Economia

Oficinas e comércios são os que mais provocam acidentes de trabalho

postado em 06/11/2011 08:00

No último dia do mês de maio deste ano, numa casa muito humilde em Santo Antônio do Descoberto (GO), o despertador tocou mais uma vez às 4h30. João Alves da Cruz Júnior, 38 anos, acordou, arrumou-se silenciosamente e foi correndo para o ponto de ônibus. Às 7h30, estava na obra de um prédio em Águas Claras. Tomou o café da manhã oferecido pela construtora com os companheiros de trabalho e foi para o batente. Estava animado naquele dia. Não via a hora de receber o salário de R$ 600 para fazer as compras do supermercado para a mulher, Maria Sileide, 35, e os quatro filhos ; Patrick e Pablo, gêmeos de 8 anos, Pablício, 5, e Priscila, 2 ; que deixou em casa ainda dormindo.

[SAIBAMAIS]Antes que o sol caísse naquele dia e ele enchesse a despensa, João Cruz, pernambucano de Salgueiro, estaria morto. Ele despencou às 11h16 do quarto andar de uma obra em Águas Claras da construtora A enquanto montava um andaime. Morreu na hora. Depois de 10 anos juntos, Maria Sileide se viu sozinha com as quatro crianças na casa onde moram de favor. Não trabalhava, por vontade do marido, para cuidar do lar e dos filhos. O salário de João era a única renda da família.

Agora, ela está à espera da pensão do INSS para encher as caixas e se mudar para Anápolis, onde moram duas irmãs. Por enquanto, tem recebido R$ 600 da construtora e uma cesta básica. ;Já avisaram que vão suspender quando sair a pensão;, conta. Na carteira, o salário do operário era de R$ 605 brutos. ;Mas ele recebia R$ 300 por fora;, diz ela.

Em Anápolis, Maria Sileide tentará educar os meninos com a ajuda das irmãs. Enquanto espera ansiosa o benefício do INSS, pois teme ficar sem dinheiro a qualquer momento, ela anda preocupada com Pablício, que se tornou agressivo. ;Está teimoso e respondão. Não quer ir para aula;, relata, chateada. Os gêmeos ficaram mais calados desde então. O momento mais difícil, conta, tem sido quando o relógio bate 19h. Meia hora depois era certo que o pai entraria em casa. ;O difícil é acreditar. Sempre fica a esperança de que ele vai abrir a porta e que tudo o que passou foi apenas um pesadelo;, deseja. Mas a realidade reservou a Maria o destino de criar os quatro filhos pequenos sem o pai por perto.

Levantando paredes
Locomotiva do atual crescimento econômico, a construção civil é a atividade que mais mata trabalhadores. Em 2009, últimos dados disponíveis, 395 operários morreram levantando paredes. Na contramão dos indicadores de acidentes no país, que apontam redução, na construção, as ocorrências crescem a cada ano. Em 2007, foram 36,5 mil casos registrados pela Previdência em todo o país. Em 2008, saltaram para 52,8 mil e, em 2010, já tinham alcançado 54,6 mil. A explicação da indústria para o aumento dos acidentes é a maior quantidade de obras no país.

Apesar dos números negativos da construção civil, desde 2009, a indústria em geral deixou o posto de campeã de acidentes no país. Impulsionado pelo crescimento econômico, e responsável pela maior parte das vagas geradas nos últimos anos, o setor de serviços assumiu a liderança entre os trabalhadores que mais se acidentam, com 340.681 ocorrências em 2009 e 331.895 em 2010. A indústria registrou 321.171 e 307.620 casos, respectivamente.

Os estabelecimentos de revendas de carros e oficinas mecânicas são os responsáveis pelo maior número de acidentes na área de serviços ; um total de 95,5 mil no ano passado. Em seguida, vêm as atividades de armazenagem e transporte de mercadorias, com 51.934 ocorrências, que também são a segunda colocada em número de mortes.

Irregularidades

Zilda Valentino dos Santos, 37 anos, não acreditou na notícia que passava na tevê de sua casa, em Planaltina de Goiás. Seu companheiro de quase 20 anos, Lourival Leite de Moraes, 46, estava entre as três vítimas do soterramento ocorrido na obra do Hospital Universitário da Universidade de Brasília (UnB) em 20 de julho deste ano. Quatro meses antes, o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil havia denunciado à Delegacia Regional do Trabalho irregularidades nos andaimes e falta de material de segurança.

Da noite para o dia, a vida de Zilda e dos filhos, Vinícius, 13, e Iara, 8, desestruturou-se. Ela trabalha como auxiliar de serviços gerais num hospital na Asa Sul, noite sim, noite não. Iara fica com uns parentes. Mas não tem lugar para o menino. O jeito foi pagar um vizinho para dormir na casa com Vinícius. Essa situação não agrada a mãe. Por ora, é o que pode fazer. Antes, ela saía tranquila para o trabalho, pois o marido ficava com as crianças. Agora, convive com a ausência dele e a preocupação com os filhos.

Lourival não está mais presente, mas tudo na casa tem o seu dedo. Acostumado com obras, era ele quem fazia os reparos. Zilda não faz mais coisas simples sem ele, como as compras de alimentos do mês, uma festa para a família. Ela passou a adquirir tudo picado, quando precisa. A vida para os Moraes perdeu a graça.

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