postado em 27/03/2011 08:16
A esquerda assumiu o poder, comprou automóvel de luxo, passou a tomar vinhos caros e deixou a militância órfã do discurso que pregava menos capitalismo e mais poder para o povo. O fim do governo Luiz Inácio Lula da Silva marcou a conquista de uma luta de décadas, pela tomada do poder por um representante do operariado. Passados os oito anos da era Lula, líderes de siglas nascidas dos movimentos sociais ressentem-se da falta de renovação dos quadros. A conquista do governo não se traduziu no descobrimento de talentos e, em vez disso, a esquerda sofreu um processo de ;aburguesamento;.O presidente em exercício do PDT, Manoel Dias, aposta na juventude para afastar o rótulo de centrista. ;Descuidamos e o partido se desviou da esquerda. Aburguesou-se. Precisamos formar novos quadros;, admite. Além de PT e PDT, partidos que carregam no nome o socialismo e o comunismo, como o PSB e o PCdoB, também mantêm em seus quadros empresários ; como o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Paulo Skaff (PSB-SP) ; e donos de extensa lista de bens.
Depois de alçar a maior parte de sua cúpula ao comando de ministérios e consolidar sucessivos mandatos legislativos, o PT sofre com o fenômeno que o deslocamento social provocou em seu estafe. Ex-militantes que tiveram o nome projetado graças à atuação nas ruas, como o ex-ministro José Dirceu, adquiriram estilo de vida que não comporta mais o discurso socialista fixado pelo estatuto do PT. O Dirceu que fez carreira na militância estudantil atualmente não costuma fazer viagens em voos comerciais, somente em jatinhos. Até mesmo o ex-metalúrgico Marco Maia (PT-RS), presidente da Câmara, sucumbiu ao estilo ;burguês;. Os amigos de Maia, que ainda estão na planície do partido, reclamam que não conseguem mais acompanhar os hábitos caros do petista, que costumava frequentar a arquibancada nos jogos do Grêmio, mas agora só quer saber de cadeira especial ; espaço mais confortável e mais caro em um estádio de futebol.
As declarações de bens dos senadores Delcídio Amaral (PT-MS) e Marta Suplicy (PT-SP) e do deputado André Vargas (PT-PR) demonstram conquistas materiais que destoam da imagem trabalhista que o PT sempre manteve desde sua criação e se aproximam a cada dia do perfil abastado de representantes da antiga direita, que ganhou ares modernos com o DEM e PSDB.
Tido como o partido mais democrático em suas decisões, o PT ainda ensaia outro passo rumo ao centro, com a mudança de estatuto. A ideia é restringir a atual participação dos militantes do partido no chamado Processo de Eleição Direta (PED). Oficialmente, o motivo para a reforma no processo decisório é evitar as filiações em massa às vésperas das eleições. Na prática, a modificação insere o partido ainda mais nas características antes atribuídas ao DEM e ao PSDB, onde o que importa é decidido pela cúpula, longe dos ouvidos da militância. A previsão é que o novo estatuto seja votado em setembro.
O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), rejeita o termo ;aburguesamento;, mas afirma que o processo de ;institucionalização; dos quadros provoca distanciamento entre partido e movimentos sociais. ;O que identifico no PT não é tanto um aburguesamento, mas hoje temos governos, prefeituras e são os mesmos quadros que participaram da vida partidária. Corre-se o risco de uma institucionalização da ação política. Em alguns casos, perde-se a relação com os movimentos sociais, pois o trabalho absorve demais;, observa o líder do PT, pontuando que não é só a falta de tempo que provoca a mudança.
;Os interesses se tornam antagônicos. O gestor público tem que governar para todos. Os interesses da corporação se contrapõem ao interesse global da sociedade. Ocorre um conflito, o papel de quem está no Executivo pode se confrontar com o dos movimentos sociais, mas o PT não perde inteiramente seu vínculo, porque é isso que lhe dá força.;
Contradição
Refúgio dos insatisfeitos com a moderação do PT após alcançar o governo, o PSol também não pode descuidar do processo de aburguesamento, segundo o líder do partido na Câmara, Chico Alencar (RJ). De acordo com o deputado, a participação de empresas no financiamento de campanha é fator decisivo no processo de desvirtualização da esquerda. Por isso, a legenda rejeita doações de pessoas jurídicas.
;O velho Carlito Maia, publicitário das origens do PT, dizia que quando a esquerda começa a contar dinheiro, não é mais esquerda. Qualquer governo realmente de esquerda vai viver a contradição entre empresas e o poder público, mas já houve governos mais de esquerda no Brasil, como o da Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo, o do Patrus Ananias em Belo Horizonte e o de Olívio Dutra no Rio Grande do Sul. Atualmente, parece que não tem mais classes sociais, não tem mais contradições, que governar é fazer conciliações;, critica Alencar.
Colaborou Ivan Iunes
Cifras ascendentes
O processo de aburguesamento do PT passa também pela participação na máquina. O chamado ;dízimo; cobrado do salário dos filiados que têm mandato ou função no governo cresce ano após ano. A contribuição varia de 2% a 20% dos rendimentos. Em 2002, o partido arrecadava R$ 400 mil com o dízimo. No fim do primeiro mandato a cifra subiu para R$ 2,8 milhões e este ano a expectativa é de R$ 3,6 milhões.