Victor Correia*
postado em 12/06/2017 06:00
O uso da impressão digital como forma de autenticação é extremamente popular. O que começou com tinta preta e cartões de identificação está presente em caixas eletrônicos, escritórios e mesmo no nosso bolso, nos celulares. A prática é conhecida como biometria e pode identificar uma pessoa também pelo rosto, pelos olhos, pelas palmas das mãos e até pelas veias. Pesquisadores da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, tentam transportar a mesma lógica para o papel. Segundo eles, cada folha tem uma textura única, criada pela disposição aleatória de partículas de madeira durante o processo de fabricação. Assim, é possível usar essa peculiaridade para autenticar documentos impressos.
Usando uma câmera comum e uma fonte de luz, os cientistas conseguiram identificar essa estrutura única, com 100% de precisão, mesmo quando o papel estava rabiscado, amassado ou molhado. Como as partículas de madeira estão presentes também no interior da folha, e não apenas na superfície, a identidade não pode ser alterada sem causar danos ao documento, garantindo a segurança da técnica.
;Nossa técnica é comparável ao reconhecimento de íris, em termos de biometria. Nós propomos um método seguro e robusto de extrair os padrões de textura únicos de uma folha de papel;, disse Ehsan Toreini, um dos autores do artigo, publicado recentemente na revista científica ACM Transactions. Outra vantagem da solução é que ela tem como base materiais simples e baratos, fáceis de serem obtidos: uma câmera digital comum e uma fonte de luz.
Ao atravessar a folha, a luz revela a textura do material. As partículas de madeira, mais densas, bloqueiam a luz e formam pontos escuros, enquanto os demais componentes, que dão liga ao papel e são mais transparentes, formam pontos mais claros. A câmera captura uma foto desse processo e a imagem é analisada por um algoritmo, criado pelos pesquisadores, que funciona de forma parecida à de outros algoritmos de biometria. Os pixels claros e escuros da imagem são transformados em um código de 2.048 bits, muito utilizado em aplicações de segurança e criptografia. É esse código que identifica uma única folha de papel.
Como a imagem capta a textura presente até no interior da folha, o método é extremamente seguro contra fraudes. É impossível alterar o padrão sem causar danos visíveis. ;Nosso algoritmo pode detectar e corrigir leves erros humanos durante o processo de captura da imagem, além de ser robusto a manipulações do papel, como amassar, rabiscar, molhar e aquecer;, afirmou Toreini.
Alternativa aos chips
Professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB), Pedro Rezende destaca que a técnica é mais segura que soluções disponíveis no mercado. ;Ela tem maior eficiência comparada, por exemplo, com o chip, que é muito mais fácil de fraudar. Os chips atuais meio que ficaram ultrapassados por essa técnica, mas a sua implementação é ingênua;, avalia.
O especialista, que não participou do estudo, aponta uma possível fraude a partir de uma aplicação da tecnologia descrita no artigo. Os criadores sugerem que um pequeno quadrado seja inserido no documento impresso. Depois, fotografado e analisado pelo algoritmo e transformado em um código de barras, também impresso na folha. Quando o documento precisar de autenticação, um analista tira outra foto do quadrado, passa pelo algoritmo e compara com o código de barras. Se os dois forem correspondentes, significa que o documento é legítimo.
;Mas, para que isso funcione contra fraude, é necessário que o fraudador não conheça o algoritmo;, ponderou Rezende. Caso tenha acesso ao programa, qualquer pessoa pode simplesmente imprimir uma cópia do documento em outra folha e gerar um código de barras para ela. ;É preciso usar um segundo canal, não apenas a folha. Uma página na web, por exemplo, permitiria a verificação da folha com um código salvo;, sugeriu.
Feng Hao, um dos autores da pesquisa, concorda. ;Para uma aplicação on-line, é preciso ter acesso a uma base de dados. Logo, alguém faz uma nova medida da textura do documento e procura nos dados se há um registro do código, da mesma forma como um sistema de reconhecimento biométrico.;
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Tempo estimado para a identificação da ;digital; do papel e a criação do algoritmo respectivo
"Nosso algoritmo pode detectar e corrigir leves erros humanos durante o processo de captura da imagem, além de ser robusto a manipulações do papel, como amassar, rabiscar, molhar e aquecer;
Ehsan Toreini, pesquisador da Universidade de Newcastle, e um dos criadores da solução
Combinação com o digital
Mesmo com a disseminação dos meios eletrônicos, há um número muito grande de documentos impressos em circulação. Documentos pessoais mais recentes, como identidades e passaportes, usam dispositivos eletrônicos como mecanismo de proteção. ;Se você coloca um chip em um documento, ele deve ser resistente à fraude;, disse Feng Hao, pesquisador da Universidade de Newcastle, no Reino Unido. ;Cada chip contém uma chave secreta. Se ela vaza, ele pode ser clonado facilmente. Porém, não existe resistência total à fraude. É sempre um equilíbrio entre a segurança relativa e o custo. No caso do passaporte eletrônico, o uso de um chip resistente aumenta o custo do documento no Reino Unido em 30 libras;, completou.
Para Pedro Rezende, professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB), a técnica poderá ser mais útil em documentos que precisam ter um registro em papel e um registro eletrônico. ;Uma carteira de identidade falsa custa R$ 100 em São Paulo. Seria fácil detectar se você tivesse acesso ao banco de dados. Você escanearia o papel e consultaria o banco;, ilustra.
Além de ser mais segura, a técnica de autenticação de documento proposta por Hao e os colegas pode ser aplicada em quaisquer documentos impressos, desde que o material seja transparente, em certo grau. ;Nossa pesquisa mostra que os bilhões de documentos em papel existentes já têm uma medida de segurança embutida;, disse Siamak Shahandashti, também autor do estudo. ;Então, não apenas a tecnologia pode ser aplicada no presente e no futuro, mas um certificado impresso no passado também pode ser registrado e protegido.; (VC)
* Estagiário sob a supervisão de Carmen Souza