Existem inúmeros exemplos de reações da indústria do entretenimento a pautas feministas. Por exemplo, esse ano, das 25 músicas mais tocadas nas rádios no ano passado, seis tiveram participação ou são de mulheres. Pode parecer pouco, mas é um crescimento expressivo se comparado a 2015, quando só uma faixa cumpriu o mesmo papel. Acredita que isso tenha relação com o debate sobre a participação da mulher no meio musical?
Se o critério é aquilo que toca em rádio, nós temos uma questão: isso depende da indústria fonográfica pagando, entra no circuito quem paga mais. Então é difícil avaliar se o aumento quer dizer que as mulheres estão tendo maior reconhecimento pelo seu trabalho ou por outra razão essas músicas foram consideradas rentáveis.
A Disney também lançou há pouco o filme Moana, que conta a história de uma heroína guerreira - e sem príncipe. Qual a importância desse tipo de ação para as novas gerações?
É importante que venha de uma gigante como a Disney outra narrativa para aquilo que as meninas podem aspirar como futuro, para o que podem imaginar como destinos possíveis. Elas não dependem de príncipes para terem uma história, podem ser heroínas guerreiras e felizes. Mas existe sempre uma ambiguidade em esperar que a mudança desses padrões venha da indústria de entretenimento, porque o que move esse mercado são as estratégias para atrair certo público consumidor. Um paralelo interessante é com a princesa latina criada pela Disney em 2015, Elena: ela sequer foi para o cinema, foi criada apenas para a televisão, para chegar a um público latino de classes baixas nos Estados Unidos. Não é dessa indústria que virão imediatamente as mudanças de representações sobre quem as mulheres são e podem ser.
Na sua opinião, em que se concentrará a força feminista nesse ano de 2017?
As pautas são amplas, diversificadas, mas eu pontuaria duas questões urgentes: nós apresentamos no final do ano os dados da nova Pesquisa Nacional do Aborto, a qual mostrou que meio milhão de mulheres abortou no Brasil em 2015. Esse é um dado alarmante, e que torna irrefutável a pauta do aborto como uma questão de saúde pública e justiça às mulheres. Junto com o aborto temos a questão permanente da violência contra as mulheres, que os feminicídios do início do ano não nos deixam esquecer. É urgente.
Li em um artigo você afirmar que será o ano feminista no Brasil. Por quê?
2016 foi um ano de muitos golpes às mulheres, a começar pelo impeachment da presidenta, a extinção da Secretaria de Políticas para Mulheres e nossa ausência na escalação aos ministérios do então novo governo, para citar apenas alguns. Foi um ano de retrocessos e por isso mesmo reagiremos à altura: quanto maior a opressão conservadora, maior será nossa resistência em 2017.
Outro exemplo foi a chamada da Rede Globo em que a Globeleza aparece vestida, explorando as festividades do Carnaval em vez do corpo da modelo. O que a Rede Globo mudar de padrão, em sua opinião?
A Rede Globo está respondendo a um mercado de enormes críticas. O debate sobre a representação das mulheres, e especialmente das mulheres negras em meios de mídia, alcançou a emissora, mas provavelmente porque nesse momento colocar uma mulher nua em sua propaganda se tornou um risco para seu comércio, mais do que por uma reavaliação sobre o que é politicamente justo para as mulheres.
Há também quem critique esse investimento do setor em pautas feministas como uma forma de ganhar marketing, uma saída mercadológica que poderia ser passageira. Como vê esse posicionamento cético de algumas pessoas?
Sim, a indústria se movimenta tentando responder como conseguem construir o melhor produto. Há giros importantes: são representações que se diversificam, estereótipos violentos revistos, mas há também limites. Nesse sentido, fazer essa análise não é ser cético, mas entender que todas essas lutas por igualdade das mulheres estão inseridas em uma lógica de mercado, que infelizmente as conforma.
Debora, apesar de tantos avanços, o começo do ano foi marcado por alguns casos de feminicídio, como a Chacina de Campinas. Esse novo olhar da indústria cultural ainda não chegou ao ;homem comum;?
É isso, infelizmente as mudanças mais profundas de que precisamos não virão daí. O caminho é lento, exige resistência constante. Mais do que pequenos giros da indústria cultural, é preciso que o Estado assuma a desigualdade de gênero como uma violência inadmissível e leve a sério as políticas públicas necessárias para combatê-la.