Em Brasília, vivem ao todo 1.337.726 mulheres. Os dados são do Censo 2010, do IBGE. Somos a maioria e representamos 52,74% do total de residentes do Distrito Federal. Somos responsáveis por manter 229.669, cerca de 27,99%, dos domicílios, segundo estimativa da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios, realizada pela Codeplan em 2013. A estimativa da Pesquisa de Emprego e Desemprego (2012) conta que, a cada mil mulheres, 595 são empregadas, contra 675 homens. A mesma pesquisa afirma que, em 2011, "o rendimento médio, por hora, auferido pelas mulheres correspondia a 78,1% do rendimento masculino. Em 2012, essa proporção diminuiu para 77,4%".
Trabalhamos o mesmo tanto e ganhamos um tanto menos. As mulheres ainda têm jornada dupla. A sociedade afirma que elas são responsáveis pelos filhos, pela manutenção da casa e pelo bem-estar dos maridos. Segundo o estudo As mulheres no Distrito Federal e nos municípios metropolitanos - Perfis da desigualdade, de março de 2015, também da Codeplan, "a conclusão a que se chega é a de que, mesmo em condições aparentemente similares, as mulheres permanecem preteridas no mercado de trabalho. Ou seja: para atingir os mesmos patamares que os homens, elas devem proceder esforços muito maiores, seja de capacitação, seja de abdicação da maternidade ou outra escolha que as torne mais competitivas".
Na antevéspera de Dia Internacional da Mulher, aproveitamos o domingo para mostrar que, sim, apesar de todas as responsabilidades e dificuldades, são muitas as supermulheres em Brasília. Elas são exemplos do malabarismo que se aprende para levar a vida. Exemplos de que é possível, sim, ter sucesso na área profissional e na vida familiar ao mesmo tempo. Já idosas, algumas relembram épocas passadas, quando ainda era mais difícil ser mulher.
Hoje, contamos as histórias de mulheres inspiradoras. São 11, entre outras tantas, que circulam pela nossa cidade todos os dias. E acontecem pela capital. Em comum, todas elas têm o foco e a certeza de que dá certamente para cumprir todas as tarefas, que lhes atribuíram ou assumiram por conta própria, e ainda ser feliz. E se não há certeza, seguem sempre rumo à frente.
Acredite se quiser, Epifânia Maria de Jesus Mendes, a dona Pifa, está a menos de um mês de completar 99 anos "bem vividos e bem aproveitados." São 18 filhos, muitos netos, três tataranetos. Quase 100 pessoas descendem da pequena e animada senhora com tanta história para contar. Casou-se aos 17 anos com um homem escolhido pelo pai e, com os anos, aprendeu a amá-lo. Com três filhos e um jegue, a família veio caminhando de Correntina, na Bahia, até Formosa. Uma viagem de 400 quilômetros feita a pé, durante um mês. Chegou aqui em 1958 para ajudar a construir a capital federal.
Dona Pifa se lembra com carinho dos candangos. Cozinhava para eles, lavava roupa de muitos, além de cuidar dos seus 18 filhos. "Não tinha nada aqui, só poeira. No meu tempo, todo mundo era pobre, da roça. Tinha que pegar lenha no mato para cozinhar, carregar lata de água na cabeça. A gente socava mamona no pilão para fazer óleo para lamparina. Hoje, o mundo é muito rico, a gente só pinica na parede e a luz liga, a água sai da pia. Hoje, é tudo beleza pura", conta.
Dona Pifa é muito feliz com o empoderamento conquistado pelas mulheres. Ela conta que, quando era jovem, as mulheres nasciam cativas e assim morriam. Só podiam sair com o pai e, depois de casadas, dependiam dos maridos. Estavam proibidas falar. "Foi o ato de poder votar que tornou todas iguais. Hoje, as mulheres passam os homens. São bonitas, libertas, vão para onde querem. Eu me sinto bem de ser mulher, dou o maior valor, sabia?"
À beira do centenário, dona Pifa não podia estar melhor. Muito moleca quando jovem, ficou ainda mais com o passar dos anos. Não tem vergonha de nada e a língua fica mais solta a cada aniversário. O médico atestou que seu coração é de menina-moça. "Velho é o meu passado, e a juventude está na minha cabeça. Vi o mundo, o fundo e a beirada do outro mundo. Estou a cada ano mais alegre, sou muito feliz de viver no mundo civilizado. Só parei de beber com 93 anos. Fiz minha primeira tatuagem aos 90, a segunda aos 98. Com 100, vou fazer mais uma: uma estrela na outra perna", afirma.
Aos 53 anos, Adna Santos é um exemplo de superação. Conhecida como Mãe Baiana, do terreiro de candomblé Axé Oyá Bagan, Adna trabalha todos os dias pela proteção do patrimônio da cultura afro-brasileira na Fundação Cultural Palmares. Ao mesmo tempo, desde 2002, está à frente do terreiro que, além da função religiosa, atende a população negra e os que os moradores da região vizinha. Tudo é bancado pelos próprios membros do terreiro. Ao todo, ela ajuda cerca de 200 a 300 famílias diariamente.
