Cidades

Gim Argello dá golpe até na sorte alheia e pode ser alvo de investigação

Rádio administrada pelo filho do senador burla legislação e promete prêmios em dinheiro. Quando a oferta é algum bem de consumo, como carros ou até gasolina, há fortes indícios de que os sorteios são simulados para ganhadores inexistentes

Ana Maria Campos
postado em 06/01/2011 08:00
Além de beneficiar com recursos públicos entidades de fachada, o senador Gim Argello (PTB) controla uma rádio que distribui prêmios a ouvintes fantasmas. Bancada com dinheiro de emendas do Orçamento da União, a Nativa FM faz promoções ilegais e anuncia brindes falsos. O veículo oferece até R$ 20 mil em dinheiro vivo e simula sorteios que não chegam aos supostos contemplados, simplesmente porque eles não existem. A fraude foi denunciada ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) há um mês, no auge do escândalo que levou Gim a renunciar à relatoria-geral do Orçamento da União.

A rádio é apenas um dos negócios do senador Gim Argello. Ele comanda o veículo de comunicação por meio do filho Jorge Afonso Argello Junior, de 19 anos, que administra a Nativa FM. Candidato derrotado a deputado federal pelo PTB de Gim e amigo do senador, Antônio José Pereira Garcia (mais conhecido como Toninho Pop) aparece formalmente como arrendatário da emissora, antiga Rádio OK, do ex-senador Luiz Estevão (PMDB).

O primogênito dos Argello, no entanto, é quem está à frente da gestão da emissora. Desde abril de 2009, quando o veículo de comunicação foi entregue por Estevão a Toninho Pop, o jovem é visto quase que diariamente nas salas de número 101 a 107 do Edifício Assis Chateaubriand, no Setor de Rádio e TV Sul, onde funciona a Nativa. Ele é parte da equipe, como mostra a foto, no site da rádio, na qual Jorge posa com o gesto que lembra muito o pai, o característico ;joia; de Gim.

A programação da rádio é um espanto. Para chamar a atenção do ouvinte, é prometida toda sorte de promoções, da oferta de carro zero, reforma da casa e até viagem a qualquer lugar do planeta. A idoneidade dos sorteios não resiste a uma fiscalização. Em uma das promoções, por exemplo, a rádio divulga o ganhador de um tanque de combustível. Diz o locutor: ;E quem passou no posto Gasoline é o Bruno Rodrigues da Cruz da Arniqueira, que colou o adesivo da Nativa no carro e está levando um tanque de gasolina. Ele que tem um Megane com a placa NFS 3658;. Ocorre que o veículo não é um Megane. A placa pertence a um Uno Mille Fire de Caldas Novas (GO). Pela legislação de trânsito brasileira, não existem dois carros com uma mesma placa, mesmo em estados diferentes.

A denúncia entregue ao Ministério Público dá conta de que há nomes inventados de pessoas contempladas. Não há registro em Brasília de alguns vencedores, pois as identificações se referem a pessoas que já morreram ou que simplesmente não existem. Embora tenha as promoções como chamariz para alavancar a audiência, a rádio não exibe em sua programação entrevistas com os contemplados, o que é muito comum nesse tipo de campanha publicitária. Como o anúncio dos locutores se restringe à divulgação de um nome, cidade e final de número de telefone, quem participou da promoção confiará que está tudo certo e que perdeu a chance para algum outro sortudo.

Má-fé
Além de má-fé, a rádio descumpre a lei sem pudor. Divulga em seu site e durante sua programação o sorteio de dinheiro vivo, com prêmios de até R$ 20 mil. Há várias modalidades de doações: R$ 50, R$ 390, um salário mínimo. Em tese, um vencedor da promoção da Nativa vai por a mão em maços de dinheiro apresentados como um sonho. No site da rádio, o slogan da campanha é: ;Esta promoção vai mudar sua vida;. A Lei n; 5.768, de 20 de dezembro de 1971, estabelece regras para a distribuição gratuita de benefícios. O parágrafo 3; do Artigo 1; da lei diz que ;é proibida a distribuição ou conversão dos prêmios em dinheiro;, a não ser que haja uma autorização da Caixa Econômica Federal.

