Um tipo misterioso ronda as ruas de São Luís. Corpulento, 1,80m de altura, ele chama a atenção de homens e mulheres nas noites da capital maranhense. Muitos recorrem a seus serviços de acompanhante para esquecer da solidão. Mas o que ninguém percebe é que ele é um; cachorro-quente! A constatação bizarra é apenas uma das situações absurdas de O Monstro Souza; Romance festifud, novo livro do escritor Bruno Azevêdo. O autor, que esteve em Brasília em 2009 para lançar sua primeira obra literária, Breganejo blues, volta à cidade hoje para apresentar ao brasiliense seu mais recente trabalho (feito com o desenhista Gabriel Girnos). O lançamento será às 16h, na Kingdom Comics (Conic).
O Monstro Souza surgiu nos encontros de um grupo de fanzineiros do qual Bruno fazia parte nos anos 1990. ;Tínhamos vários projetos e ideias naquela época. Uma delas era fazer um filme trash, tosco mesmo, de terror, com sangue, tripas e gostosas com peito de fora. Comecei a esboçar um roteiro e tomei como base a craca de cachorro-quente onde comíamos depois das reuniões. Deu nisso;, resume o autor.
O nome que batiza a criatura vem do apelido pelo qual é conhecido um dos mais tradicionais hot dogs de São Luís, o cachorro-quente do Souza (;Souza, me vê um souza no capricho;). Numa noite de chuva, um souza abandonado na sarjeta é atingido por um raio.
A descarga elétrica dá vida ao sanduíche, que começa a vagar pela cidade. A partir de então, ele divide seu tempo entre o trabalho como garoto de programa e a busca por mais uma vítima. No livro, o monstro é apenas um da galeria de personagens e situações estranhas.
Assim como em Breganejo blues, Bruno Azevêdo mistura no novo livro prosa com outras narrativas. O namoro com as histórias em quadrinhos do anterior está mais presente em O Monstro Souza. O título conta com ilustrações e pequenas HQs de diversos autores, além de fichas de jogos de RPG, anúncios e recortes de jornal com notícias bizarras.
No blog www.romancefestifud.blogspot.com, é possível conferir uma série de pin ups inspiradas no livro.
Gírias
Bruno assume mais do que uma linguagem pop. No livro, ele abusa de gírias locais e brinca com a língua portuguesa criando novas grafias e apropriações (rotidóg, por exemplo). ;A verdade é que escrevo muito mal e minha forma de lidar com isso foi me apropriar das palavras de outra maneira. Algumas grafias canônicas simplesmente não me fazem sentido algum e eu não me importo em desrespeitá-las;, diverte-se o escritor.
Como toda obra de inspiração trash, O Monstro Souza não é para todos os paladares. Mas quem enfrentar essa aberração de pão, salsicha e condimentos vai encontrar um livro divertido, bem- humorado e sem frescura.
Jam
O lançamento de O Monstro Souza será num evento em conjunto com o projeto Jam, idealizado por Gualberto Costa e Daniela Baptista (que também produzem o HQmix). Como o nome sugere, é uma jam session ; que durará 12 horas. Mas no lugar de músicos, desenhistas de histórias em quadrinhos produzem uma página cada um para uma trama iniciada por outros ilustradores nas cidades visitadas anteriormente pelo projeto. Além disso, a Kingdom Comics receberá a banda Valdez para um pocket show às 16h.
Confira íntegra da entrevista com Bruno Azevêdo
Conte um pouco dos bastidores do livro. Quando surgiu a ideia do personagem?
O Monstro Souza surgiu em meio a um grupo de zineiros com quem eu me reunia e produzia no final dos anos 1990. Tínhamos vários projetos e ideais naquela época. Uma delas era fazer um filme trash, tosco mesmo, de terror, com sangue, tripas e gostosas com peito de fora. Comecei a esboçar um roteiro e tomei como base a craca de cachorroquente onde comíamos depois das reuniões. Deu nisso.
