Politica

Dilma Rousseff revela detalhes do sofrimento vivido nos porões da ditadura

Sandra Kiefer
postado em 17/06/2012 07:48
A presidente Dilma Vana Rousseff foi torturada nos porões da ditadura em Juiz de Fora, Zona da Mata mineira, e não apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro, como se pensava até agora. Em Minas, ela foi colocada no pau de arara, apanhou de palmatória, levou choques e socos que causaram problemas graves na sua arcada dentária. É o que revelam documentos obtidos com exclusividade pelo Estado de Minas , que até então mofavam na última sala do Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG). As instalações do conselho ocupam o quinto andar do Edifício Maletta, no Centro de Belo Horizonte. Um tanto decadente, sujeito a incêndios e infiltrações, o velho Maletta foi reduto da militância estudantil nas décadas de 1960 e 70.

Perdido entre caixas-arquivo de papelão, empilhadas até o teto, repousa o depoimento pessoal de Dilma, o único que mereceu uma cópia xerox entre os mais de 700 processos de presos políticos mineiros analisados pelo Conedh-MG. Pela primeira vez na história, vem à tona o testemunho de Dilma relatando todo o sofrimento vivido em Minas na pele da militante política de codinomes Estela, Stela, Vanda, Luíza, Mariza e também Ana (menos conhecido, que ressurge neste processo mineiro). Ela contava então com 22 anos e militava no setor estudantil do Comando de Libertação Nacional (Colina), que mais tarde se fundiria com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), dando origem à VAR-Palmares.

As terríveis sessões de tortura enfrentadas pela então jovem estudante subversiva já foram ditas e repisadas ao longo dos últimos anos, mas os relatos sempre se referiam ao eixo Rio-São Paulo, envolvendo a Operação Bandeirantes, a temida Oban de São Paulo, e a cargeragem na capital fluminense. Já o episódio da tortura sofrida por Dilma em Minas, onde, segundo ela própria, exerceu 90% de sua militância durante a ditadura, tinha ficado no esquecimento. Até agora.

Com a palavra, a presidente: ;Algumas características da tortura. No início, não tinha rotina. Não se distinguia se era dia ou noite. Geralmente, o básico era o choque;. Ela continua: ;(...) se o interrogatório é de longa duração, com interrogador experiente, ele te bota no pau de arara alguns momentos e depois leva para o choque, uma dor que não deixa rastro, só te mina. Muitas vezes usava palmatória; usaram em mim muita palmatória. Em São Paulo, usaram pouco este ;método;;.



Bilhetes Dilma foi transferida em janeiro de 1972 para Juiz de Fora, ficando presa possivelmente no quartel da Polícia do Exército, a 4; Companhia da PE. Nesse ponto do depoimento, falham as memórias do cárcere de Dilma e ela crava apenas não ter sido levada ao Departamento de Ordem e Política Social (Dops) de BH. Como já era presa antiga, a militante deveria ter ido a Juiz de Fora somente para ser ouvida pela auditoria da 4; Circunscrição Judiciária Militar (CJM). Dilma pensou que, como havia ocorrido das outras vezes, estava vindo de São Paulo a Minas para a nova fase do julgamento no processo mineiro. Chegando a Juiz de Fora, porém, ela afirma ter sido novamente torturada e submetida a péssimas condições carcerárias, possivelmente por dois meses.

Nesse período, foi mantida na clandestinidade e jogada em uma cela, onde permaneceu na maior parte do tempo sozinha e em outra na companhia de uma única presa, Terezinha, de identidade desconhecida. Dilma voltou a apanhar dos agentes da repressão em Minas porque havia a suspeita de que Estela teria organizado, no fim de 1969, um plano para dar fuga a Ângelo Pezzuti, ex-companheiro da organização Colina, que havia sido preso na ex-Colônia Magalhães Pinto, hoje Penitenciária de Neves. Os militares haviam conseguido interceptar bilhetinhos trocados entre Estela (Stela nos bilhetes, codinome de Dilma) e Cabral (Ângelo), contendo inclusive o croqui do mapa do presídio, desenhado à mão.

Seja por discrição ou por precaução, Dilma sempre evitou falar sobre a tortura. Não consta o depoimento dela nos arquivos do grupo Tortura Nunca Mais, nem no livro Mulheres que foram à luta armada, de Luiz Maklouf, de 1998. Só mais tarde, em 2003, ele conseguiria que Dilma contasse detalhes sobre a tortura que sofrera nas prisões do Rio e de São Paulo. Em 2005, trechos da entrevista foram publicados. Naquela época, a então ministra acabava de ser indicada para ocupar a Casa Civil.

O relato pessoal de Dilma, que agora se torna público, é anterior a isso. Data de 25 de outubro de 2001, quando ela ainda era secretária das Minas e Energia no Rio Grande do Sul, filiada ao PDT e nem sonhava em ocupar a cadeira da Presidência da República. Diante do jovem filósofo Robson Sávio, que atuava na coordenação da Comissão Estadual de Indenização às Vítimas de Tortura (Ceivt) do Conedh-MG, sem remuneração, Dilma revelou pormenores das sessões de humilhação sofridas em Minas. ;O estresse é feroz, inimaginável. Descobri, pela primeira vez, que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando minha pele tremeu. Tem um lado que marca a gente pelo resto da vida;, disse.

Humilde Apesar de ser ainda apenas a secretária das Minas e Energia, a postura de Dilma impressionou Robson: ;A secretária tinha fama de durona. Ela já chegou ao corredor com um jeito impositivo, firme, muito decidida. À medida que foi contando os fatos no seu depoimento, ela foi se emocionando. Nós interrompemos o depoimento e ela deixou a sala com uma postura diferente em relação ao momento em que entrou. Saiu cabisbaixa;, conta ele, que teve três dias de prazo para colher sete depoimentos na capital gaúcha. Na avaliação de Robson, Dilma teve uma postura humilde para a época ao concordar em prestar depoimento perante a comissão. ;Com ou sem o depoimento dela, a comissão iria aprovar a indenização de qualquer jeito, porque já tinha provas suficientes. Mas a gente insistia em colher os testemunhos, pois tinha a noção de estar fazendo algo histórico;, afirma o filósofo.

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