Antony Gormley, 62 anos, desenvolveu, ao longo das últimas duas décadas, uma curiosa obsessão pelo próprio corpo. Com as genitálias cobertas com filme plástico, o artista britânico engessa o corpo para construir os moldes de suas esculturas. Costuma passar entre uma e duas horas imobilizado pelo gesso. Magro e alto, Gormley gera corpos à sua própria semelhança para deles tirar discursos moldados para se encaixar em diversas reflexões relacionadas ao ser humano. São, frequentemente, propostas que combinam as ideias de existência com espaço e tempo e se encaixam em cenários monumentais, por isso Gormley está bem satisfeito de desembarcar em Brasília para montar a exposição Corpos presentes ; Still being, em cartaz a partir do próximo dia 23, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Além das esculturas penduradas no teto da galeria e espalhadas pelo local, o artista vai plantar seus corpos na Esplanada dos Ministérios na tentativa de estabelecer um diálogo produtivo com a cidade.
Interferir na paisagem é parte fundamental do trabalho de Gormley, mas foi na galeria que seu nome despontou quando, em 1994, ganhou o Turner Prize, espécie de Oscar das artes plásticas, com a obra Field for the British Isles. A obra: milhares de pequenas esculturas de corpos em cerâmica e tamanho reduzido. Quatro anos depois, o artista se tornou o nome mais famoso da cena artística britânica ao plantar um de seus corpos ; uma escultura de 20 metros de altura com asas de 54 metros ; em uma cidade no interior da Inglaterra. Anjo do Norte causou impacto no mundo da arte.
Confira a entrevista com Antony Gormley
O artista britânico Antony Gormley, 62 anos, faz do próprio corpo o molde para esculturas que cria na intenção de refletir sobre a presença humana no mundo. O artista faz moldes de gesso do próprio corpo para poder fundir as peças em aço. Gormley vai expor em Brasília a partir de 23 de outubro.
Como se sente quando está dentro do molde de gesso? Como isso é importante no processo de criação e como isso está ligado à claustrofobia que o atormentava na infância?
A razão pela qual uso meu corpo é simplesmente porque tenho que ficar parado dentro de um material e me parece desnecessário usar outro corpo se já tenho o meu. Assim posso sentir como é ao invés de ficar só com uma visão superficial e aparente do que significa ficar dentro do material. Estou interessado em explorar o que é o espaço humano no espaço. E só posso fazer isso na posição de estar embalado. Tento fazer com que as pessoas entendam o que é o espaço que experimentamos quando fechamos nossos olhos: experimentamos, de certa forma, o infinito e a desmaterialização. Exercitamos isso quando temos que, de certa forma, escapar do mundo da aparência. Para mim, é o momento de escapar da dominância da forma objeto e da aparência. Ser moldado é uma maneira de ir voluntariamente para um espaço de inação. E é disso que meu trabalho é feito. Sofri muito de claustrofobia quando era criança e tive que superar. Costumava ir para minha cama, no escuro, e empurrar meus pés no topo da cama e ficar lá lutando contra a náusea e contra a ideia de estar imprensado no escuro. Por isso comecei a ficar cada vez mais interessado no espaço psicológico do infinito acessível apenas quando se abstrai o corpo completamente. E espero que Four times reflita isso.
Para quem você cria?
Não faço para ninguém. Faço porque não posso ajudar. Fico sempre muito feliz de ouvir a experiência das pessoas sobre o trabalho. Eu realmente trabalho para o trabalho. O trabalho é o que faz o trabalho e eu trabalho de maneira a fazer o trabalho . Isso significa que todo trabalho é uma crítica de outro já feito e, felizmente, o último é sempre, de alguma forma, uma reencarnação. Gosto de pensar que eu faço meu trabalho. Mas não, meu trabalho é que me faz. O trabalho é uma amante muito difícil: ela não me deixa dormir, não me deixa parar, é uma mulher muito dura.
Na sua opinião, qual o papel da arte num mundo de crises, guerras e fim das utopias?
Eu gosto de pensar que arte é uma chamada de consciência. Que arte é um reconhecimento de que o nosso valor não vem de sermos consumidores idiotas de objetos de desejo. Que cada um de nós tem uma contribuição única a dar e que cada um de nós está fazendo o futuro da humanidade. Toda ação tem uma implicação. E arte é um exemplo, felizmente, de um trabalho que não está ligado à insistência capitalista de modificar as coisas, mas tem a ver com o fato de sermos humanos. A questão de o que é um ser humano ainda é uma questão aberta e é a mesma questão do que é um trabalho de arte e do que ele pode fazer.
Exposição de Antony Gormley. Abertura 23 de outubro, às 20h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Visitação até 6 de janeiro, das 9h às 21h.