No release, você comenta que o monstro poderia até passar despercebido por São Luís e que o personagem é um pretexto para falar da loucura da cidade. Afinal, o que a capital maranhense tem de tão bizarro?
Os recortes de jornal mostram bem algumas das bizarrias de São Luís. O livro serve de desabafo sobre a cidade, que é cercada de títulos de nobreza (Atenas Brasileira, por exemplo) e na prática é um inóspito cenário de bang bang. A bizarria mostrada em O Monstro Souza está exatamente nestes absurdos que a gente já naturalizou como conviver com uma das maiores taxas de analfabetismo do país e ostentar o título de melhor português do Brasil.
E essa história de brincar com a grafia das palavras? Já foi atacado por literatos por conta disso?
A verdade é que escrevo muito mal e minha forma de lidar com isso foi de me apropriar das palavras de outra maneira. Algumas grafias canônicas simplesmente não me fazem sentido algum e eu não me importo em desrespeitá-las. Publiquei o livro logo após mais um empobrecimento da língua (o português do Lula, como chamo) então minha reverência aos formalismos ficaram menores ainda. Algumas pessoas encrencam com isso sim. Se não fosse a minha mulher, ideia ainda estaria com acento no livro.
O livro tem a participação de vários desenhistas. Trabalhar com uma equipe grande é complicado? A presença de qual dos convidados te deixa mais orgulhoso?
Putz! Cada um ali tem um motivo, né? Talvez quem hoje tenha um simbolismo maior seja o Joacy Jamys, que morreu sem ver o livro publicado. Acho que este foi o último trabalho em quadrinhos dele (Joacy teve um AVC em 2006). O Monstro levou 10 anos pra ser publicado, então a sensação de equipe nem é tão forte. Foi mais eu e o Gabriel pensando em formatos e pessoas para esta ou aquela colaboração. O último foi o Marcatti, que desenhou a capa, e eu fique pensando ;sou importante, o Marcati sabe que eu existo;.
A ideia para o blog do projeto é continuar recebendo e publicando pin ups? São os desenhistas que se animam e mandam os desenhos ou você tem convidado o pessoal?
Continuarei com o blog sim. A maioria do pessoas foi convidada, mas o site é aberto a qualquer desenhista (bom) que queira participar.
Como tem sido a recepção para o livro? E já que tocamos no assunto, como você avalia a recepção recebida pelo Breganejo blues?
O Breganejo teve uma recepção bem maior do que eu esperava! Muitos bons comentários e uma proposta de reedição para 2011. O Monstro Souza, por incrível que pareça, tem sido ainda mais bem recebido. Mais impressionante ainda: as pessoas riem!
O lançamento do livro em Brasília será feito juntamente com uma edição local da Jam. Você também vai participar do projeto?
Eu e o Gabriel participamos da Jam (desenhando uma página) no ano passado, mas estaremos lá durante o evento sim, acompanhando os artistas desta edição. É um projeto importantíssimo!
O universo pelo qual transitam os seus livros tem elementos de várias culturas, em especial dos quadrinhos. Em um momento em que o Brasil está transbordando de bons desenhistas mas carente de bons roteiristas, você já pensou em trabalhar escrevendo histórias em quadrinhos?
Eu me via anos atrás como um roteirista de quadrinhos, mas como não desenho e não tenho grana pra pagar desenhistas, enveredei por um campo onde eu importuno menos e produzo mais. Publico histórias na revista mineira Graffiti 75% quadrinhos, mas adoraria poder fazer mais gibis. Estou trabalhando em dois livros longos pro ano que vem, com dois desenhistas diferentes.
Algum plano para um livro novo?
Há estes dois livros, o Poço (que é a história de uma fazenda de gado, nos anos 1930), um outro gibi chamado Baratão 66 (sobre uma casa de depilação/prostíbulo) e um livro sobre viagem no tempo chamado Corrida de saco.