Os elefantes ganharam a fama, mas, no reino animal, quem tem uma memória extraordinária são os chimpanzés e os orangotangos. Segundo um artigo publicado na revista Current Biology, os mais próximos primos do homem não apenas reconhecem fisionomias e locais: eles se recordam de eventos, mesmo aqueles ocorridos pelo menos três anos antes. A pesquisa, conduzida por cientistas da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, e do Instituto Max Planck, na Alemanha, responde a uma questão há tempos discutida entre primatólogos, biólogos e neurocientistas: se o armazenamento de fatos a longo prazo é uma característica unicamente humana.
Definitivamente não, diz Gema Martin-Ordas, principal autora do artigo e pesquisadora do Centro de Estudos da Memória Autobiográfica da Universidade de Aarhus. Ela esclarece que existem vários tipos de memórias, e que todos os animais, mesmo os pequenos insetos, são capazes de armazenar experiências sensoriais e espaciais. Ainda no fim do século 19, o fisiologista russo Ivan Pavlov mostrou que ratos de laboratório condicionam o comportamento ao levar choques, um sinal de que eles têm gravada no cérebro a sensação desagradável e tentam evitá-la. Contudo, a memória à qual Martin-Ordas se referiu na pesquisa dinamarquesa e alemã ultrapassa esse mecanismo básico. Trata-se da memória autobiográfica, uma verdadeira viagem ao tempo, quando o que se evocam não são sensações, mas lembranças.
A cientista comportamental conta que desejava testar se outros primatas além do homem tinham experiências como a descrita pelo escritor Marcel Proust em sua obra-prima, Em busca do tempo perdido. Nos sete volumes, o livro francês é construído sobre a memória do narrador. ;Ele descreve, por exemplo, como o gosto peculiar de uma petit madeleine molhada no chá de limão traz à mente, de forma espontânea, a memória de infância de visitar sua tia Leonie pelas manhãs e, nessas ocasiões, ofereciam a ele petit madeleine com chá de limão. O principal objetivo de um de nossos experimentos foi investigar se, como no exemplo de Proust, a memória de eventos remotos completos pode, em chimpanzés e orangotangos, ser desencadeada por algumas pistas;, diz.