Mundo

Em entrevista ao Correio, presidente da Bulgária pede união contra crises

Em passagem por Brasília, o presidente falou ao Correio, defendeu abordagem comum para a crise migratória, admitiu orgulho em participar da coalizão contra o Estado Islâmico e minimizou problemas enfrentados pelo Brasila

postado em 03/02/2016 17:17
Em passagem por Brasília, o presidente falou ao Correio, defendeu abordagem comum para a crise migratória, admitiu orgulho em participar da coalizão contra o Estado Islâmico e minimizou problemas enfrentados pelo Brasila

Em sua primeira visita ao Brasil, o presidente da Bulgária, Rosen Plevneliev, reforçou a necessidade de um esforço conjunto para colocar um fim no conflito sírio e controlar a crise de refugiados na Europa. Plevneliev foi recebido pela presidente Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto, e conversou com empresários durante sua passagem por Brasília. Ele prometeu colaborar para a assinatura do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, discutido desde 1999 e atualmente na fase final de negociações. Orgulhoso das origens búlgaras da presidente, Plevneliev fez questão de reforçar o carinho de seu país por Dilma. ;A Bulgária a ama;, disse, sem poupar elogios. O líder, que se encontra hoje com representantes da comunidade búlgara em São Paulo, destacou a intenção de aprofundar as relações com o Brasil e aumentar o intercâmbio educacional entre os países. ;Queremos mais estudantes brasileiros;, afirmou.

Os dois presidentes assinaram acordos na área de educação e de cooperação em previdência social. ;Isso vai ajudar empresas brasileiras a investirem na Bulgária e as búlgaras no Brasil, porque vai preservar os direitos dos funcionários nos países, o que encoraja a comunidade empresarial;, explicou Plevneliev. O búlgaro aproveitou a visita para reforçar o trabalho conjunto realizado como Brasil na Antártida e agradecer a colaboração. ;A Bulgária tem um programa científico muito ambicioso no continente gelado, e, sem o Brasil, seria absolutamente impossível realizá-lo;, disse ele, em referência à ajuda logística.


A Bulgária se apresenta como um pilar de estabilidade regional. O senhor se preocupa em como a crise de refugiados pode afetar os Bálcãs?
Nós estamos todos preocupados. Há uma grande instabilidade em toda a Europa e acreditamos em um fato muito simples: a única forma de resolvermos a crise no continente é com uma abordagem comum entre os membros. Não existe chance alguma de construirmos muros e cercas, pois não é possível superarmos isso sozinhos. Olhe todas as crises recentes que enfrentamos na UE. Pode ser a ucraniana, a grega, a imigração, o terrorismo ou uma crise econômica, de dívidas... Elas têm apenas uma solução, que é uma estratégia comum. A Bulgária tem contribuído (com isso), ao mantermos a fronteira externa da Europa segura. Temos uma divisa terrestre de 265km com a Turquia; no ano passado, 31 mil pessoas entraram por lá. Por outro lado, na Grécia, que faz fronteira marítima com a Turquia, mais de 750 mil ingressaram em um ano. A Bulgária toma conta dos refugiados. Nós tentamos integrá-los e emitimos declarações de refúgio aos que têm direito a isso. Nós, búlgaros, dizemos com orgulho que não há contradição entre manter as fronteiras fechadas e preservar os padrões de direitos humanos.

A Europa não poderia contribuir mais?
Nós precisamos ser honestos com os refugiados, precisamos saber nossos limites. Não podemos apenas convidá-los. Precisamos ser capazes de integrá-los e cuidar de todos; educar as crianças; dar moradia e perspectiva a todos. Por isso, existe um intenso debate sobre como lidar com o problema da migração. Nas próximas semanas, a UE vai apresentar uma estratégia clara: vamos limitar o número de pessoas que entram, respeitando as nossas capacidades. Em segundo lugar, faremos uma distinção entre os que estão fugindo por suas vidas e aqueles que estão buscando melhores perspectivas econômicas. Em terceiro, a UE fortalecerá as fronteiras externas, mas também vai buscar ajudar os migrantes econômicos a retornarem para casa. Vamos nos concentrar em buscar um fim para o conflito sírio. Nas próximas semanas, vocês verão muitos esforços diplomáticos nesse sentido.

Existem denúncias de maus-tratos cometidos por forças de segurança búlgaras contra migrantes. O que vocês fazem para investigar e evitar novos casos?
Em 2013, quando a crise de refugiados começou, ficamos surpresos. Nós não estávamos preparados. Diferentemente de muitos outros países europeus, começamos uma rápida coordenação e tivemos um incrível avanço. Não somos perfeitos, mas estamos melhorando, usando os escassos recursos que temos para investir em instalações, em mobília, em reabilitação, em aulas para as pessoas em dificuldades com a língua.

O seu país participa da coalizão antiterror. O senhor teme novos atentados?

