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Sobreviventes do Holocausto falam sobre os 70 anos da deportação de judeus

Rodrigo Craveiro
postado em 22/07/2012 08:00
Em entrevista exclusiva ao Correio, Yohay Remetz, 88 anos, e Halina Birenbaum, 83, contaram como viveram no Gueto de Varsóvia e descreveram o medo da morte nos campos de extermínio nazistas.

Yohay Remetz, 88 anos


"Eu entrei no Gueto de Varsóvia com minha mãe, no outono de 1940. Os alemães haviam ocupado a Polônia, já determinados a não retirar os judeus de sua zona de habitação. Apenas mais tarde, depois que essa área foi reduzida várias vezes e deslocada para a vizinhança mais antiga, os muros em seu redor foram levantados. Eu tinha 15 anos e meio quando os alemães invadiram a Polônia, em setembro de 1939. Era velho o bastante para entender a importância dos eventos e jovem o bastante para reter algum senso de otimismo que me possibilitava crer que eu sobreviveria. Além de minha mãe, perdi no Holocausto 36 familiares.

A vida no gueto era sempre a intensificação e o acúmulo do horror. Os nazistas, cuidadosa e satanicamente, meditavam sobre como piorar nossas vidas dia após dia. Eles reduziam o nosso espaço de convivência e eliminavam todos os resquícios de transporte público. Os judeus já tinham sido cortados de toda a vida de negócios e das indústrias; eles ficavam do lado de fora do gueto ou eram confiscados em mãos alemãs. O trabalho não podia se sustentar sem os suprimentos brutos, sem ferramentas e sem energia. Uma grande população foi deixada com nada. Após um tempo, os moradores começaram a vender qualquer coisa nas casas. Encontrar um comprador era mera sorte e grande felicidade. Depois, apenas a fome restava.

Yohay Remetz, sobrevivente do Gueto de Varsóvia

A fome era a experiência central e dominante da maior parte dos moradores do gueto. Após poucos meses, podíamos ver mendigos nas ruas, idosos e crianças, com as faces e os membros inchados, e a pele marrom esverdeada. Ainda que essa visão fosse repulsiva e horrível, infelizmente, ninguém podia ajudar; estávamos também famintos e miseráveis, e não havia nada que pudesse ser feito.

Os moradores do gueto tentaram lidar com a vida de prisão. Pequenos workshops foram desenvolvidos, que podiam suprir, com dificuldades, as necessidades dos habitantes, mas também forneciam emprego a aqueles que haviam sido extirpados de um modo produtivo de vida. Havia uma vida cultural> mesmo uma orquestra sinfônica foi formada. Um ingresso para as apresentações custava um quarto de um pedaço de pão. Fui ao concerto duas vezes, mas isso custou minha comida por dois dias.

No outono de 1939, havia 330 mil judeus em Varsóvia. Durante três anos, até o verão de 1942, esse número aumentou para 450 mil, em um espaço onde habitavam 100 mil antes da guerra. A superpopulação era o resultado da transferência de judeus de cidades próximas, apesar da contínua redução da área do gueto e da fome e das doenças, que rapidamente se infestavam. Cada mês no gueto tinha uma média de 3 mil mortos.

Caminhar pelas ruas do gueto era mais como ziguezaguear nas calçadas, para evitar esbarrar em pedestres, com o medo de contrair piolho e tifo, que fazia dezenas de vítimas todos os dias. Quem morria de doença ou de fome era colocado nas calçadas à noite, e bem cedo o serviço funerário carregava os corpos em carroças que eram empurradas até o cemitério da Rua Okopova. Ali, eram empilhados dentro de uma grande cova coletiva, que aumentava a cada dia. Não havia meios de organizar um funeral pessoal. Eu trabalhava como um puxador de riquixá (carroça de duas rodas), uma ocupação que me permitia perambular pelo gueto e ver coisas que eu não acreditava existir.

Antes da guerra, fui um estudante da escola secundária. No gueto, apesar da falta de provisões, continuei a estudar por um ano e meio, para graduar por meio do aprendizado ilegal ; o professor chegava antes do toque de recolher e ficava a noite inteira.

No fim de 1942, 10 dias após o início do extermínio do gueto, e durante uma grande transferência de moradores para o campo de extermínio de Treblinka, fugi do gueto, pressionado por minha família. Eu fui o único que não carregou qualquer tipo de certificado comprovando que era um trabalhador essencial para os alemães. Todos aqueles que carregavam tais certificados também foram deportados para o campo, mas, na época, ninguém sabia disso.

Fora do gueto, eu consegui viver com uma identidade falsa de ariano polonês. Tive sorte por ter sido aceito no submundo polonês de combate aos nazistas, uma organização nacionalista que levou à insurgência polonesa contra os alemães em Varsóvia, em 1944. Ao fim daquele ano, alistei-me no Exército da Polônia, que avançou com os soviéticos, e participei das batalhas contra os alemães, no front, até o fim da guerra. Por minha afiliação com uma entidade anticomunista, tive vários problemas com o novo regime pós-guerra na Polônia ; não era suficiente ser um sobrevivente do Holocausto.

