Priscila Rocha - Especial para o Correio
postado em 12/08/2017 08:00 / atualizado em 14/10/2020 12:25
Quando o assunto é educação, os pais estão sempre atentos para tomar a melhor decisão. Aqueles que preferem educá-los em casa, no entanto, enfrentam um impasse com o governo que dura mais de 20 anos. Eles se baseiam no Artigo 205 da Constituição Federal, que determina que Estado e família têm o dever de educar. Mas, para garantirem, o direito ao ensino domiciliar sem possibilidade de contestações, é necessária uma alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996. Ao menos sete propostas que tratam do tema tramitam no Congresso Nacional.
O primeiro projeto de lei é de 1994, proposto pelo Deputado João Teixeira (PR/MT), mas foi rejeitado pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. De lá para cá, outros seis foram apresentados, entre 2001 e 2015. As Comissões de Educação e de Cultura da Câmara dos Deputados analisam, em conjunto, os dois mais recentes — PL 3179, de 2012, de Lincoln Portela (PRB/MG), e o PL 3261, de 2015, de Eduardo Bolsonaro (PSC-SP), apensado ao primeiro.
A Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned) estima que mais de 6 mil famílias sejam adeptas à modalidade de ensino no país e que 11 mil pessoas recebam educação em casa. Além disso, o número de famílias interessadas em ensinar os filhos fora das escolas cresceu cerca de 50% no último ano.
A educação domiciliar não é ilegal nem regulamentada, mas os pais que não matriculam os filhos no sistema de ensino público ou no privado podem ser denunciados ao Conselho Tutelar. Segundo a Aned, 18 famílias no país responderam a processos judiciais por não educarem os filhos em escolas físicas. Por isso, a associação solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão dos casos em tramitação nos tribunais. Em novembro de 2016, a Corte acatou o pedido de suspensão, mas ainda não definiu data para uma decisão que crie jurisprudência. “Na prática, significa que nenhuma família pode ser processada enquanto o STF não decide”, garante o diretor jurídico da Aned, Alexandre Magno.
A previsão da Aned é de que, daqui a 25 ou 30 anos, de 1% a 2% dos estudantes estarão incluídos nessa modalidade de ensino. Segundo Magno, o impacto nas escolas será inferior a um aluno por turma. “O problema da educação de massa é determinar que a mesma fórmula pode servir para vários alunos”, argumenta. Ele destaca ainda que não existe um perfil econômico de famílias que aderem à modalidade, existem exemplos em todas as classes sociais. “A grande questão é ter um dos pais com disponibilidade de tempo para educar os filhos”, pondera.
Críticos à proposta argumentam que o convívio social proporcionado na escola é essencial para a formação dos estudantes. A diretora-geral do Centro Educacional Sigma, Juliana Diniz, avalia que a contribuição do ambiente escolar vá além do espaço para aprender conteúdos curriculares, como português ou matemática, porque possibilita o crescimento do indivíduo como um todo e colabora para inseri-lo na sociedade. Além disso, destaca que a aprendizagem se dá por meio da interação com o outro, a partir da cooperação, do respeito e da convivência com a diversidade. “A escola oferece uma oportunidade infinitamente mais rica. Nela, o aluno se depara com conflitos, cresce com o desenvolvimento e a construção de competências socioemocionais”, explica.
Modelo tradicional
Receosas com a falta de regulamentação, as famílias que educam os filhos em casa preferem o anonimato. Marina (nome fictício) tem três filhos, um bebê de 10 meses e duas crianças de 6 e de 10 anos, educadas em casa desde o fim de 2015. O método de ensino veio como uma solução aos problemas pedagógicos. Ela relata que o filho mais velho, à época matriculado no 1º ano do ensino fundamental, sofria bullying e se sentia, na sala de aula, inferior aos colegas. “Ele sempre reclamava que se achava burro, apesar de ter boas notas, porque sempre era o último a terminar de copiar a matéria que a professora passava no quadro. A escola sempre me chamava para reuniões por causa disso”, conta.
Marina procurou, conforme recomendado pela escola, psicopedagogos e neurologistas para investigar se havia algum motivo para o filho ter dificuldades na escola. “Procuramos os melhores profissionais da área. Todos eles eram pagos fora do convênio. Começamos a gastar além do que podíamos com a educação dele, porque ainda pagávamos a escola. Um dia, percebi que ele estava frustrado e eu também, e que ele precisava de ajuda”, lembra.
A mãe conta que o filho não se encaixava no modelo tradicional de educação e, após as idas e vindas aos consultórios médicos e a reuniões escolares, procurou meios de ajudá-lo na alfabetização. Matriculou-se em um curso on-line sobre educação domiciliar e prosseguiu a formação dos dois filhos em casa.
As crianças estudam diariamente, no período da manhã, as matérias programadas de acordo com a série correspondente à que cada uma cursaria em uma escola. À tarde, eles ficam livres para brincar e pesquisar assuntos pelos quais se interessam. Segundo Marina, os meninos desenvolvem mais habilidades, como o autoconhecimento e autodidatismo, e, dessa forma, ela pode colaborar mais com a aprendizagem dos dois. “Consigo saber onde estão as dificuldades deles e só mudamos de assunto depois que vejo que eles compreenderam o que foi estudado. Além disso, podemos aprofundar em matérias do interesse deles, sem estarem presos a prazos e a horários”, explica. “Pude perceber o quanto meu filho mais velho é inteligente. Isso eu não sabia. Acreditava que ele tinha dificuldade para aprender, quando, na verdade, ele precisava de outra forma de ensino. Hoje, ele é outra criança, mais seguro e autoconfiante, e adora encarar novos desafios em matemática.”
Defesa
Luis Claudio Megiorin, presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do Distrito Federal (Aspa-DF), afirma que a entidade defende que os pais matriculem os filhos em escolas, mas que também apoia o direito de promover a educação em casa. “O governo brasileiro e os governos estaduais não têm moral para barrarem a educação domiciliar, porque o país tem um sistema de ensino falido, que não conseguiu estancar a evasão escolar e não alfabetiza as crianças na idade certa. Quando o ensino é ruim, os pais gastam o equivalente a mais uma mensalidade com professores particulares para complementar a educação”, argumenta.
Segundo Megiorin, o ensino em casa não pode ser barrado com o argumento de que a criança não será inserida na sociedade. “Há muitas formas de socialização, como em clubes, agremiações, aulas de balé, judô, igrejas, brinquedotecas, até na vizinhança. Jamais isso pode ser um argumento para não se ter a educação domiciliar. Às vezes, as crianças são mais bem socializadas na própria vizinhança do que na escola. Não vejo nenhuma razão para que a educação domiciliar não seja implementada no Brasil.”