Luciane Evans
postado em 21/12/2011 10:54
Tão rápidas quanto a transmissão da leishmaniose, considerada uma das piores epidemias mundiais dos tempos atuais, são as campanhas de socorro que se espalham pela internet na tentativa de sensibilizar governantes brasileiros a encontrar o fim para esse mal. Depoimentos de famílias que perderam parentes e cães para a doença ;pipocam; na rede. Não é à toa. De um canto a outro do país, o mal provoca barulho, tendo contaminado quase 30 mil brasileiros somente em 2009. Se, então, é tão ameaçador e antigo no mundo, por que até hoje uma vacina não foi desenvolvida? Na verdade, ela já foi criada, e está sendo usada no interior de Minas Gerais, onde 16 mil pessoas receberam a imunização e ficaram protegidas. ;Mas pergunto: existe interesse farmacêutico por doença de pobre?;, provoca Wilsom Mayrink, médico e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que há 40 anos se empenha na busca pela cura da leishmaniose e é responsável pelo projeto, desenvolvido no Departamento de Parasitologia da universidade.Na penúltima reportagem da série sobre doenças negligenciadas, a estrela é a leishmaniose ; que já invadiu o meio urbano, fez vítimas de diferentes classes sociais e ainda enfrenta preconceitos, como lamenta Mayrink. Ele e sua equipe estão atrás da cura desde a década de 1970. É para o tipo de leishmaniose tegumentar e cutânea, que acomete a pele e as mucosas do contaminado, que eles inventaram a vacina. Somente em 2009, a doença atingiu 21 mil brasileiros e, em Minas Gerais, onde ela é mais comum, foram 1.021 infectados, segundo dados do Ministério da Saúde.
A pesquisa coordenada pelo médico foi baseada em estudos do pesquisador paulista Sales Gomes realizados em 1939. Em 2001, depois de 30 anos de trabalho, a imunização foi liberada pelo governo federal para uso terapêutico. Na época, a injeção apresentava resultados positivos, mas mesmo assim não foi aprovada para o uso de efeitos de resistência à doença. Em 2002, a equipe a aplicou em 16 mil pessoas em Caratinga, no Vale do Rio Doce. ;Até este ano, nenhum deles pegou a doença;, revela Wilsom, destacando alguns ocorridos que comprovam a eficácia da dose. ;Teve um senhor que nos procurou e disse que estava doente, e estranhava, pois ninguém da sua família estava. Aí, ele lembrou que sua esposa e filhos tinham se vacinado, e ele não; , conta, animado.
Além de uso humano, os pesquisadores também desenvolveram um antígeno para uso canino. ;A Fundação Ezequiel Dias (Funed) sinalizou interesse em fabricar em larga produção, mas, enquanto isso não ocorre, continuamos a aplicá-la em Caratinga. Temos resultados altamente satisfatórios, mas a indústria farmacêutica não quer investir;, lamenta o pesquisador, garantindo que isso não impede os cientistas de continuarem o trabalho. ;Acreditamos no que criamos e temos bons resultados para isso.;
Para o tipo visceral da leishmaniose, que acomete as vísceras, como o fígado e o baço, e é considerada a forma mais grave, tendo contaminado 3 mil brasileiros em 2009, também há avanços. Foi comprovada em agosto a eficácia de 96,4% da vacina canina Leish Tec, criada por pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e produzida pelo laboratório Hertape Calier Saúde Animal SA. Os mesmos cientistas encaram agora outro desafio: o de criar a vacina para os humanos, que, se aprovada, deve chegar ao mercado em cinco anos, estima-se.
A vacina recombinante foi produzida pela Hertape Calier, por meio de acordo de transferência de tecnologia. Em 2008, ela chegou ao mercado. Aprovada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a imunização desde então é indicada por veterinários para cães ; cujos donos chegam a pagar R$ 100 por cada uma das três doses necessárias na primeira vez que o animal é vacinado. Depois, é dada uma dose anualmente.
Como preconizado pelo ministério, a empresa responsável pela Leish Tec fez a análise da eficácia das doses em campo, na cidade de Porteirinha, no norte de Minas Gerais. Metade da população inicial de 1,2 mil cães saudáveis recebeu a vacina. ;Depois de dois anos, 96,41% dos animais imunizados não apresentaram a doença. Isso é o primeiro passo para a proteção entrar no calendário nacional;, aposta o veterinário e gerente de marketing da empresa, Luciano Resende.
De acordo com ele, além da eficácia da dose foi avaliada a possibilidade de transmissão da doença. ;O cão, ao entrar em contato com o protozoário, se vacinado, reduz em 50% sua capacidade de transmitir a doença para o ser humano.;
Os pesquisadores mineiros querem agora dar um passo maior. Segundo conta um dos responsáveis pela vacina, Ricardo Gazinelli, coordenador-geral do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacinas (INCT), professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB/UFMG) e pesquisador do Centro de Pesquisas René Rachou da Fiocruz Minas, já foram dados os primeiros passos para desenvolver a mesma vacina em humanos. A fase é de escolha do adjuvante imunológico.
;Estamos testando em camundongos os vários tipos existentes. Vai demorar. Não é rápido, pois está em teste a capacidade de induzir a resposta imunológica do ser humano. Quando criamos a vacina, há 10 anos, usamos um adjuvante aprovado para o uso em animais, e não em pessoas;, diz, reconhecendo que não será preciso outra década para encontrar a fórmula certa. A expectativa é de que a novidade esteja pronta em cinco anos. ;Para o financiamento da proposta, haverá a parceria com uma grande indústria farmacêutica, com quem já estão em andamento os últimos acertos;, revela.
Diagnóstico
Enquanto Minas Gerais se mexe para encontrar a vacina certa contra a leishmaniose, em São Paulo pesquisadores se debruçam para encontrar um meio menos invasivo para diagnosticar a doença. Segundo explica a pesquisadora do Laboratório de Parasitologia do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP) Lúcia Maria Almeida Braz, hoje, para saber se a pessoa está ou não doente, é feita uma pulsão da medula. ;É uma forma muito invasiva, a pessoa que se submete fica com dor, precisa ser internada;, diz.
A intenção da USP é mostrar, segundo ela, que é possível fazer o teste usando amostra de sangue. ;Estamos na fase dos experimentos e a expectativa é de que em 2012 já tenhamos uma resposta em mãos;, aposta, explicando que o atual teste leva o que é recolhido de medula óssea na lâmina para ser analisado em microscópio. ;O mesmo pode ser feito com o sangue, pois a sensibilidade é igual. É o que queremos provar;, destaca Lúcia, revelando que serão coletados 3ml de sangue de 40 pacientes. ;Em meados de março, teremos o resultado disso;, promete.