Renata Rusky
postado em 19/11/2017 07:00
Sentado em uma poltrona projetada por Le Corbusier, o arquiteto Arthur Casas conversou com a Revista do Correio sobre a influência de Brasília em sua vida, sobre os desafios da profissão no início da carreira e sobre a oportunidade de fazer projetos em tantos países, além do Brasil. O arquiteto esteve na capital na semana passada para dar uma palestra no 5; Encontro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo.
Casas tem obras espalhadas no mundo inteiro: Beijing, México, Nova York, Espanha. E é um dos mais respeitados nomes da arquitetura brasileira contemporânea. Sem preferência por nenhuma escala, faz casas, prédios, apartamentos, espaços comerciais. ;O legal dessa profissão é que você pode realmente trabalhar em vários cenários diferentes. Agora, acho que é uma característica minha que outros profissionais deviam ter. Não acho que seja um demérito não se especializar em nada;, afirma.
O que Brasília representa na sua vida?
Essa cidade representa muita coisa. Eu venho a Brasília desde os 7 anos de idade. Meus tios moravam aqui perto, em Anápolis, e a gente vinha muito para cá. Na primeira vez, a Catedral não tinha nem os vitrais ainda. Então, eu sou praticamente um brasiliense. Vi a cidade ser formada e crescer. Ainda havia dúvidas se as pessoas iam gostar de viver aqui. Via de regra, elas vinham, passavam um período e iam embora. Diziam que era uma cidade sem esquina, sem alma. E é engraçado que a cidade se mostrou algo totalmente diferente. Quem mora aqui adora, não quer ir embora, tem uma relação interessante, positiva.
Aos 7 anos, você já tinha essa noção de que Brasília era um projeto completamente diferente? Já pensava em ser arquiteto?
Tinha, sim. Esse período de tantas visitas a Brasília foi um dos grandes impulsos para eu fazer arquitetura. Saber que uma pessoa, um arquiteto, sobretudo Oscar Niemeyer, foi capaz de produzir uma cidade inteira... Isso me parecia um poder quase divino e é uma coisa que, para uma criança, estimula muito.
Há muitas críticas aos projetos de Niemeyer, que não seriam ideais para circulação de ar, entrada de luz natural. O que você pensa disso?
Eu acho difícil um arquiteto que tenha produzido tanto quanto ele não ter projetos que sejam alvos de crítica em algum momento. É muito complicado. A gente tem que pensar que a cidade foi feita em quatro anos. Nós, que somos arquitetos, sabemos que demora o detalhamento. E olha que hoje é digital! Imagina na época, que era tudo à mão, trabalhando nesse fim de mundo, que não tinha tanto acesso. Evidentemente que alguns projetos vão ser passíveis de defeito. E não só por conta dele como arquiteto, mas por defeito de construção mesmo, de execução, por conta da rapidez.
Do início da sua carreira, há 35 anos, para hoje, os desafios de ser arquiteto mudaram?
Tenho a impressão de que, quando comecei, era mais difícil. Principalmente numa cidade como São Paulo, em que, apesar de ser o centro econômico do país, as altas camadas da sociedade gostavam do estilo neoclássico. Foi uma época muito difícil de começar a trabalhar lá. E São Paulo não é uma cidade de espaço público igual a Brasília. Então, quem dita o trabalho dos arquitetos é a iniciativa privada. Se ela acha que o neoclássico é mais bonito, mais vendável, ou mais barato, ela aposta. E foi quando comecei a trabalhar. Por isso, começamos com design de interiores e só fomos para a arquitetura quando esse modismo acabou. Acho que hoje tem uma porta aberta que eu e outros colegas de profissão abrimos para essa visão moderna, que está no DNA brasileiro. Tem tudo a ver com a especificidade do clima brasileiro. Nós estamos aqui numa área em que não tem janela, não tem porta e o ar circula. Em que outro país poderíamos ter isso? Nós abrimos a porta para essa geração, para essa arquitetura contemporânea, moderna.
E qual é o problema do estilo neoclássico?
Eu não tenho nada a favor dele. Odeio. É uma arquitetura de ;fachadismo;. É vagabundo em termos de materiais. Não tem relação com o nosso clima, com a nossa paisagem, com a nossa história. Não dá para trazer coisas de fora e copiar. É uma coisa artificial. Eu acho que, hoje, o mercado, o horizonte para quem começa a trabalhar são muito mais interessantes que nos anos 1980, com muito mais liberdade criativa. O arquiteto é mais valorizado.
Qual foi seu primeiro projeto fora do Brasil? Que diferença faz a cultura na hora de projetar uma casa?
Meu primeiro projeto fora foi um apartamento no Central Park, em Nova York, de um venezuelano, colecionador de arte. Era o segundo apartamento dele. Faz muita diferença, porque muda a forma de viver a casa. Cada cultura tem seu jeito de se relacionar com a casa. Aqui, ainda tem o que eu chamo de casa-grande e senzala: a parte da cozinha separada da sala, o quarto de empregada, uma lavanderia imensa. Lá fora, não existe isso. Em qualquer classe social. O trabalhador lá é como qualquer outro: chega, trabalha e vai embora. E também tem o sistema de construção, que aqui é ultrapassado.