Adriana Bernardes, Luiz Calcagno
postado em 29/01/2012 08:01
Em 2011, 17,5% dos mortos em acidentes de trânsito no Distrito Federal estavam no auge da juventude. Das 461 vítimas, 81 tinham entre 18 e 24 anos, segundo levantamento preliminar do Departamento de Trânsito (Detran). Mas as fatalidades não parecem assustar ou inibir comportamentos irresponsáveis. Entre a Universidade Católica de Brasília (UCB) e a Faculdade de Ciências Sociais e Tecnológicas (Facitec), em Taguatinga, o Correio flagrou mais exemplos de jovens a consumir bebidas alcoólicas e a dirigir em seguida.
Os livros e cadernos no banco traseiro do veículo de um rapaz sugerem se tratar de um universitário. Ele e mais quatro amigos secam em poucos minutos uma garrafa de vodca. A farra continua quando um sexto integrante chega com uma sacola cheia de latas de cerveja. A música baiana, tocada no último volume do som do Astra prata, inspira os jovens a beber mais. Até o flanelinha do local entra na roda e, com autorização do grupo, enche o copo e sai cantando por entre os veículos estacionados.
Muitos desses encontros regados a álcool contam com a presença de adolescentes. Alguns, depois de ingerir alta quantidade de bebida, esquecem os princípios básicos da segurança no trânsito e não colocam o cinto de segurança ao entrar nos veículos. Eles contam com a conivência de donos de bares e de organizadores de festas para se esbaldar. Além disso, a fiscalização se mostra ineficiente. Faltam agentes para coibir com eficácia os abusos dos motoristas, sejam eles jovens ou não.
O Detran não tem operações específicas para flagrar jovens alcoolizados ao volante. ;As nossas operações são direcionadas para os focos de problemas e nos locais onde as estatísticas apontam que a violência no trânsito é maior. Áreas de boates, festas e postos de gasolina são locais nos quais esses jovens geralmente se aglomeram e, por isso, sempre fiscalizamos;, explica Nelson Leite Júnior, diretor de Policiamento e Fiscalização.
Leite reconhece que o efetivo é pequeno, além da necessidade de ampliar os pontos de controle. Mas ressalta que, apesar da estrutura precária, a quantidade de flagrantes de motoristas alcoolizados, inabilitados ou praticando outras irregularidades tem aumentado. ;Ninguém consegue mensurar as vidas poupadas pelas pessoas retiradas do volante e que representavam um dano potencial. Para ter uma ideia, é só pensar que, se aquele jovem tivesse sido parado antes, seis vidas teriam sido poupadas;, cita Leite, referindo-se ao acidente registrado no último fim de semana na BR-070.
Saúde pública
A banalização do consumo de álcool no Brasil é um problema apontado pelo médico Luiz Guilherme Reys, coordenador do Centro de Trauma e Telemedicina do Hospital de Base do DF. Ele destaca que de 10% a 12% da população mundial é dependente. No Brasil, o percentual alcança 11,2%. ;Junto com o cigarro, a bebida alcoólica é a segunda em malefícios. Em acidentes de trânsito, é responsável por 60% dos casos. E os laudos cadavéricos revelam que 70% das vítimas de mortes violentas estavam alcoolizadas;, revela. Segundo Reys, se as escolas trabalhassem o tema do álcool como uma droga e ensinassem sobre os riscos, talvez essa realidade mudasse um pouco.
Um projeto da 1; Promotoria de Justiça de Infância e Juventude do DF tenta mudar esse cenário, punindo quem desrespeita o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Uma das iniciativas proíbe o comércio de produtos que causam dependência a menores de 18 anos. Nos últimos 18 meses, 178 estabelecimentos comerciais foram flagrados vendendo bebida para os mais novos.
Todos os donos de restaurantes, bares e quiosques acusados de infringir a legislação tiveram de assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do DF e Territórios, no qual se comprometeram a não reincidir na transgressão. Aqueles que descumprirem as regras do acordo estão sujeitos a multa de R$ 3 mil e podem ter o alvará de funcionamento revogado pela Agência de Fiscalização do DF (Agefis). ;Infelizmente, é cultural na nossa sociedade não denunciar alguém que oferece ou vende bebida a um adolescente. Isso ocorre porque o álcool está presente nas festividades em família e nos comerciais da televisão. As pessoas não podem achar normal um menor bebendo e devem, sim, denunciar;, afirmou o promotor de Infância e Juventude Renato Varalda.
A vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), Ilana Pinsky, concorda que o acesso ao álcool por parte dos jovens é muito fácil. ;Apesar da lei, os comerciantes vendem bebida a menores. Dentro de casa, muitas vezes os pais são coniventes ou se sentem impotentes para coibir o consumo. Outra coisa é o baixo custo da bebida. E o Estado permite que tudo isso aconteça;, disse.
[SAIBAMAIS]A especialista destaca ainda o apelo dos fabricantes de bebida junto ao público jovem. E diz que tem aumentado o número de meninas que abusam do álcool. ;O risco que elas correm está ligado ao sexo. Acabam tendo relação com meninos ou homens que, se estivessem sóbrias, certamente não teriam;, avalia.
A impunidade para os infratores da lei seca é outro ponto que, segundo Ilana, estimula o comportamento de risco entre os jovens. ;As pessoas não têm tido problema com a lei seca. Já está disseminado que não precisam assoprar o bafômetro. E, mesmo quando causam acidentes fatais, não acontece nada. Prevenir o alcoolismo é extremamente documentado e fácil. Mas, infelizmente, parece que muita gente terá que morrer até que os projetos sejam colocados em prática;, lamenta.
O que diz a lei
A Lei n; 11.705/08 instituiu a tolerância zero à combinação de álcool e volante:
Artigo 165
; Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência é infração gravíssima, punida com multa de R$ 957 e suspensão do direito de dirigir por um ano.
Artigo 306
; É proibido conduzir veículo automotor com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas (ou 0,30 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões) ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. Além das medidas acima, a pessoa responde criminalmente por dirigir alcoolizada e pode ser detida por seis meses a três anos, ser multada e ter a CNH suspensa, além de ficar proibida de obter a permissão ou o documento para dirigir.