Agência France-Presse
postado em 17/05/2014 17:24
Cannes - A irrupção do lado selvagem do ser humano na vida cotidiana, contada com humor tipicamente argentino em seis episódios por Damián Szifrón e protagonizada num deles por Ricardo Darín, entrou neste sábado (17/5) na competição pela Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Relatos salvajes, terceiro longa-metragem do diretor de O fundo do mar e Tempo de valentes, arrancou risos e aplausos na exibição à imprensa nesta sexta-feira e terá sua estreia de gala neste sábado no Grande Teatro Lumi;re.
O filme abre o jogo com uma delirante situação a bordo de um avião onde, por alguma estranha razão, todos se conhecem.
A partir dali, o espectador é levado para um vertiginoso passeio numa montanha-russa emocional, episódio a episódio, ainda que com resultados desiguais, sobretudo no capítulo final - o menos eficaz.
[SAIBAMAIS]Desde um sangrento encontro numa rodovia deserta até um casamento maluco em Buenos Aires, passando por um engenheiro - vivido por Darín - que perde a compostura com a implacável burocracia portenha. O decorrer imprevisível dos acontecimentos fez cair no riso a plateia de jornalistas internacionais credenciadas no Festival, onde a maior parte de filmes em competição tem temáticas sombrias.
O filme combina o trágico e o cômico num delicioso coquetel politicamente incorreto, em que os personagens são levados além dos limites onde normalmente ficam mantidos na vida em sociedade.
"Esta sociedade e este sistema, o mundo ocidental capitalista, distorcem muito a natureza do homem", explicou Szifrón em Cannes. "Há uma enorme quantidade de pessoas, os pobres, que são nascidos e criados para produzir (...) e outra grande parcela de pessoas que são criadas para consumir, que são igualmente vítimas deste sistema (...) e que vive tensa e estressada".
Ao lado de Darín atuam Julieta Zylberberg, Leonardo Sbaraglia, Darío Grandinetti, Erica Rivas, Oscar Martínez, Rita Cortese, Osmar Núñez, Nacy Duplaa, Germán De Silva e María Marull.
O filme tem música de Gustavo Santaolalla e foi co-produzido por Agustín Almodóvar, para quem a seleção em Cannes "ajuda a gerar interesse para a distribuição" mundial. A Sony anunciou que comprou os direitos de distribuição nos Estados Unidos e na Nova Zelândia.
Alcance universal
Segundo Szifrón, o filme não pretende pintar uma realidade particular da sociedade argentina, já que tem alcance universal. "Eu não limitaria o que o filme reflete à Argentina". A julgar pelos aplausos arrancados em Cannes, o filme passa o recado.
O diretor também destacou o efeito de catarse que o filme provoca. "Não é que eu acredite que o mundo está a ponto de explodir, nem nada do tipo", garante.
Szifrón, de 38 anos, que alterna as atividades de direção com a produção de roteiros e a literatura, disse ter muita fé de que o ser humano "possa evoluir até zonas desconhecidas".
"Nós somos muito involuídos com respeito a nosso potencial". E esta seria a mensagem que, segundo ele, "Relatos Salvajes" pretende passar, mesmo que por efeito de contraste. "Estamos destinados a viver muito melhor do que vivemos hoje".
O filme é a bandeirada do cinema argentino no Festival, onde entrou pela porta da frente do exclusivo clube dos 18 filmes que competem pela Palma de Ouro. A disputa conta com pesos-pesados do cinema mundial, de David Cronenberg a Mike Leigh, passando por Ken Loach e Jean-Luc Godard.
Mas a presença argentina na festa mundial da sétima arte, que ano após ano aposta num cinema de qualidade, não se limita a "Relatos Salvajes".
Em seleções paralelas, estreiam neste final de semana os filmes Jauja de Lisandro Alonso, com Viggo Mortensen, Refugiado de Diego Lerman e "El ardor" de Pablo Fendrik, protagonizado pelo mexicano Gael García Bernal.
Um dos filhos prediletos do Festival, o diretor argentino Pablo Trapero, Leonera (2008) e Carancho (2010), preside o júri da mostra Un Certain Regard.
A Argentina vem produzindo uma média de 150 filmes por ano desde 2010 e ostenta uma das populações mais altas de cineastas da América Latina e do mundo. Há cerca de 14.000 estudantes de cinema em todo o país, dos quais saem com o título universitário ou técnico entre 1.500 a 2.000 a cada ano.