Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 11/02/2017 07:30
Importante patrimônio cultural da história do teatro brasileiro, a Faculdade de Artes Dulcina de Moraes representa o legado da atriz que transferiu seu sonho e sua obra para a capital. Tida como uma das primeiras faculdades de artes reconhecidas no país, a instituição foi criada pela Fundação Brasileira de Teatro (FBT) em 1955 e transferida para a capital na década de 1970, com projeto de Oscar Niemeyer. Desde então, o espaço foi palco e escola para inúmeros artistas, pensadores e importantes grupos de diferentes lugares, que conferiram ao ponto de arte e reflexão, localizado no coração do DF, o título de bem cultural indispensável.
A fundação enfrenta problemas financeiros e administrativos por anos e, em 2013, sofreu intervenção do Ministério Público. Atualmente as dívidas chegam a R$ 13 milhões. Para evitar o pior, a comunidade acadêmica busca expandir cursos e atrair mais alunos. A ideia é dobrar o número atual de estudantes para que seja possível pagar as dívidas e cobrir a manutenção dos cursos. Se, no passado, a faculdade contava com 2 mil estudantes, atualmente cerca de 200 alunos frequentam suas salas de aula.
A falta de remuneração de professores, o baixo investimento em conservação dos acervos históricos de Dulcina e a ausência de manutenção no teatro Dulcina (tombado como patrimônio cultural do DF em 2008) prejudicaram o projeto pedagógico. Frente a essa situação foi criado, em 2016, o movimento Dulcina Vive, que envolve alunos, professores, artistas e produtores, com o objetivo de expandir o ciclo de cultura da instituição, além de mostrar à sociedade brasiliense a importância desse espaço para a formação cultural da cidade. Julie Wetzel, ex-aluna da faculdade e integrante da frente de batalha do movimento, afirma que a fundação se encontra atualmente reerguida, no entanto, é assombrada por seu passado de dívidas.
Mudanças atuais
Na última semana a instituição foi palco de mudanças de grande impacto em sua gestão. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) afastou os administradores provisórios da FBT, Marco Antônio Schmitt Hannes e Luiz Francisco de Sousa. A advogada Vanessa Daniella Pimenta Ribeiro, delatora na Operação Acrônimo (que apura um suposto esquema de lavagem de dinheiro para campanhas eleitorais), da Polícia Federal, foi nomeada como administradora responsável pela Fundação, além do Teatro e Faculdade Dulcina.
Para Julie Wetzel, umas das fundadoras do movimento Dulcina Vive, a mudança pode ser prejudicial. Professores, alunos e coletivos culturais receiam que o ato possa desestabilizar os projetos de recuperação em andamento. Desde julho de 2013, um grupo de professores e ex-alunos, com administradores designados pelo próprio MPDFT, luta para manter as portas abertas.
;Estamos há três anos e meio fazendo esse resgate da fundação. O movimento foi muito importante para aumentar nossa visibilidade. A nova interventora veio aqui e deixamos claro para ela o nosso histórico. Nós demoramos a estabelecer a relação de confiança e parceria que existe hoje com os administradores que saíram;, afirma Wetzel.
Em resposta, Vanessa Danielle Ribeiro, a nova administradora nomeada, afirma que procurará estabelecer suas funções da forma mais adequada possível, promovendo o chamamento público para os interessados em formar o conselho de curadores. Esse conselho escolherá o presidente e o vice da FTB que, por sua vez, indicarão o secretário-executivo da Dulcina, responsável por administrar o espaço. A grande preocupação dos alunos e professores é com a possibilidade de se vender toda a área do Dulcina, avaliada em torno de R$ 40 milhões, por apenas R$ 13 milhões, que é o valor da dívida da instituição. A nomeação do conselho curador está prevista para abril, depois do edital de chamamento público.
;Fui indicada pelo órgão responsável pelo velamento da fundação e nomeada por uma decisão judicial. Estou ali para fazer as atribuições das funções nas quais fui imbuída. Estou tentando este diálogo com a comunidade acadêmica para entender a real situação da instituição;, afirma Vanessa. Além disso, a administradora garante que não responde por nenhuma ação penal. ;Ao contrário, colaborei com as investigações da Operação Acrônimo dentro do que era do meu conhecimento;.
