Paloma Oliveto
postado em 30/06/2011 07:55
Donos de animais de estimação costumam jurar que entendem o que seus bichinhos querem dizer. De fato, pesquisadores do Instituto Max Planck, na Alemanha, fizeram experimentos com cachorros e provaram que eles conseguem compreender algumas palavras e são capazes de expressar, pelo tipo de latido, sensações como medo, fome ou vontade de descer. E para por aí sua riqueza vernácula. Isso, no caso dos cães. Porque uma nova pesquisa publicada na revista especializada Nature Neuroscience mostra que, como os humanos, os pássaros têm noções gramaticais.As aves podem não conjugar verbos no pretérito mais que perfeito do indicativo ou saber a diferença entre grafemas básicos sem diacríticos e vogais com acento agudo ou circunflexo, mas, no seu canto, obedecem regras de sintaxe. Ou seja, para que o ;piu-piu-piu-piu; faça sentido, os sons precisam seguir uma ordem que torne o canto compreensível. Não basta abrir o bico e simplesmente deixar a música sair.
;Uma das características únicas da comunicação humana pela linguagem é o processo gramatical, as regras hieráquicas que ordenam elementos como as palavras;, diz ao Correio Dai Watanabe, professor do departamento de ciências biológicas da Universidade de Kyoto, no Japão. Segundo ele, as vocalizações dos pássaros e o discurso humano compartilham muitas características. As músicas das aves canoras consistem em sucessões de sílabas, separadas por um intervalo silencioso. Algumas espécies, como os pássaros manon (Lonchura striata var. domestica), conseguem executar canções complexas do ponto de vista semântico. ;As sequências de sílabas em seu canto são variáveis, mas eles as pronunciam de forma não aleatória, indicando que os pássaros canoros têm níveis de organização sintática como os observados na linguagem humana;, completa Watanabe.
;Apesar de muitos animais como cachorros, papagaios e macacos serem conhecidos por interpretar e construir ;frases;, além de reconhecer palavras humanas para objetos, apenas o pássaro manon exibe uma forma gramatical em seu discurso. Esses animais têm uma habilidade natural de processar as estruturas sintáticas em seus cantos;, diz ao Correio Kentaro Abe, também pesquisador da Universidade de Kioto e coautor do artigo. Ele conta que um estudo anterior mostrou que a espécie estorninho-comum (Sturnus vulgaris) pode ser treinada para discriminar sequências auditivas com a estrutura AnBn (por exemplo: AB, AABB, AAABBB) daquelas (AB)n (como AB, ABAB, ABABAB), em que cada letra significa uma vocalização. As estruturas têm um fonema diferente e o pássaro sabe diferenciá-los. ;Esses resultados desafiaram a visão tradicional de que processar uma sequência é uma habilidade única dos humanos.;
Abe e Watanabe descobriram que o pássaro manon faz essa distinção porque cumpre algumas regras de sintaxe. ;Ao analisar como, espontaneamente, discriminam os estímulos auditivos, descobrimos que esses pássaros usam uma ordem de sílabas para interpretar cantos específicos. Eles também conseguem adquirir regras gramaticais a partir de sílabas sintentizadas por cordas (música tocada por instrumentos musicais) e, novamente, discriminam a informação de acordo com essas regras;, diz Abe. ;Nosso estudo sugere que pássaros canoros e humanos têm muitas similaridades na sua percepção da informação auditiva, o que levanta dúvida sobre algo considerado uma característica única da linguagem humana.;
No laboratório
Para descobrir o senso sintático dos animais, a equipe de Abe coletou exemplares selvagens e os isolou em uma câmera acústica em laboratório. Primeiro, os cientistas tocaram músicas com as quais os pássaros não estavam habituados. Isso gerou reações. Toda vez que ouviam os sons estranhos, eles reagiam com vocalizações. Mas, depois de repetir as canções diversas vezes, os manons pareceram habituados e pararam de reagir. Então, os pesquisadores alteraram a ordem das sílabas das músicas e observaram uma estranha reação. Toda vez que um fonema diferente do original aparecia, o pássaro começava a vocalizar, como se estivesse avisando que aquilo estava errado. Se a música voltava ao normal, ele ficava quieto.
Especialista em cantos dos pássaros, a bióloga Constance Scharff, da Universidade de Berlim, foi convidada pela Nature para comentar o resultado. A pesquisadora, que tem vários trabalhos tentando desvendar a vocalização dos canoros, mostrou-se entusiasmada. ;Foi um experimento genial, mostrando que os pássaros são sensíveis a mudanças sintáticas. Mais e mais, estamos percebendo semelhanças entre humanos e animais. Infelizmente, para alguma pessoas, constatar isso não é fácil;, comentou, na revista.