O Ministério da Fazenda apresentou uma proposta de regulação para as "big techs", as gigantes globais da tecnologia. O objetivo é evitar práticas predatórias por grandes plataformas digitais que limitam o acesso de consumidores a produtos e empresas.
A ideia do governo é estabelecer regras adicionais para as grandes empresas, sob comando do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que seria o órgão regulador. Atualmente, o Cade atua quando identifica algum caso que fere o equilíbrio dos mercados. "São dois grupos de medidas, o primeiro trata de regras preventivas apenas para as grandes plataformas. E o segundo seria de ajustes, em geral, na aplicação da Lei de Defesa da Concorrência", explicou o Marcos Pinto, secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, em entrevista aos jornalistas.
A equipe econômica apresentou um estudo em que se baseia em regras para a atuação dessas plataformas já aplicadas em 10 países, entre eles, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Austrália e União Europeia. De acordo com o secretário, trata-se de um "fortalecimento institucional". "É fortalecer as competências do Cade para fazer o que temos visto, sobretudo na prática do Reino Unido, que são os estudos de mercado. O que estamos propondo não difere tanto do que o Cade já faz hoje, mas seria fortalecer algumas prerrogativas para coleta de informação", afirmou.
A recomendação da Fazenda é a revisão da Lei de Concorrência, para lidar com a implementação de um sistema de proteção no âmbito dos mercados digitais. "A gente ainda não definiu como vai ser o encaminhamento político dessa recomendação. Acho que existe um grande nível de consenso dentro do governo de que esse é o caminho a ser adotado, agora a tramitação política depende ainda de algumas decisões", disse Marcos Pinto.
Atualmente, existem projetos em tramitação no Congresso que tratam sobre o tema. Um deles é o PL das Fake News, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na internet. Segundo o secretário, o Executivo ainda não decidiu se irá utilizar algum projeto em tramitação ou enviar um próprio.
Ao contrário de outros projetos, a proposta da Fazenda trata apenas dos aspectos econômicos e não envolve conteúdo. "Aqui, estamos tratando de uma reforma da Lei da Concorrência, diferentemente do que está lá nos outros projetos que tratam diretamente do digital em seus diversos aspectos. Talvez o caminho seja o próprio Executivo mandar um projeto, mas isso ainda não está decidido", afirmou.
A expectativa do governo é de que esse tema avance ainda neste ano. "De qualquer forma, a gente acha que esse debate está bem maduro dentro do governo e que temos condições de, até o fim do ano, dar um encaminhamento para isso", completou.
Resistência à regulação
O tema, contudo, é sensível e enfrenta forte resistência das gigantes do mercado, como Google, Amazon, Apple e Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp). Recentemente o X, antigo Twitter, passou por bloqueio no país ao tentar driblar a legislação brasileira.
Questionado sobre a oposição das redes sociais à regulamentação no país, o secretário Marcos Pinto afirmou que isso é "absolutamente natural". "Nenhuma empresa quer ser regulada, até porque muitas delas confiam que estão agindo corretamente e não precisam do Estado para tutelá-las. Mas, não obstante, a gente acha muito importante a regulação. As plataformas apresentaram sugestões na consulta pública, mas acho que o recado do Ministério da Fazenda a elas é de que o que estamos propondo é muito razoável e muito equilibrado", disse.
Para Marcelo Cárgano, advogado especialista em direito digital e coordenador do Japan Desk no escritório Abe Advogados, há um consenso emergente de que o setor precisa ser mais bem regulamentado, especialmente em questões de concorrência, tributação e controle de conteúdo on-line. O analista destacou que a principal preocupação dos governos é a alta concentração de mercado nas mãos de poucas empresas. "Hoje, o Google controla cerca de 90% do mercado de buscas", afirmou.
Além do Google, Cárgano mencionou gigantes como Apple, Samsung, Microsoft e Meta, que dominam setores como smartphones, softwares e redes sociais. Essa concentração de poder levanta sérias preocupações sobre monopólios. "O foco das autoridades, como o Ministério da Fazenda, é aplicar regras de concorrência que já existem em outros setores, impedindo a formação de monopólios, que não são benéficos", explicou o advogado. A intenção é promover um ambiente mais competitivo e justo, evitando que essas empresas abusem de suas posições dominantes no mercado.
Tributação
Uma das críticas à proposta apresentada pela Fazenda feita pelo advogado é que ela não trata de tributação. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecida como o clube dos países ricos, defende que as grandes multinacionais, incluindo as big techs, paguem uma taxa mínima de 15% sobre os lucros nas jurisdições em que operam. A pasta afirmou que a cobrança deve ficar para um segundo momento.
Esse é um enorme desafio, de acordo com Marcelo Cárgano. O especialista em direito digital ressaltou que "empresas tradicionais pagam impostos no país onde estão localizadas fisicamente". No entanto, com as big techs, isso se torna mais complexo, pois elas operam de forma descentralizada e podem prestar serviços em diversos países sem uma presença física clara.
"Hoje, o consumidor pode comprar um produto sem saber onde a empresa que está vendendo realmente está sediada. Isso gera dúvidas sobre quem tem o direito de coletar os impostos e quais tributos seriam aplicados", observou Cárgano. Como muitas dessas empresas atuam no Brasil e possuem clientes brasileiros, mas a tributação ocorre no exterior, isso cria um desequilíbrio na arrecadação de impostos, de acordo com o analista.
*Estagiário sob a supervisão de Rosana Hessel
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