Diversão e Arte

De livros religiosos a Harry Potter, conheça o perfil dos presos-leitores

A ligação é forte: enquanto a cadeia é mote e cenário de diversos clássicos da literatura, os livros ajudam presos a transformarem-se. O Correio traz alguns exemplos

postado em 03/08/2013 10:10
A falta de liberdade e as perspectivas de como lidar com ela quando enfim chegar é uma das questões que mobilizam as reflexões de quem está em cárcere. Quando se viu preso, aos 21 anos, na Penitenciária do Distrito Federal 1 (Papuda), a agressividade de João da Silva* era o principal impedimento para o bom relacionamento com os companheiros. No entanto, ao ter acesso a livros, as transformações começaram a acontecer, sobretudo no que diz respeito ao significado de estar livre. ;Às vezes, a liberdade é um conceito relativo. Quando se está lá fora, você pode sentir-se preso ao vício e ao crime. Aqui, com a leitura, eu tive mais sensação de liberdade;, disse o detento à mestre em Teoria Literária e Literatura pela Universidade de Brasília (UnB) Maria Luzineide Rodrigues, que o incentivou a ler. A leitura pode mudar o significado do mundo de quem o vê por trás das grades e instigar internos a produzir literatura, já que as memórias e vivências no confinamento podem construir cenários de narrativas consistentes, como fez Graciliano Ramos, em Memórias do Cárcere; Fiodor Dostoiévski, em Recordações da Casa dos Mortos; e, mais recentemente, Luiz Alberto Mendes, em três relatos dos 30 anos em que esteve preso: Às Cegas e Memórias de um Sobrevivente e Cela Forte.

A professora Maria Luzineide Ribeiro é autora de uma pesquisa que mostra como é o mundo no Complexo Penitenciário do Distrito Federal, a partir da leitura. ;Fiz um levantamento da formação desse leitor, do comportamento dele no cárcere, de que maneira a leitura era realizada, como era o acesso e quais eram os livros mais lidos;, explica. Na Papuda, a professora observou que os livros de autoajuda e com temática religiosa ; como Ágape, do Padre Marcelo Rossi ; eram os mais lidos, no primeiro contato dos presos com a leitura na cadeia. Depois, a literatura internacional, especialmente obras de sagas fantásticas, como Senhor dos Anéis e Harry Potter, acabam sendo os mais procurados.

No início da detenção, o maior impedimento para a leitura é o processo de adaptação, segundo a pesquisadora. ;Quando eu perguntava para o preso porque que ele não lia, a resposta era a dificuldade de adaptação. Tinha o fator psicológico de estar na prisão. Depois, quando eles começam a ler, explicam que a leitura é uma forma de manter-se distante daquela realidade, de estar em contato com o mundo e também uma maneira de ficar distante dos problemas. Uma espécie de fuga, mas acho, ainda, que é uma tentativa de afastar-se daquele mundo de marginalidade.;

>> Três perguntas para Luiz Alberto Mendes:


O que costumava ler? Tem um autor favorito? Há influências de leituras que fez na sua maneira de escrever?


Costumava ler de tudo. depois que comecei a me apaixonar pela leitura. Meu autor brasileiro favorito sempre foi Érico Veríssimo, embora goste de pensar que sou discípulo do mestre Graciliano Ramos em termos de escrita. Tento usar a palavra para dizer e não para enfeitar.

Quanto tempo por dia passava escrevendo ou lendo enquanto esteve preso?

A maior parte do meu tempo na prisão passei primeiro lendo e depois, ao fim, escrevendo. Gosto muito de biografias e particularmente de escritores e não encontrei nenhum grande escritor que não fosse, primeiro, um grande leitor.

Qual foi a sensação quando teve o primeiro livro publicado? A publicação veio enquanto esteve preso?

Sim, eu estava preso quando saiu Memórias de um Sobrevivente. A primeira sensação foi de que eu havia conseguido. De haver chegado a um objetivo depois de anos de batalha. Depois me senti desabafando, sabendo que quem lesse haveria de, se não me absolver, mas compreender. Eu precisava mostrar que também haviam sido rudes as margens que me levaram a rolar calha abaixo. Outra coisa que eu sabia é que as pessoas iriam gostar como estava escrito porque a paixão com que fora escrito impregnava cada uma de suas palavras.



>> Livros mais lidos em penitenciárias do Brasil:


Papuda: Ágape, de Padre Marcelo Rossi

Catanduvas: Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski

Porto Velho:
A menina que roubava livros, de Marcus Suzak

Mossoró: O menino do pijama listrado, de John Boyne

Campo Grande:
O futuro da humanidade, de Augusto Cury


>> Livro mais lido no presídio de Guantánamo: Cinquenta tons de cinza, de E. L James.





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