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Síria esperar tirar proveito dos ataques antijihadistas dos Estados Unidos

"O regime foi forçado a aceitar a realidade", explica Salman Shaikh, diretor do instituto Brooking Doha Center

postado em 23/09/2014 13:33
Beirute - Incapaz de se opor aos ataques da coalizão antijihadista, Damasco prefere manter as aparências garantindo ter sido prevenido com antecedência, e espera beneficiar da situação para se tornar um parceiro na "luta contra o terrorismo", de acordo com especialistas.

"O regime foi forçado a aceitar a realidade", explica Salman Shaikh, diretor do instituto Brooking Doha Center.

"Ele poderia gritar, ameaçar, bater os pés, mas provavelmente escolheu manter boa aparência. Eu não acredito que houve muita cooperação (com a coalizão), mas essa é a impressão que o regime quer transmitir", acrescenta.

O ministério sírio das Relações Exteriores reagiu aos ataques dizendo que Damasco apoiava "qualquer esforço internacional para combater o terrorismo", mas que isso deveria ser feito "respeitando a soberania nacional".

Ele também insistiu que o ministro das Relações Exteriores, Walid Muallem, havia recebido "na segunda-feira uma mensagem de seu homólogo americano John Kerry, informando-o de que os Estados Unidos iriam atacar bases do Daesh (sigla em árabe do Estado Islâmico ) na Síria". Esta mensagem foi transmitida pelo chefe da diplomacia iraquiana, segundo o ministério.

Ajuda indireta ao regime

Isolado pelos países ocidentais por sua repressão sangrenta em março 2011 contra um movimento de protesto pacífico, que posteriormente se transformou em rebelião armada, Damasco acredita que a luta contra jihadista oferece a oportunidade de se tornar um parceiro aceitável.

Porque, se os Estados Unidos são os donos do céu, Damasco considera que seu exército é fundamental para atingir os jihadistas no front.

"A coalizão será forçada a cooperar com a Síria, porque não há força terrestre capaz de combater o terrorismo fora do exército sírio e seus aliados, e esta cooperação poderia ser o prelúdio de negociações políticas", afirma Bassam Abu Abdullah, diretor do Centro de Estudos Estratégicos em Damasco e considerado próximo do regime.

E isso é exatamente o que Damasco sempre procurou: priorizar a luta contra o "terrorismo", um termo que significa para ele todos os rebeldes que lutam contra o regime. Isso permitiria adiar indefinidamente qualquer discussão sobre a reforma do sistema autocrático em vigor há meio século no país, acredita.

Para Karim Bitar, pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS), "os ataques poderiam indiretamente beneficiar o regime, pelo menos a curto prazo", contra o Ocidente, que repete o refrão de querer se livrar dele.

"Porque os grupos mais radicais, como o Estado Islâmico ou a Frente Al-Nosra, deverão tentar escapar dos ataques ou limitar o impacto de forma imediata. Assim haverá menos pressão sobre o regime", explica.

Coordenação mais aberta


Além disso, "a coordenação indireta e tácita (via o governo iraquiano) que prevalece pode progressivamente evoluir para uma coordenação mais aberta com os Estados Unidos, à medida que se envolverem em uma guerra de longa duração contra o EI. E isto é precisamente o que espera Assad".

No terreno, os membros da rebelião moderada se preocupam com tal possibilidade. "É claro que queremos que o Daesh deixe Raqqa, mas tememos que isso sirva ao regime, porque ele poderia se posicionar nas áreas evacuadas pelo Daesh", ressalta o ativista Abu Youssef da província de Raqa, reduto do EI.

O especialista Salman Shaikh é mais cauteloso. "Temos de esperar para ver quem vai se beneficiar a longo prazo dos ataques aéreos. O que está claro é que não existe atualmente do lado da oposição forças capazes de tirar proveito e que o regime de Assad não tem os meios para avançar para o leste".



Segundo ele, o regime irá buscar estabelecer contatos com os países europeus e um ou dois países árabes a fim de fornecer informações como parte da luta anti-EI.

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