Fomos atacados, em nosso próprio solo, em 2012. Foi um ataque contra um ônibus de turistas israelenses e nós aprendemos a lição com isso. O país é, hoje, um orgulhoso membro da coalizão antiterrorismo. Estamos lutando contra o Estado Islâmico e sabemos que é muito importante ter uma solução global para tal ameaça. Entendemos que o terrorismo pode ser combatido com armas, mas a sua ideologia não. Isso pode ser combatido apenas com tolerância e com uma melhor educação, por meio de políticas que ajudem até o mais marginalizados grupos de nossa sociedade a serem integrados. Centenas de militantes estrangeiros têm passaporte europeu. Tenho muito orgulho em representar uma nação que não tem sequer um cidadão lutando do lado dos terroristas.

A Bulgária enfrenta problemas com a chegada de migrantes forçados. Ao mesmo tempo, migrantes búlgaros são um ponto de tensão com o Reino Unido. Como o senhor vê a tentativa britânica de controlar a migração de europeus?
Temos uma comunidade muito viva e bem integrada no Reino Unido. Dezenas de milhares estudam, trabalham e moram lá. E eles contribuem com o sistema social. Recentemente, eu me encontrei com o primeiro-ministro David Cameron. Nós checamos números que mostram que os búlgaros estão contribuindo muito para a sociedade. Por outro lado, vemos uma nova iniciativa do lado britânico para mudanças nas regras da UE. Nós todos amamos o Reino Unido. Com seu soft power e sua cultura liberal, os britânicos são um motor de competitividade. Muitas das ideias que ouvimos de seu governo são boas. Mas, se elas estiverem ligadas à restrição do direito dos europeus de viajar, trabalhar, estudar e viver no país, isso certamente será ponto de amplo debate. Estou certo de que há uma boa vontade para encontrar uma solução, e acredito que isso ocorrerá ainda nas próximas semanas.

Na última sexta-feira, a UE divulgou relatório sobre a Bulgária, no qual ressalta problemas de corrupção. Que providências o país toma para resolver a questão e limpar o sistema Judiciário?
A Comissão segue todos os países do bloco, e esses relatórios são bastante pragmáticos, além de ferramentas instrumentais para os Estados-membros melhorarem. Ela apontou para o Estado de Direito, para a luta contra a corrupção e a independência do sistema judiciário como áreas que precisam melhorar. É isso que estamos fazendo. Estamos adotando uma nova legislação e mudando a Constituição, a fim de termos a certeza de que o Judiciário é completamente independente. Estamos organizando um pacote de cinco leis e vamos levar isso ao parlamento em um prazo de um mês. Em pouco tempo, a Bulgária terá a mais avançada legislação anticorrupção da Europa central e do leste. Temos problemas, mas vamos resolvê-los, gerando um grande progresso. E os investidores internacionais estão vendo isso. Os mercados confiam na Bulgária.

Em reunião com a presidente Dilma Rousseff, na segunda-feira, o senhor debateu o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. Como estão as negociações?
A Bulgária vai fazer o possível para ajudar na conclusão desse importante acordo. Estamos na fase final, todos os argumentos estão sobre a mesa, e acho que a decisão final está perto. Há um pouco de reserva em alguns países europeus, especialmente a França na questão da agricultura. Mas, estamos certos de que a Europa fará o seu melhor. Não podemos apontar uma data para a conclusão. No entanto, existe boa vontade. O tempo que temos para resolver os problemas que permanecem é limitado. Quero dizer que a UE prioriza o acordo, e o momento de finalizá-lo chegará muito em breve.

Os senhores também conversaram sobre a crise que enfrentamos no Brasil e de que maneira esse acordo pode ajudar na economia de ambos os lados?

Estamos muito bem informados sobre a situação no Brasil. Os problemas que vocês enfrentam não são apenas de vocês, o mundo passa por um momento muito difícil e a Europa tem problemas parecidos em muitas áreas. As crises em todo o mundo interferem umas nas outras e deixam a situação mais imprevisível. Por causa disso, trocamos ideias sobre como lidar com esses problemas. A Bulgária não é tão grande quanto o Brasil, mas também estamos conduzindo reformas, recentemente realizamos uma na previdência social, que elevou a idade de aposentadoria para 65 anos. Fizemos reforma no sistema energético e no sistema de saúde. O mundo não espera por nós, temos que nos adequar. Com a presidente Dilma, nós falamos sobre tudo. A presidente é uma líder mundial, ela representa uma das maiores economias do mundo e o Estado mais influente da América Latina e do Caribe. Para os líderes europeus, ela é uma parceira muito especial, tem a mente aberta, é democrática, entende de economia e é dedicada a melhorar seu país.

Acordos nas áreas de educação e previdência social foram assinados com a presidente. O que o senhor espera dessa cooperação?

Nós expandimos o que tínhamos conquistado na visita de Estado de Dilma à Bulgária, em 2011, historicamente importante para nós. À época, assinamos um acordo de cooperação econômica e outro de cooperação no campo de tecnologia da comunicação. Agora, o acordo de previdência social vai ajudar empresas brasileiras a investirem na Bulgária e vice-versa, porque vai preservar os direitos dos funcionários nos países, e isso encoraja a comunidade empresarial. O outro acordo, de cooperação em educação, vai permitir maior intercâmbio de estudantes. Queremos mais brasileiros estudando em nosso país.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação