postado em 21/01/2018 08:00
Como já diz o ditado: é de pequeno que se torce o pepino. Uma criança que receber lições sobre como lidar com o mundo capitalista, consumo, dinheiro e orçamentos terá mais facilidade de se tornar um adulto capaz de controlar seus gastos e administrar com eficiência sua independência financeira. O Banco Central (BC) participou da elaboração de um documento que, com a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), tornará a educação financeira obrigatória e deverá ser abordada como um tema transversal, principalmente em Matemática e Ciências da Natureza para crianças do ensino fundamental.
A Base Nacional estabelece as áreas de conhecimento obrigatórias, mas são os estados e municípios que decidem como os temas entrarão na grade. Para Ronaldo Vieira da Silva, Marcos Brandão e Bárbara Blanco, do departamento de promoção da cidadania financeira do BC, a expectativa é de que o tema seja implantando o quanto antes Brasil afora. ;É um tema que vai ser transmitido no contexto de cada uma das áreas de conhecimento. A gente vai lidar com uma referência mais ampla, na qual entra consumo sustentável, sustentabilidade, gestão de recursos econômicos e muitos outros;, diz Bárbara.
;Na língua portuguesa, por exemplo, vai ter leitura e interpretação de boletos, faturas e carnês. Conhecer os documentos da sua vida financeira é extremamente importante para o cidadão. A área que abordará de maneira mais tradicional será matemática, com juros, financiamento;, destaca Marcos. Ronaldo observa que termos da economia em geral, como taxa de juros, investimento, impostos, também serão introduzidos. ;São palavras sobre a economia que muitas pessoas não conhecem e nem sabem o que significa. O objetivo é que o jovem, quando inicie sua vida financeira, já esteja familiarizado com algumas coisas básicas;, afirma. Os representantes do BC lembraram que primeiramente o processo precisa ser adequado ao cotidiano das crianças e que o desenvolvimento do material didático, o treinamento de professores e introdução da disciplina pode levar alguns anos.
O presidente da União Nacional de dirigentes Municipais de Educação, Alessio Costa Lima, afirma que o tema já era trabalhado por muitas escolas e municípios. ;Era abordado por materiais transversais, com cartilhas de orientação voltadas para a temática desse mundo como juros, compras, como poupar, o consumo mais consciente, o uso do dinheiro. Trata-se de uma medida, um avanço que tornará isso algo permanente, mais bem estruturado e planejado;, diz.
Na visão dele, o ano letivo de 2018 servirá para uma discussão de como implementar na base do regime de educação. ;Até o fim do ano, esperamos que a maioria dos currículos estejam devidamente atualizados, prontos para serem encaminhados e aprovados e, a partir de 2019, de fato, chegarão à sala de aula;, comenta.
A escritora e jornalista Paula Andrade, autora do livro infantil O barato da dona baratinha, decidiu escrever um livro sobre educação financeira direcionado para o público infantil, adotado em 60 escolas do país, após um momento de reflexão de como seria mais fácil aprender quando criança a controlar os hábitos de consumo e suas ações quanto ao dinheiro. ;Escrevi muitas dicas sobre como sair de alguma enrascada financeira e me peguei pensando que as pessoas se enrolam por não terem o hábito de se educar financeiramente. A melhor idade para isso seria quando pequeno, porque acaba virando parte de quem a pessoa se torna;, explica.
Desejo
No livro, a autora trabalha noções do consumo, o que é comprar e a diferença entre necessidade e desejo. ;A educação começa esclarecendo o ato de consumir e suas consequências. Menciono ainda o outro lado do consumo, que é o de produzir lixo, consumir recursos naturais;, observa. Ela, que já tenta educar financeiramente o filho de três anos, explica que as crianças também precisam aprender sobre planejamento de vida, ter uma meta e como alcançá-la. ;O sonho de ter um patins ou uma bicicleta, é legal mostrar que ela pode chegar lá de pouquinho em pouquinho. Quando ela ficar adulta, aplicará essa ideia em metas maiores;, argumenta.
A enfermeira Anna Christina Bezerra, 41, é mãe da Maria Luiza, 10, e conta que, desde muito cedo, procura atribuir valor a algumas coisas dentro de casa. ;Ensinar o que é caro e barato, o que podemos comprar ou não, o que é essencial ou supérfluo;, diz. Há dois anos, Maria Luiza recebe uma mesada, a qual gerencia com a ajuda dos pais, para gastar ;como quiser;. ;A gente tenta mostrar as possibilidades como ela pode gastar, mas ela que resolve. Às vezes ela pede algum brinquedo específico, mais caro, e eu falo que não vou comprar e ela decide que vai usar a mesada e é para isso que serve, dessa forma eu acho que ela vai aprendendo;, conta.