Enquanto isso, um dos administradores afastados, Marco Antônio Schmitt, reclama da forma como foi retirado do processo. ;Nós não tivemos direito de defesa nessa destituição e em relação às acusações feitas. Temos uma defesa pronta para ser entregue, com documentos que já estavam no processo. O processo agora está nas mãos da defensoria e espero que ela reconheça o erro cometido e, se não reconhecer, nós vamos exigir nosso direito de defesa para o juiz. É o meu direito de me defender que não foi respeitado. O erro é que ele (o MP) nos acusa de não cumprir determinados pedidos, nos retira do cargo e não nos dá o direito de defesa;, afirma Schmitt.
Importância
Em meio à crise, a prefeita do Conic, Flávia Portella, reitera que não interfere no processo e que continua sendo parceira da FBT. ;Sempre procuramos auxiliar quando fomos chamados. A gente entende que a Dulcina é uma dos âncoras desse setor e que a cultura tem que ser tratada com cuidado e importância redobrada;, afirma.
Durante um ato realizado no Conic na última quarta-feira, estudantes e artistas protestavam e cobravam o retorno da administração destituída. Professores e alunos defendem que o progresso dos últimos três anos é visível e que os antigos administradores sempre se mostraram parceiros da instituição. Os alunos pediram ainda a participação direta da comunidade na eleição do novo conselho curador. Eles temem que os escolhidos pelo Ministério Público não tenham nenhuma representatividade junto a comunidade acadêmica.
[SAIBAMAIS]Para o professor e ex-aluno da faculdade Tullio Guimarães, o mais importante agora é garantir a manutenção da fundação e do prédio localizado no Conic. ;Tem muitos interesses ligados à especulação imobiliária, é um dos metros quadrados mais caros do país e precisa ser preservado. No passado, uma das gestões fraudulentas estava quase a ponto de vender o prédio. A gente não quer isso, extinguir uma coisa tão importante para Brasília e Brasil;, afirma o educador. Artistas e coletivos defendem o espaço e se preocupam com os novos rumos da instituição. Em jogo está um patrimônio imobiliário de quase R$ 40 milhões, localizado em uma área nobre e movimentada de Brasília.
Entenda
O que é a FBT e o espaço Dulcina
Após 17 anos de funcionamento em solo carioca, a FBT, uma das mais antigas fundações da área artística, chegou a Brasília nos anos 1970 e teve seu projeto para a criação de uma faculdade de artes aprovado em 1982. Foram então iniciados trabalhos da Faculdade Dulcina de Moraes, que atualmente conta com cursos de artes plásticas, artes cênicas e música. O espaço cultural de 5 mil metros quadrados fica em uma área privilegiada de Brasília, no Setor de Diversões Sul, o Conic, localizado no movimentado centro da capital. Fundação Brasileira de Teatro é mantenedora tanto da faculdade quanto do Teatro Dulcina. O teatro foi inaugurado em 21 de abril de 1980, com projeto do arquiteto Oscar Niemeyer; possui 400 lugares, palco italiano, 8 camarins, cabine de som e luz.
A intervenção e as campanhas de revitalização
Um dos primeiros movimentos estudantis aconteceu na década de 1980, quando os alunos criaram um movimento de resistência e ocupação para afastar um dos gestores acusado de promover os primeiros desfalques no local. Atualmente, o movimento Dulcina Vive atua para revitalizar o teatro e seus arredores, reforçando a vocação cultural do espaço.
Nova administração
A nova administradora-judicial nomeada, Vanessa Daniela, foi escolhida em um banco de currículos da instituição, em que os interessados podem se cadastrar e ser indicados. Vanessa trabalhava como secretária de um dos nomes apontados na Operação Acrônimo, que apura um suposto esquema de lavagem de dinheiro para campanhas eleitorais, no entanto, afirma que não foi indiciada. Entre suas funções está a nomeação de um novo conselho curador para a instituição e uma varredura dos problemas atuais.
;É um polo de cultura! Um dos poucos polos acessíveis para a sociedade. Noventa por cento das peças são gratuitas. Para se ter uma ideia, 3 mil pessoas assistiram às peças da última Mostra Dulcina;
Fernando Guimarães, dramaturgo
;Manter a faculdade e o teatro Dulcina é um ato de resistência extremamente vital para a cultura de Brasília;
Rosanna Viegas, atriz
;Ela se estabeleceu, desde a origem, como espaço-tempo de múltiplas contaminações de linguagens, de estéticas, de diferentes tribos, religiões, de distintos universos sociais;
Adriana Lodi, atriz