A cada cálculo oficial ou projeção de mercado, o rombo nas contas públicas só aumenta. Ontem, o secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive, admitiu que o buraco pode superar a marca de R$ 110 bilhões em 2015. Logo depois, o relator do projeto de lei que altera a meta fiscal deste ano (PLN n; 5), deputado Hugo Leal (Pros-RJ), anunciou que vai incluir no texto a cifra de R$ 117,9 bilhões. Independentemente das estimativas, o fato é que a situação das finanças públicas é desesperadora, como mostram os números negativos recordes divulgados ontem pelo Banco Central (BC).
Em documento encaminhado ao Congresso, o governo revisou a meta de 2015 para um deficit primário (despesas maiores do que a receita, sem contar juros da dívida) de R$ 51,8 bilhões. O secretário do Tesouro, porém, observou que o rombo chegará a R$ 110 bilhões caso não ocorra o leilão das hidrelétricas, previsto para novembro, e o governo tenha que pagar, em 2015, as pedaladas fiscais (dívidas da União com bancos públicos) do ano passado. Saintive calculou as pedaladas em R$ 50 bilhões. Já a licitação das usinas prevê a arrecadação de R$ 11 bilhões em bônus de outorga. Porém, a data de realização do leilão foi adiada pela terceira vez, e ele corre o risco de não sair ainda este ano.
Na avaliação do ex-diretor do BC Carlos Eduardo de Freitas, presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon/DF), contabilizar os pagamentos das pedaladas é um erro. ;Mesmo se pagar este ano, o governo vai estar trocando uma dívida flutuante, de curto prazo, com Caixa, Banco do Brasil e BNDES, por outra, com títulos públicos;, afirmou. O pior, para ele, é não poder confiar nas estatísticas oficiais. ;É uma cena de pedalada explícita. O que o governo está fazendo é subestimar o deficit de 2014 e superestimar o de 2015;, sentenciou Freitas.
Recordes
Se as estimativas são catastróficas, os números oficiais já conhecidos não deixam por menos. De acordo com o BC, em setembro, o setor público consolidado (União, governos regionais e empresas estatais) registrou deficit primário de R$ 7,3 bilhões. No acumulado do ano, o saldo negativo é de R$ 8,4 bilhões. Em 12 meses, já alcança R$ 25,7 bilhões, o equivalente a 0,45% do Produto Interno Bruto (PIB).
Conforme o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel, o resultado de setembro foi melhor que o de agosto porque os governos regionais apresentaram desempenho melhor. ;Estados e municípios foram beneficiados pelo impacto do aumento da gasolina e da energia elétrica na arrecadação de ICMS;, assinalou. Eles tiveram superavit de R$ 415 milhões, ante deficits de R$ 6,8 bilhões do governo federal e de R$ 894 milhões das estatais.
Como o governo não consegue economizar para reduzir a dívida, a conta de juros nominais continua crescendo. Em setembro, ela chegou a R$ 70 bilhões, o pior resultado desde o início da série do BC, em 2001. Em agosto, o custo havia sido de R$ 49,7 bilhões. De acordo com Maciel, o acréscimo de mais de R$ 20 bilhões é resultado das perdas nas operações de swap cambial, equivalentes à venda de dólares no mercado futuro, que atingiram R$ 38,6 bilhões em setembro, ante R$ 17,2 no mês anterior.
;As perdas com operações de swap por causa do câmbio são atenuadas, porém, pela valorização das reservas internacionais. Para cada R$ 1 perdido com swap há ganho de R$ 3 nas reservas, e o efeito líquido é favorável;, ponderou o técnico do BC. Em 12 meses, a fatura dos juros atingiu R$ 510,5 bilhões, o equivalente a 8,89% do PIB, a maior taxa desde novembro de 2003.
Rebaixamento
Com isso, o deficit nominal (que inclui os gastos com juros) alcançou o maior índice em relação ao PIB da história, de 9,34%, no acumulado dos 12 meses até setembro, num total de R$ 536,2 bilhões. ;A taxa e o valor são os mais elevados desde que o BC iniciou a série histórica em 2001;, afirmou Maciel. Ele explicou que, apesar do rombo significativo, a dívida pública líquida caiu de 33,7% do PIB em agosto para 33,2% em setembro. Isso ocorreu por conta da valorização das reservas, que são descontadas do endividamento total. A estimativa é que a líquida avance para 34,1% do PIB em outubro.
A dívida bruta, no entanto, em cujo cálculo não entram as reservas, aumentou de 65,5% em agosto para 66% do PIB em setembro. ;A expectativa para outubro é subir mais 0,5 ponto percentual, para 66,5%;, disse Maciel. Isso significa R$ 3,8 trilhões em dívida para um PIB de R$ 5,740 trilhões. O mercado, contudo, já calcula que o índice deve passar de 70% em 2015, comprometendo a classificação de risco do país, que pode ser rebaixado por agências internacionais e perder o selo de bom pagador.
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