O templo de Mãe Baiana não tem água encanada nem poço. Só conseguiram levar luz até lá em 2012. Mesmo assim, o trabalho de formiguinha de Adna segue a cada dia. Ela foge de confusão. Em novembro do ano passado, a Casa da Mãe Baiana foi incendiada num episódio de intolerância religiosa. Está sendo reconstruída aos poucos, com o pouco dinheiro da comunidade. Apesar das dificuldades, Adna carrega um orgulhoso sorriso no rosto, aquele que pertence os que reconhecem fazer sua parte.
"É difícil ser mulher, pobre, preta e de terreiro. É uma situação delicada. As pessoas não te respeitam pelo que você é. Faço papel de mulher, de homem, de mãe, de avó (quando chega uma mulher parindo e pedindo ajuda), de amiga (quando atendo mulheres que apanham do marido), de tia (quando as crianças procuram ajuda para fugir do maus-tratos dos padastros). Tenho um papel dentro da sociedade que não é visto, mas que faço dia e noite. Tenho fé nos meus orixás, respiro e me inspiro neles. Ser mulher é ajudar, é dar a mão a quem precisa. Sou linda, sou mulher e sou feliz."
"Não achei que ia viver até os 69 anos", conta a jornalista e chef macrobiótica Vera Viana. Na juventude, o ex-marido dela trabalhava com Oscar Niemeyer e foram passar uma temporada na Argélia. Foi quando ela contraiu uma virose africana. Ficou entre a vida e a morte. Em Paris, onde morava, escutou dos médicos que só tinha mais dois meses de vida. Naquele país, começou a se tratar, até que decidiu voltar para o Brasil, onde queria morrer. "Eu estava definhando. Fiquei muito frágil, dependendo dos outros para tudo."
Em terras brasileiras, a então sogra de Vera, uma japonesa, acolheu a nora e passou a inserir comidas e tratamentos orientais na rotina dela. Na época, tinha 30 anos. Aos poucos, a jornalista foi ganhando força, conseguiu se levantar da cama e foi orientada a fazer muitos exercícios físicos. Anos depois, deu à luz por parto normal. "Escutava o que estava me fazendo bem e fui me fortalecendo. Em 1986, abri meu restaurante macrobiótico. Recebia 50 pessoas por dia, dei muitas entrevistas na época. Estava em todo lugar. Por estresse, tive que parar por seis meses. Aprendi a me controlar, a falar não, a me fechar para algumas pessoas", lembra.
Hoje, Vera aprendeu a se enxergar e controlar qualquer ameaça à saúde. Sabe detectar a falta de energia e faz jejuns quando se sente doente. A cabeça também é importante: "Tudo o que acumula na mente acaba indo para o corpo. Alguma coisa desequilibra. É autoconhecimento", afirma. Também concilia a rotina corrida na cozinha com exercícios diários para se manter ativa e saudável.
Depois de sobreviver para comentar a própria história, Vera reflete muito sobre seu papel no mundo. Descobriu que ser mulher é ter um olhar mais abrangente para as coisas simples da vida e, mais importante, é um aprendizado diário. "É proteger os filhos e entender o momento certo de largá-los; é aproveitar muito o momento presente; é ter a serenidade da solidão, mesmo rodeado de pessoas. É preciso acalentar o interno, viver com você e, assim, ficar de bem com os outros. É aprender com os anos a ter senso e autocrítica para evoluir, e estar pronto para as mudanças da vida", define.
Ser mulher é novidade para o corpo de Leandra, 20 anos, mas não para a sua cabeça. "Sempre me vi mulher, só não sabia direito o que eu era. Não sabia como colocar para fora. Estava no corpo errado. Na adolescência, fui lendo e entendendo. Aprendi o que era ser transsexual", lembra a modelo. Na escola, Leandra era alvo de muitas piadas por causa da aparência feminina e do jeito efeminado. Mas, talvez, por não ter fingido ser outra pessoa, a família a apoiou quando, em 2014, decidiu que queria seguir a vida como mulher.
O nome social é Leandra, mas a carteira de identidade estampa um nome de homem. A espera pela mudança é longa e pode durar anos. Ainda assim, ela acredita que as pessoas estão mais conscientes e que o assunto não é mais tabu. Não é um caminho simples. Há 10 meses, a modelo faz tratamento hormonal. Só daqui a um ano pode, e pretende, fazer cirurgia de mudança de sexo. Apesar de o acompanhamento psicológico ser obrigatório como parte do processo, Leandra conta que é muito bem resolvida. Mesmo assim, a imensa lista de laudos necessários para seguir o tratamento incomoda. "Tenho que provar para outras pessoas quando já provei para mim mesma, quando já estou certa do que sou", afirma.
Tendo vivido os dois lados da sexualidade, Leandra aprendeu a ser mulher. "Aprendi que é bem mais do que uma imagem, é ser forte, é dar a cara a tapa. É provar a todo minuto que podemos ser melhor do que os homens. Não é fácil."
Leia a reportagem completa na edição n; 564 da Revista do Correio.