Procurada pelo Correio, a Caixa Econômica Federal informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que as promoções em dinheiro são vedadas e informou que as denúncias de irregularidades são investigadas e comunicadas à polícia e ao Ministério Público. Entre as punições, a emissora está sujeita a pagamento de multa e até mesmo a perder o direito de usofruto da concessão para operar como rádio.

O que diz a lei
A Lei n; 5.768, de 20 de dezembro de 1971, estabelece critérios e normas sobre a distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a título de propaganda em emissoras de rádio e televisão. De acordo com o artigo 1;, a distribuição de prêmios depende de autorização do Ministério da Fazenda. A Caixa Econômica Federal (CEF) é responsável pela fiscalização das premiações que envolvem sorteios. O parágrafo 3; do artigo 1; da referida lei veda a entrega de dinheiro ou conversão dos brindes em moeda. A distribuição de prêmios só pode ocorrer como resultado de concursos exclusivamente culturais, artísticos, desportivos ou recreativos.

Não pode haver vinculação dos sorteados ou contemplados ao uso de qualquer bem ou serviço. Quando o prêmio sorteado ou ganho em concurso não for reclamado no prazo de 180 dias, o beneficiado perde o direito ao sorteio e o valor correspondente ao brinde será recolhido ao Tesouro Nacional. Segundo a lei, emissoras poderão distribuir mercadorias de produção nacional ou regularmente importadas, créditos admitidos pelo Ministério da Fazenda, unidades residenciais, viagens de turismo e bolsas de estudo. A empresa autorizada a fornecer os brindes deverá comprovar a propriedade dos prêmios até oito dias antes da data marcada para o sorteio ou a realização do concurso.

MEMÓRIA
Os rolos do senador

O fio da meada que acabou enrolando Gim Argello (PTB) até tirá-lo de uma rota promissora de poder começa com o vínculo entre a rádio administrada pelo filho dele e o dinheiro de emendas controladas pelo senador petebista ao Orçamento da União, que ele próprio relatava até estourar o escândalo das entidades fantasmas. Do alto do prestígio de senador da base do governo, Gim indicou ao Ministério do Turismo a contratação do Instituto Recriar como entidade apropriada para lidar com eventos turísticos e programas de promoção de festas.

Com recursos de emenda do Ministério do Turismo, o Recriar contratou por R$ 550 mil a Rádio Nativa FM de Gim com o objetivo de divulgar eventos turísticos, como noticiou a revista Veja. A revelação chamou a atenção para outras suspeitas envolvendo emendas do senador. O jornal O Estado de S. Paulo no início de dezembro mostrou que, pelo menos, R$ 3 milhões que saíram dos cofres do governo federal fizeram escala em institutos de fantasmas, entre eles o Renova Brasil, e foram parar na conta de laranjas.

O Correio revelou mais duas entidade de fachada. Uma delas o Instituto Igual de Solidariedade e Inclusão Social, que recebeu R$ 450 mil do Orçamento, mas não deixa rastro de que o dinheiro tenha sido empregado em projetos sociais. No endereço da entidade funciona uma imobiliária ligada a um político de Águas Lindas (GO).

Em função da repercussão das denúncias, Gim perdeu a relatoria do Orçamento. Renunciou ao cargo, considerado um dos mais importantes do Congresso, no dia 7 de dezembro. Depois de dois mandatos como deputado distrital, Gim Argello assumiu a vaga de senador no lugar de Joaquim Roriz, que renunciou para escapar de uma cassação iminente em função do escândalo da ;Bezerra de ouro;.

Gim Argello cresceu no Congresso Nacional com a habilidade que tem para fazer amigos, entre eles José Sarney (PMDB-AP), Renan Calheiros (PMDB-AL) e Fernando Collor (PTB-AL). Líder do PTB, tornou-se precioso no governo Lula porque comandava uma bancada de seis senadores que faziam diferença em votações apertadas no Senado. (LT e AMC)

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