Diversão e Arte

A Bolha Editora privilegia propostas artísticas pouco convencionais

postado em 22/11/2011 08:37

Insatisfeita com o que considera mesmice, falta de ousadia do mercado editorial brasileiro, Rachel Gontijo Araújo resolveu publicar os livros de que gosta. Para a empreitada, não poderia ter escolhido nome mais apropriado. A Bolha Editora começou a atuar neste ano e, nos primeiros títulos, deixou clara a proposta.

Vá para o diabo, do argentino Federico Lamas, por exemplo, apenas parece um caderninho do tipo moleskine repleto de ilustrações. Mas, vistos com o auxílio de um visor que acompanha a publicação (chamado de visão infernal), os desenhos revelam segredos (escabrosos e divertidos). Mostram o que, a olho nu, o leitor não consegue perceber.

A celebração, do moçambicano Rui Tenereiro, Powr mastrs vol.1, de Christopher ;CF; Forgues, e 0-800-Ratos, de Matthew Thurber, ambos americanos, são histórias em quadrinhos com artes e tramas pouco convencionais. Seu corpo figurado, de Douglas A. Martin (com tradução do escritor gaúcho Daniel Galera), é o primeiro lançamento da coleção Just a Bubble (dedicada à prosa) e apresenta uma análise dos trabalhos dos pintores Balthus e Francis Bacon e do poeta Hart Crane. Até o fim do mês, mais dois livros da coleção serão lançados (em coedição com a editora Autêntica).

Rachel conta que, por enquanto, o retorno que A Bolha recebe chega mais na forma de reconhecimento pela iniciativa do que em número de vendas. Ainda assim, a receita gerada pelos livros tem lhe dado condições de pagar algumas das contas da editora e acreditar em seu futuro. A Bolha, afirma a editora, é um projeto de vida.

Antes de começar A Bolha, essa brasiliense de 33 anos estava nos Estados Unidos, terminando um mestrado no Instituto de Arte de Chicago e dando aulas na Universidade de Columbia. ;Escrevendo e passando frio;, ela lembra sobre esses anos que foram fundamentais para sua formação e para a decisão de montar a editora. Antes disso, na Universidade de Brasília, ela fez mestrado em filosofia (curso que estudou na França) e, na cidade, trabalhou como editora assistente na Unesco. De volta ao Brasil, Rachel escolheu o Rio de Janeiro para morar. Lá, montou a sede de A Bolha, no terraço do prédio onde funcionava a fábrica de chocolates Bhering. É onde vendeu os livros de sua editora e diversas outras publicações nacionais e importadas, todas de artistas com afinidades com a proposta da Bolha.

Linguagem como corpo
A Bolha, nas palavras de Rachel, busca trabalhos de investigações estéticas quase marginais, malcomportadas. A escolha deles, ela diz, é estritamente pessoal. ;Não existe curadoria que não seja pessoal, e se existe, não me interessa. Gosto do trabalho e publico. Pode até parecer ingênuo, mas não acredito em nenhum outro tipo de escolha editorial. Acho que esse negócio do gostar nas artes tem menos porquês do que geralmente se imagina. É visceral. Tem que ser, se não, qual a graça?;, explicita Rachel. ;Gosto de artistas e de escritores que arriscam a própria linguagem como corpo. Acredito muito no que a Hilda Hilst dizia, que ;a carne é que sente;. Gosto de artistas que não têm medo da própria carne;. E por falar em Hilst, em 2012, A Bolha publicará nos Estados Unidos (em parceria com a Nightboat Books, de Nova York), A obscena senhora D, célebre romance de escritora paulistana. ;O segundo título de Hilda, Cartas de um sedutor, está sendo traduzido e só deve ser lançado em 2013. E Fluxo-floema, em 2014;, adianta Rachel.


Duas perguntas - Rachel Gontijo

Como Brasília te influenciou no gosto pelas artes?
Nasci em Belo Horizonte, mas sou brasiliense. Demorei muito tempo para me sentir confortável suficiente na minha relação com Brasília para poder afirmar isso. Não tem como um lugar onde se vive tanto tempo não influenciar de alguma forma. Mas, para ser sincera, acho que Brasília me influenciou pelas próprias limitações ; da cidade e das minhas limitações em relação à cidade. Aqui se vive numa espécie de estética da imposição e/ou imposição estética. E são justamente esses movimentos de imposição que não me interessam nas artes, e que tento combater diariamente, tanto no meu trabalho de editora como na minha própria escrita.

Como tem sido o contato com as editoras estrangeiras? E o que é mais difícil nessas negociações?
Meu contato é quase que só diretamente com autores. Eles apostam em mim e eu neles. Foi assim em todos os casos. O que faz todo processo ser muito mais prazeroso. Mas difícil e desinteressante é a negociação com agentes. É um diálogo baseado em números, seco. Então tento evitar.

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