Warner Bento Filho
postado em 01/06/2016 18:43
O Velho Chico, um dos mais importantes cursos d;água do Brasil e da América do Sul, vai receber a ajuda de universidades para reverter os graves problemas que o ameaçam. Vítima de uma severa estiagem que se estende desde 2013, o rio sofre com a superexploração de suas águas, desmatamento de matas ciliares, assoreamento, sanilização e com um antigo problema que se tornou sua maior fonte de poluição: o lançamento de esgoto doméstico com pouco ou nenhum tratamento pelas mais de 500 cidades encravadas em sua bacia. Por culpa dessa condição, é possível encontrar nas águas do rio poluentes em níveis 30 vezes acima do legalmente permitido.
De acordo com a pesquisadora Sílvia Correia Oliveira, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a falta de tratamento de esgoto é hoje o maior problema da região. ;A porção mineira do São Francisco está totalmente contaminada por coliformes termotolerantes (bactérias também conhecidas como coliformes fecais) e com nutrientes como fórforo e nitrogênio, grande parte relacionada a esgotos domésticos, embora também pela criação de gado na região. Nos outros estados da bacia, embora não haja muitos dados, pode-se dizer que a situação é ainda pior;, diz a especialista. O lançamento de nutrientes provoca intensa floração de algas, que consomem o oxigênio das águas, impedindo a sobrevivência de peixes e plantas no leito do rio.
Segundo a professora, nenhuma das cidades da região faz o tratamento adequado do esgoto, que seria o nível terciário, capaz de eliminar os patógenos e as grandes quantidades de nutrientes. ;Em Minas, o problema é geral. E o mais grave é que a Região Metropolitanta de Belo Horizonte, cujo esgoto é tratado na maior parte, não alivia o problema em nada, porque embora tenhamos grandes e modernas estações de tratamento, elas só chegam ao nível secundário. Coliformes termotolerantes e nutrientes são lançados. Temos visto, alarmados, que o problema só cresce.;
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Anivaldo Miranda, avalia que o problema persiste, em alguns casos por mais de 100 anos, por falta de vontade política. ;Não há justificativa para que o saneamento não seja prioridade no país. Com saneamento adequado, pode-se diminuir em 50% ou mais os gastos em saúde, já que boa parte das doenças está relacionada à má qualidade da água. Trata-se de tecnologia simples. Não se faz porque não se quer. É absolutamente inaceitável que cidades do porte de Paulo Afonso, juazeiro ou Petrolina não tenham ainda tratamento adequado de esgoto. Vamos começar campanha do esgoto zero na calha do São Francisco;.
O secretário do Comitê, Maciel Oliveira, afirma que mais de 100 cidades às margens do São Francisco jogam seus esgotos diretamente sobre as águas do Rio. Em toda a bacia, incluindo os afluentes, são 507 municípios. ;Precisamos entender que o meio ambiente também é usuário de água e precisa dela em quantidade e qualidade;, diz. Segundo ele, o Comitê do São Francisco é o maior financiador de planos municipais de saneamento na região. ;Já financiamos 27 planos e recebemos 71 novas demandas;, conta.
A ajuda das universidades para a gestão da Bacia começa, na prática, no próximo domingo, com um simpósio em Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), que reunirá pesquisadores do Brasil e do exterior. O evento é organizado pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em parceria com o Comitê da Bacia. De acordo com o coordenador do simpósio e professor da Univasf Renato Garcia Rodrigues, para enfrentar os problemas do São Francisco é necessário um ;esforço de guerra;, envolvendo toda a sociedade.
O propósito do evento, segundo ele, é conhecer os trabalhos existentes. ;Vamos fazer uma radiografia da produção científica na bacia, um levantamento bibliográfico para termos noção do que é produzido de ciência na área. Para o futuro, queremos saber o que é preciso fazer para que a produção científica responda as perguntas que o Comitê tem para levar adiante a gestão da bacia;.
Durante o evento, serão apresentados 78 trabalhos inéditos relacionados ao São Francisco. Para o professor, no entanto, o volume de pesquisas ainda é considerado pequeno. ;Na parte de conservação da biodiversidade, já identificamos 200 trabalhos publicados, mas essa produção ainda está concentrada em locais onde há pós-graduação. Nos últimos anos, foram criadas universidades no interior, que devem possibilitar o aumento no número de estudos. Eu gostaria de encontrar, em lugar desses 200 trabalhos, pelo menos 5 mil publicações.;
Três perguntas para Sílvia Correia Oliveira, pesquisadora do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG
Como o esgoto doméstico impacta o São Francisco e seus afluentes?
Nossos rios, como o das Velhas e o Paraopeba, estão praticamente mortos. Há poluição com metais, que são rejeitos industriais e da mineração, mas o maior problema são os coliformes termotolerantes e os nutrientes, lançados principalmente pelo esgoto doméstico não tratado. Os nutrientes favorecem a floração de algas, como as cianobactérias, que são tóxicas. A multiplicação das algas consome o oxigênio da água, impedindo a existência de vida nesse meio. Os coliformes são causadores de doenças como as diarreias e podem contaminar os peixes.
Quem eventualmente se banha no rio também sofre riscos?
Sem dúvida. E essa poluição ainda pode causar mortandade de peixes. O mais grave, porém, é que essa água é captada pelas cidades para o abastecimento humano. A presença desse tipo de contaminante torna o tratamento da água ainda mais caro. As algas entopem os filtros das estações de tratamento.
O que é preciso fazer para superar o problema?
Se conseguíssemos atingir o nível de lançamento zero de esgoto não adequadamente tratado, 80% do problema de poluição nas águas do São Francisco estariam resolvidos. Temos grandes municípios na bacia, como Montes Claros, que não fazem nenhum tipo de tratamento de esgoto. Não conheço nenhuma cidade mineira que trate até o nível terciário. No restante da bacia, a situação é pior, mas existem pouquíssimas pesquisas sobre o assunto. Os políticos resistem a fazer o tratamento necessário porque isso é caro e não dá visibilidade.