Ricardo Daehn
postado em 29/10/2016 07:45
Levando em conta que cada momento histórico tem características particulares, a escritora Anita Leocadia Prestes é precavida o suficiente para não tecer comparações quando o tema cerca a atual crise política nacional. Nascida em privilegiado ninho político ; filha de Luiz Carlos Prestes e de Olga Benario ;, Anita registra muitas certezas na obra Luiz Carlos Prestes ; Um comunista brasileiro, com lançamento às 11h de hoje, no Auditório Manoel de Barros do Estádio Nacional Mané Garrincha, com sessão de autógrafos prevista para depois de um debate no local. O evento integra a III Bienal Brasil do Livro e da Leitura.
Pesquisas em atas de reuniões do Partido Comunista, manuscritos em correspondências pessoais, dados de autocrítica e os bastidores da relação do pai com o partidão, levaram a autora, presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes e professora do programa de pós-graduação em História Comparada da UFRJ, a certezas, numa conjuntura que a coloca em evidência ainda mais ressaltada, dada a indicação ao Prêmio Jabuti.
Assistente privilegiada do pai, com mais de 30 anos aplicados numa carreira e proximidade invejáveis, Anita Leocadia, aos 79 anos, refuta qualquer descrença paterna no Brasil, mesmo com legados duros para o revolucionário destratado tanto a ponto da abraçar a clandestinidade. ;Prestes possuía o otimismo da vontade, considerando que nosso povo encontraria o seu caminho da emancipação social e nacional;, pontua a escritora, ao Correio.
Preservar a história dos pais, por meio do instituto mencionado, leva a doutora em história social ao reforço da militância de ex-exilada que se especializou em economia e filosofia na antiga União Soviética. ;No site do instituto, abordamos temas atuais do ponto de vista das posições marxistas;, explica. Longe do esfacelamento do bem comum proposto na sociedade absorta em consumo e individualidade, Anita Leocadia não pestaneja, ao defender visões pessoais. ;As ideias comunistas têm uma base científica revelada por Karl Marx em sua obra, principalmente em seu livro O capital. Portanto, continuam válidas e devem ser divulgadas e aplicadas de maneira criativa e não como dogmas;, observa.
Entrevista // Anita Leocadia Prestes
Luiz Carlos Prestes teve imperfeições? Qual foi o maior pecado estratégico, no campo político?
Quando convencido do fracasso de uma determinada posição política, Prestes jamais vacilou em rever os erros políticos cometidos por ele e pelo PCB, partido do qual foi secretário-geral durante quase 40 anos. A partir dos anos 1970, Prestes passou a considerar que os principais erros cometidos pela direção do PCB foram de caráter estratégico, ou seja, a orientação política, que se mostrou errônea, de postular que no Brasil seria necessária uma revolução nacional libertadora como primeira etapa para a realização da revolução socialista.
O audiovisual se enamorou das reproduções das figuras dos seus pais. Quando a senhora assiste às produções, o que percebe de mais fantasioso e em que qualidade as obras se aproximaram da realidade?
Penso que, entre os filmes existentes sobre meus pais, o melhor ainda é o filme Olga, pois manteve algum compromisso com a verdade. O que não se deu, por exemplo, com o filme O Velho, que não passa de uma falsificação da história ao denegrir a imagem dos meus pais e dos comunistas.
Getúlio Vargas, sob algum prisma na ação do governo, é digno de alguma ínfima admiração?
Não penso que Getúlio Vargas mereça admiração dos trabalhadores, dos explorados e dos oprimidos. Creio que é necessário analisar sua atuação política dentro do contexto da época. Ele representou os interesses de determinados setores das classes dominantes do Brasil no período em que viveu.
Ao criar o livro, uma segura fonte de referência para qualquer brasileiro, qual o maior desafio?
Como digo na apresentação da obra, não tive a pretensão de produzir a biografia definitiva de Luiz Carlos Prestes, porque na história e na historiografia não existe nada definitivo. Novos documentos podem surgir e transformar a interpretação dos fatos. Também não há a pretensão de revelar a grande e única verdade sobre o célebre Cavaleiro da Esperança. Como toda biografia, é um recorte da vida do biografado.