Para a escritora Paula, as etapas teóricas, logo cedo na infância, são essenciais antes de apresentar o dinheiro material para a criança. ;Se você ensinar os conceitos antes, quando chegar à fase de mexer realmente com o dinheiro, ela fará um uso melhor. Não é algo fácil, não é um trabalho que se faz uma ou duas vezes, é para o resto da vida;, completa.
Linguagem
O universo dos pequenos é diferente e mais simples do que o dos adultos e, por isso, é importante utilizar uma linguagem própria ao levar a educação financeira para o dia a dia deles. O educador financeiro Rogério Olegário sugere, por exemplo, uma adaptação da mesada para um período menor, já que um mês, para algumas idades, pode significar muito tempo. ;Uma opção é a semanada. Uma semana para eles já é tempo o bastante. Mas não é só dar o dinheiro. É preciso um acompanhamento, ensinar as finalidades, as importâncias;, recomenda.
Olegário indica que os pais ensinem os filhos a separarem em categorias como: gastar hoje, que inclui consumos do dia a dia; gastar amanhã, que aborda compras planejadas e um pouco mais caras; o não gastar, que se trata de guardar e economizar; e o doar, que apresenta o conceito de caridade para a criança. ;Assim ela pode ajudar alguém e até aprender a diferença que o dinheiro pode ter;, esclarece.
Gabriela Vale, planejadora financeira, compara a educação financeira infantil com o hábito dentário brasileiro. ;No Brasil, a criança nem sequer tem dente e o pai já está escovando e ensinando que precisa daquela higiene. Já com o dinheiro é diferente: não há conversa com as crianças sobre dinheiro e muito menos ensinamentos;, diz. Ela observa que, para cada família, os valores são diferentes, assim como as economias e hábitos com dinheiro.
Para que serve o dinheiro
O objetivo de inserir a educação financeira na grade curricular das escolas é mostrar para as crianças para que serve o dinheiro, de onde vem, o que acontece se guardar. ;Mostrar o caminho do dinheiro ajuda a estabelecer limites e a faz as crianças enxergarem que é finito. Tem que ensinar a função do dinheiro e deixar claro que gastar tem consequências;, defende a planejadora financeira Gabriela Vale. ;Para se tornar financeiramente independente, a pessoa precisa saber quando vale a pena gastar e quando é preciso guardar para conseguir lidar com as ações;, acrescenta.A servidora pública Arlene Costa Nascimento, 42, começou a tratar a questão financeira quando sua filha Cecília, 8, se interessou, aos 6, em montar uma barraquinha para vender bolos, cupcakes, pulseiras e outros produtos feitos por ela mesma. ;Na primeira vez, veio alguém de fora e comprou dela e ela usou o dinheiro para comprar uma bateria. A partir daí, ela pediu para fazer isso mais vezes e iniciamos com o projeto Feirinha - Suco de limão, no qual as crianças podem vender coisas que produziram durante as férias;, conta. Arlene mostra para os filhos, Cecília, Emanuel, 4, e Nina, 3, que o dinheiro não nasce do nada, exige esforço e promove realizações.
Pesquisa
A psicóloga Angélica Rodrigues Santos defende que o processo deva ser feito de forma gradativa, de acordo com a idade e a medida que avança na educação tradicional da escola. ;A educação financeira vai muito além do dinheiro. É importante tirar a ideia negativa. A moeda é um instrumento de troca, tudo depende do que se faz com ela, da atitude, da missão com a ferramenta;, afirma. Ela destaca que as crianças aprendem por meio da observação e que trabalhar esses conceitos tanto na escola como em casa, com auxílio dos pais, é essencial.
A fisioterapeuta Priscila Valadares Queiroz, 37, mãe do Caio, 7, e do Rafael, 5, diz que os meninos gostam de uma determinada bala e, quando pedem para comprá-la, ela os leva para pesquisar preços em diversas lojas. ;Explico que, se vamos comprar, temos que ter noção de quanto custa para saber qual o melhor local para comprar;, comenta. Neste início de ano, Priscila está inserindo a cultura da pesquisa de preços ao levar os filhos para comprar o material escolar. Assim, podem escolher o que querem após analisar o valor e a qualidade. ;Ensino que as coisas mudam de valor de acordo com as marcas, qualidade, quantidade e que temos que avaliar o que vale a pena comprar. Tento fazer eles entenderem o que é o consumo e como funciona. Quero que cresçam conscientes, pessoas melhores;, observa.
* Estagiária sob supervisão de Simone Kafruni