postado em 07/03/2013 09:41
O papa comete pecados, a Igreja não se resume ao Vaticano e nem todo padre é pedófilo. Autoridade na Santa Sé, o monsenhor José Aparecido Gonçalves de Almeida, nascido em Ourinhos (SP) e há 23 anos morando no coração da Igreja Católica, defende que, para entender o momento pelo qual passa a instituição, é preciso acabar com estereótipos e desmistificar algumas lendas sustentadas como verdade absoluta.
Com doutorado em direito canônico, o padre de 52 anos acumula o cargo de subsecretário do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos ; uma espécie de setor jurídico da Santa Sé ; e de consultor para questões relacionadas à liturgia. Amigo do secretário de Bento XVI, Georg G;nswein, o diocesano brasileiro não teme em dizer que a ;Igreja está em crise e assim vai permanecer até o fim dos tempos;.
Em conversa com o Correio, embaixo de chuva fina na Praça de São Pedro, o monsenhor José Aparecido não se esquivou de comentar os supostos escândalos envolvendo integrantes da Cúria Romana; destacou o prestígio do arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, entre os cardeais; e quis deixar claro o que se espera de um papa. Confira os principais tópicos da entrevista.
Perfil e função do papa
;O cargo do papa é importante, mas o Vaticano não é a Igreja. A Santa Sé não é a Igreja. A Igreja somos eu e todos os batizados. Quem entra na alma das pessoas também não é a Igreja, nem mesmo o papa, que precisa tanto de Deus quanto eu. Falam de infalibilidade papal como se o pontífice fosse impecável. Não funciona assim: o papa confessa. É lógico que ele é o pastor da Igreja, mas, em última análise, as qualidades pessoais dele não importam. O que se espera do sucessor de Pedro é que ele garanta a continuidade da fé católica.;
Escândalos
;A Igreja é um grande hospital onde até os médicos precisam de médicos. É evidente que as atitudes de alguns abalam a credibilidade da mensagem. Esses escândalos são dolorosíssimos. Porém, temos de entender que qualquer pessoa é capaz de cometer os priores erros, os piores horrores. O sacerdócio e o hábito religioso não protegem ninguém dessa possibilidade.;
Crise
;A Igreja está em crise desde o calvário e assim vai permanecer até o fim dos tempos. Entre os 12 apóstolos, já havia crise: Judas traiu, Pedro negou. Falam em carreirismo na Cúria Romana: João e Tiago, lá nos tempos de Jesus, queriam tronos ao lado do rei. Ou seja, os próprios apóstolos não eram as pessoas mais santas do mundo ; pelo menos em relação à imagem que temos de santidade.;
[SAIBAMAIS] Pedofilia
;Vira e mexe, voltam à tona os casos de pedofilia. Parte-se do princípio de que os padres do mundo inteiro são pedófilos, como se esse fosse o único problema da Igreja. Em 1988, quando surgiram os primeiros escândalos nesse sentido, o ainda cardeal Joseph Ratzinger pediu ao papa que se posicionasse. Na última via sacra conduzida por João Paulo II, Ratzinger falou da ;imundicie; da Igreja, referindo-se aos padres pedófilos. No período em que esteve à frente da Igreja, denunciou e agiu para que isso (a pedofilia) seja extirpado.;
Conclave e especulações
;Neste momento, as avaliações dos cardeais levam em conta critérios que não os da fé, e é natural que haja influência de determinados grupos. Mas, quando chegar o conclave, eles sabem que serão somente eles e Deus. Aí tudo pode mudar. As Congregações Gerais (reuniões preparatórias) ajudam a construir o perfil do papa para o momento em que a Igreja vive, mas não definem nada.;
A força de dom Odilo
;Os nomes que estão aparecendo são ;chutes; dos apostadores, mas é evidente que algumas experiências podem facilitar a escolha de um ou de outro. Dom Odilo pertence a uma das maiores dioceses do planeta, foi secretário-geral da maior conferência episcopal do mundo, fala diversas línguas e conhece muito bem a Cúria Romana. Convenhamos que não é um mau currículo. Além disso, ele é muito conhecido pelos cardeais e muito estimado por Bento XVI.;
Renúncia de Bento XVI
;Já se falava nessa possibilidade há algum tempo. Bento XVI não é de fugir da briga, quem o conhece de perto sabe disso. Não consigo imaginar que aquele homem possa ter saído senão pelo motivo alegado por ele. Ele agiu com a razão e movido por uma inteligência de fé. Os problemas não acabaram, mas Bento XVI deu instrumentos para estabelecer um ideal de transparência na instituição. Ensinou que a coisa mais importante na vida da Igreja não é papa, bispo, nada disso: é se entregar a Deus.;