Os nazistas criaram o gueto. Havia um velho quarteirão judeu em Varsóvia, onde os moradores falavam iídiche e usavam roupas pretas chassídicas. Ali, os alemães estabeleceram o gueto, já que era a área mais atrasada e esquecida da cidade. Nós vivíamos em outra área de Varsóvia. Em nosso ambiente, falávamos polonês e frequentávamos escolas polonesas. Para entrar no gueto, tivemos que trocar de apartamento com uma família polonesa. Em um primeiro momento, era algo tolerável ; a mesma carroça trocava a mobília de ambas as famílias. A atmosfera mudou rapidamente: após menos de um ano, tivemos que nos mudar para um quarto alugado. Até fugir do gueto, nós nos movemos duas vezes mais, sempre com menos posses.

Os alemães faziam o melhor que podiam para não entrar no gueto, pois temiam as doenças. Mas eles não precisaram invadi-lo, pois tinham agentes e outros aliados para planejar, executar e exacerbar a vida dos judeus no gueto.

Falar do gueto e do que ocorreu lá é uma virtude. Especialmente, quando ainda há aqueles que clamam que não houve Holocausto, nenhum crematório, nenhuma câmara de gás. Que isso são fantasias ou apenas mentiras. Especialmente agora, o mundo enfrenta a ameaça de um novo Holocausto. O terrorismo global é capaz de adquirir armas de destruição em massa. Nenhuma força no mundo pode resistir a terroristas. É surpreendente e desapontador que essas forças obscuras explorem slogans ;humanistas;, ;progressivos; e ;liberais;. Um grupo terrorista fanático sequestra as vidas de uma população miserável, e cinicamente explora homens e mulheres como um escudo humano para seus assassinatos."


Halina Birenbaum, 83 anos

;Eu estive no Gueto de Varsóvia do começo até quase seu final. Nasci em Varsóvia e ali vivi até que os alemãs nos levaram para o campo de extermínio Majdanek e, depois, para Auschwitz. Passei por tudo isso entre setembro de 1939 e maio de 1945. Quando a guerra começou, eu tinha apenas 10 anos. Vi todos os assassinatos por anos, principalmente em Auschwitz. Estive lá de julho de 1943 a 18 de janeiro de 1945.

O dia mais terrível no Gueto de Varsóvia foi quando os alemãs me levaram, além de minha mãe, meu pai e meu irmão de 20 anos até a Umschlagplatz, a estação onde os judeus eram mandados diariamente para Treblinka e mortos lá. Era noite de início de maio de 1943, chovia e os alemães miraram uma metralhadora para nós e para alguns judeus. Meu pai nos abraçou. Esperamos pela morte. Então, minha mãe disse: ;Todos devemos morrer um dia e morreremos juntos, agora, não tenham medo;. Mas o trem chegou, eram vagões de gado, eles nos empurraram para lá, batendo em nós e gritando. Vi quando bateram em meu pai e o levaram para o vagão, para Treblinka. Conseguimos esconder. Foi a última vez que vi meu pai, Jakub Grynsztejn. Nem mesmo tenho uma foto dele. Ele tinha 47 anos. Minha mãe morreu na cãmara de gás, em Majdanek. Meu irmão e sua mulher foram assassinados em Auschwitz. Hoje, marca o aniversário do início do extermínio de quase 500 mil judeus no Gueto de Varsóvia.

Halina Birenbaum, polonesa, judia, sobrevivente de Auschwitz, visita o campo de extermínio

Os alemães nos pegaram de um bunker, sob uma casa que eles queimaram, e nos levaram para a Umschlagplatz, para o terrível trem da morte. Eu segurei com toda a minha força na mão de minha mãe, para não perdê-la na terrível multidão. Não havia lugar no vagão, cada um de nós empurrávamos e batíamos nos outros. Os alemães batiam em quem estava próximo às portas, então as pessoas caíamop sobre as outras, e os alemãs traziam centenas de pessoas. Não havia ar no vagão, o trem corria por goras, muitos desmaiavam ou morriam. Eu caí sobre elas, outras pessoas caíram sobre mim, eu não podia respirar. Quando consegui me desvencilhar e alcançar a janela, a arma de um alemão tocou minha cabeça. Talvez eu não tenha me visto, pois não atirou. O trem parou em Lublin e eles nos levaram a Majdanek.

Estive nesse campo com minha irmã caçula. Ela disse: ;Agora, você é minha mãe;. Fiquei totalmente devastada depois que percebi que estava sem minha mãe amada. Naquela época, eu tinha que dizer que tinha 17 anos, porque eles levavam crianças à câmara de gás e, na verdade, eu só tinha 13. Após semanas terríveis, eles nos escolheram com outras mulheres para sermos levadas a um campo de trabalho forçado. Em vez disso, vieram à noite e nos conduziram à câmara de gás. Passamos uma noite inteira ali. Um milagre aconteceu: não havia gás naquele dia. Então, nos levaram à estação de trem e nos jogaram nos mesmos vagões, em julho de 1943. A viagem durou 48 horas e não podíamos mudar de posição. O corpo inteiro começava a ficar como agulhas. Estava quente, não havia água, nem comida. Uma mulher na fila próxima a mim se levantou um pouco e os alemães atiraram na sua cabeça. Eu a vi cair sobre os braços da filha de 15 anos. Durante a viagem, não sabíamos para onde estavam nos levando, mas era Auschwitz."

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