Politica

Sem fiscalização do Dnit, famílias constroem casas a beira de estradas

postado em 24/07/2011 08:00
Família observa caminhão passando no

Maceió,Marechal Deodoro (AL), Manaus,Mineiros (GO) ; No país onde o deficit habitacional é de quase seis milhões de moradias e o Estado não consegue fiscalizar os 67 mil quilômetros de rodovias, brasileiros desassistidos pelo poder público ocupam acostamentos e tratam áreas públicas como se fossem donos delas. O Correio percorreu estados de quatro regiões para contar histórias de quem transforma estradas em um quase quintal e sonha se beneficiar com indenizações pagas por processos de desapropriação. Enquanto pessoas de baixa renda se arriscam nas margens de rodovias tentando abrir um canal de negociação com o governo, a Polícia Federal investiga o pagamento irregular de indenizações feito pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Há três inquéritos para investigar se as pessoas que receberam dinheiro poderiam ter sido pagas ou se invadiram áreas dentro da faixa de domínio da União. O Dnit é pivô dos escândalos envolvendo irregularidades no Ministério dos Transportes.

Os brasileiros que optaram por morar em lonas quentes ou em casas de adobe ; que parecem estar prestes a desmoronar ; acreditam que insistir em ficar nas áreas de risco, apesar da alta probabilidade de atropelamentos e da estrutura precária de saneamento, é a única forma de pressionar o governo para receberem casas próprias ou dinheiro. Uma estratégia em geral ineficiente, como indica história de Claudinete Atanario, 20 anos, integrante da segunda geração de uma família que cresceu à margem da AL-101 e hoje, passados 20 anos e depois da morte de três parentes por atropelamento, ainda espera propostas do Estado para realocá-la.

As margens das rodovias brasileiras abrigam gente como Maria dos Anjos, 67 anos, que permanece no acostamento da AL-101 porque acredita ter ;comprado o lote; por R$ 2 mil; e famílias como a de Cesar da Silva, 27, que, depois de ficar desempregado, saiu da casa alugada para se alojar com a mulher e três filhos em um pedaço de acostamento na BR-364 para plantar hortaliças e viver da colheita.

Em meio a histórias trágicas e a outras que apenas resumem as deficiências das políticas habitacionais, os números impressionam e deixam uma mostra do vácuo que existe no processo de fiscalização. Em todo o Brasil, a Polícia Rodoviária Federal registrou 5.298 atropelamentos em 2010. Foram 1.552 mortes somente em rodovias federais. Em muitos casos, efeitos colaterais de uma ocupação desordenada e fora de controle, já que o Dnit, a quem caberia fiscalizar, não tem números ou levantamentos sobre as áreas de domínio da União que hoje abrigam famílias.

Licenças
A Polícia Rodoviária Federal, por sua vez, afirma que a retirada de invasores somente pode ser feita depois de um processo administrativo, cuja responsabilidade é do Dnit, a quem cabe a concessão de licenças.

;Enquanto o Estado não tiver ação efetiva e controle dessas áreas, as pessoas vão se apoderar delas. Os órgãos não agem, não sabem em que regiões estão esses brasileiros. Enquanto isso, as áreas vão virando moradias e plantações;, avalia a professora de urbanismo Lucia Moraes, que atuou até 2009 como relatora nacional para o Direito Humano à Moradia Adequada e Terra Urbana da Plataforma DHESCA (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais).

Colaborou Alana Rizzo

Indústria da duplicação
Na brecha da omissão de quem deveria fiscalizar, as famílias brasileiras tentam pressionar por casa própria. Em Manaus, a avenida do Turismo foi tomada por gente que deixou a invasão José Alencar para ocupar as margens da pista que está prestes a ser duplicada. Cerca de 200 famílias que invadiram a área garantem só deixar o acampamento se receberem do governo a garantia de que serão incluídos no programa Minha Casa, Minha Vida. Uma conduta tratada pelos representantes do governo do Amazonas como ;indústria da invasão;.

;A questão é que esse programa não existe para quem não tem emprego. Do que adianta? Onde vamos viver se não atingimos as faixas de renda exigidas? Enquanto não decidem nosso futuro, vamos ficando e fazendo apelos para que os governantes olhem por nós. É nossa única saída;, resume Maria Ivanilda Ferreira, 42 anos e dois filhos.

No acampamento improvisado também estão a família de Gelson da Silva e a de Adriana Azevedo. Gelson tem 21 anos, vive de bicos e ajuda a comprar comida que muitas vezes é doada para os vizinhos. Com ele, vivem no barraco de lona a mulher, Lidiane Silva, e um bebê de um ano e meio. Adriana é mãe solteira. Tem dois filhos, de 3 e 4 anos, que vivem soltos e brincam no meio-fio que separa a casa onde vivem da passagem dos carros em alta velocidade. ;O risco aqui é todo dia e toda hora. Mas não há o que fazer. Estou desempregada e tenho que criar as crianças. Mas só quero sair se for para ganhar uma casa. Pagar aluguel não tem condições;, diz ela.

A assessoria do governo do Amazonas afirma que possui uma política habitacional para atender o deficit de moradias do estado e que há atualmente 10 conjuntos em construção, que totalizam 15 mil novas unidades habitacionais. Enquanto isso, a esperança dos moradores é o inicio das obras de ampliação da avenida, quando o governo será obrigado a negociar para retirá-los.

Documentos e incertezas
Belo Horizonte ; Em meio ao barulho em uma das rodovias mais movimentadas do norte de Minas, a BR-251, 20 famílias vivem no local há mais de 25 anos e garantem que pagaram pelos lotes. A agricultora Geralda Santa Rosa, 56 anos, é uma delas. Sua casa está localizada na comunidade de Ponte Nova/Vacaria, município de Salinas, e foi construída na beira da BR, que liga Montes Claros a Rio-Bahia (BR-116) e, segundo Dnit, tem um movimento diário de 5,5 mil veículos por dia.

A agricultora disse que ela, assim como outros moradores da localidade, comprou os lotes ainda antes da construção da rodovia. ;Quando saiu a estrada, a gente já estava aqui. Temos o documento do Incra;, diz a moradora. A proximidade da ponte sobre o rio Vacaria, situada no fim de uma curva e após uma descida, aumenta os riscos de acidente no local. ;A gente sabe do risco de acidente, mas não temos outro local para morar;, ressalta Geralda.

A mulher disse que teve conhecimento de que o Dnit pretende alargar a BR-251, podendo até mesmo duplicar a rodovia. Por isso, tem receio de que as famílias sejam retiradas. ;Mas se isso acontecer, o que espero é que seja feita uma indenização para que o pessoal daqui possa morar em outro local;, diz.

Próximo dali vive a professora Ivanir Jardim, que nega a invasão da área da União. Ela disse que sua família comprou o terreno de uma outra pessoa e que tem documento atestando que está tudo legal. Segundo o chefe regional do Dnit em Montes Claros, Antonio Péricles, se o governo precisar de espaço para alargar a pista, os moradores deverão ser removidos sem receber indenização, mesmo se tiverem feito o pagamento dos terrenos. (Por Luiz Ribeiro)

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