O Brasil gasta por ano cerca de R$ 4,8 bilhões com alunos do ensino médio que repetem o ano ou abandonam a escola. Dinheiro que daria para comprar 735 milhões de livros didáticos ou construir 6,6 mil quadras esportivas cobertas. E chega perto dos R$ 5 bilhões que o governo federal programou para levar 101 mil estudantes ao exterior, até 2015, pelo Programa Ciência sem Fronteiras. O impacto desse gasto que não traz retorno para a melhoria das taxas de escolaridade, segundo especialistas, é só mais um reflexo do quão maltratada está a educação brasileira. As soluções apontadas passam pela melhor formação dos professores e por uma reforma estrutural no currículo do ensino médio.
Confira os índices educacionais por estado
O cenário fica mais nebuloso ao se confrontar esse valor com os últimos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Ambos indicaram o ensino médio como a fase mais delicada do processo escolar. O Ideb mostrou que de 2009 para 2011 não houve evolução nos índices, a nota estacionou em 3,7 em uma escala de 0 a 10. Já a Pnad apontou queda na taxa de jovens com idade entre 15 e 17 anos que frequentam a escola. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram taxa de repetência média de 12,5% e de abandono escolar de 10,3% em 2010.
Diretora executiva do Programa Todos pela Educação, Priscila Cruz acredita que o grande obstáculo para reter o aluno na escola está na própria estrutura do ciclo médio. ;É muito complicado e são muitas matérias. O tempo para cada disciplina é pequeno. Quando o aluno começa a se inteirar, a aula acaba. O aluno que não aprende repete e, depois, acaba evadindo.;
A manicure Vanessa Guimarães, de 18 anos, nem esperou repetir o ano para abandonar o sonho de fazer faculdade de psicologia. Ex-aluna do primeiro ano do ensino médio, ela reflete a dificuldade que os alunos enfrentam para acompanhar o ritmo da escola. Os índices de evasão e de repetência no primeiro ano são os maiores: 12,5% e 17,2%, respectivamente. ;Desisti porque estava puxado demais. Trabalho e tenho que cuidar da casa, não dei conta;, lamenta Vanessa. Com o dinheiro que o país gasta com alunos como Vanessa seria possível custear uma faculdade privada de psicologia para 90,5 mil pessoas.
Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Rubens Barbosa de Camargo acredita que a solução é investir mais, tanto nos professores quanto na infraestrutura. ;O ensino médio tem o menor volume de recursos aplicados. Essa tradição é horrorosa, mas, a rigor, deveríamos esperar que um jovem com pelo menos 11 disciplinas tivesse um custo maior, porque a demanda é grande por recursos como bibliotecas e laboratórios.;
Em 2010, o investimento por aluno do ensino médio ficou em R$ 2.960 ante R$ 3.859 dos anos iniciais do ensino fundamental e R$ 3.905 dos anos finais. O valor só fica acima do gasto com educação infantil, de R$ 2.942.
Para o secretário de Educação Básica do MEC, Cesar Callegari, os alunos abandonam a escola porque consideram o ensino médio pouco significativo, com muitas disciplinas e difícil de acompanhar. ;Também há a gravidez precoce e quem tem que trabalhar. O mercado de trabalho está aquecido, aparecem oportunidades para jovens não qualificados, há os que estudam em local de difícil acesso. São vários fatores;, acrescenta.
Metodologia
O Inep não calcula o valor gasto com evasão e repetência no ensino médio. Levantamento feito pela equipe do Correio chegou a esse resultado com base nos dados de 2010, os mais recentes do instituto. dinheiro investido por aluno naquele ano ; R$ 2.960 ; foi multiplicado pela soma da taxa de estudantes repetentes ou que largaram a escola. número de matrículas é de 2010. Embora a taxa apurada seja relativa a 2009, não há registro de queda significativa desses índices.
Novidades dentro de 15 dias
O Ministério da Educação (MEC) e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) prometem para a segunda quinzena de outubro uma novidade para o ensino médio brasileiro. De acordo com o secretário de Educação Básica do MEC, Cesar Callegari, a pasta e o Consed estão há dois meses elaborando em um plano de ação para enfrentar os entraves dessa etapa da educação. Estamos trabalhando com várias medidas para atacar os problemas da qualidade do ensino médio, que se revelam em taxas de abandono, repetência e indicadores de qualidade do Ideb, diz ele.
Para Inês Kisil Miskalo, coordenadora de Educação Formal do Instituto Ayrton Senna, o ensino médio precisa decidir sua identidade. É preciso garantir que o estudante aprenda o básico até a 8; série, que o ensino se adapte às necessidades do aluno e que ele se conscientize da importância dessa etapa para a projeção da sua vida. Para a educadora, muitos ficam perdidos nessa fase da vida, sem saber se seguem para o ensino superior ou o profissionalizante.
O ajudante de obras Leonardo Gonçalves, 21 anos, é um dos que conseguiram terminar o ciclo médio, mas não avançaram. Ele começou a trabalhar com 16 anos, repetiu o primeiro ano e nem pensou em entrar na faculdade. Ainda não penso em voltar para a sala de aula, diz resignado.
Outra mudança em estudo é a universalização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Essa ideia, aliada à lei de cotas sociais e raciais, segundo Callegari, provocará reflexos na própria readequação dos currículos. A lei de cotas rapidamente vai revitalizar o ensino médio e qualificá-lo. Vamos assistir, nos próximos anos, por conta dessas medidas, uma diminuição drásticas das taxas de evasão porque as pessoas não vão desistir, vão continuar porque sabem que continuar o ensino médio é uma possibilidade incrível de frequentar uma universidade pública de boa qualidade. E vão considerar o Enem como um farol do que devem aprender, aposta.