenagem ao imperador Pedro I, ou Brasília. Em 1892, foi constituída a comissão Cruls, que veio desbravar a área onde quase sete décadas depois seria inaugurada a nova capital. Começa em 1955, com as desapropriações das fazendas goianas que integram o polígono do DF, a confusão que responde por sete cidades inteiras sem escrituras, 513 loteamentos clandestinos, além da destruição de áreas de preservação ambiental tomadas pela ocupação ilegal.

A decisão de transformar 5.802km; de glebas pertencentes a fazendeiros dos municípios de Luziânia, Planaltina e Formosa no quadrilátero da capital criou litígios que resistem há quase 60 anos. Essa é a moldura que enquadra um cenário matematicamente absurdo para os dias de hoje. Na capital da República, que deveria ser uma referência nacional, um terço da população mora na ilegalidade. ;Impressionante uma cidade planejada e com só 52 anos ter uma proporção tão grande de suas terras em situação irregular, enquanto outros municípios, como o Rio de Janeiro, com quatro séculos de existência, não têm uma situação tão grave;, diz o presidente da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), Júlio Miragaya.



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