Ciência e Saúde

"Cientistas malucos" reúne trabalhos sérios, mas de resultados absurdos

postado em 14/12/2010 08:00

Não é raro as pessoas se surpreenderem com estudos científicos que, aparentemente, não fazem sentido algum. Não porque o assunto é muito complexo, difícil de ser compreeendido por um leigo, mas porque a proposta dos pesquisadores parece absurda. Afinal, o que leva alguém a gastar tempo para descobrir em que momento da refeição há mais chances de o molho de tomate escapar do garfo e manchar nossa roupa? Ou quais são os objetos que os ingleses costumam perder com mais frequência? Intrigada com os caminhos inusitados da ciência, a consultora de psicologia Andréa Cordoniz reuniu esses e outros estudos, todos conduzidos por pesquisadores sérios, no livro Cientistas malucos (Matrix).

Segundo a autora, o objetivo não é ridicularizar o trabalho científico. ;Antes de tudo, considero o humor um tempero essencial para a vida. E, se olharmos direito, ele está em toda parte, inclusive em trabalhos científicos desenvolvidos por pessoas sérias e extremamente qualificadas;, afirma. ;Fiquei fascinada ao me deparar com tantos trabalhos científicos indiscutivelmente bizarros e curiosos. Acho fascinante imaginar que nesse exato minuto inúmeras pessoas de todas as partes do mundo estão produzindo uma série impressionante de bizarrices das mais variadas espécies;, completa.

A opinião da escritora é endossada pelas centenas de pesquisas citadas em seu livro. A longa lista inclui ainda estudos que comprovam a atração de mulheres por homens que possuem carros ; pelo menos é o que diz o estudo do psicólogo Michael Dunn, da Universidade de Wales ; e uma pesquisa argentina que mostra que os hamsters se recuperam mais rapidamente do jat lag ; o mal-estar causado por grande viagens internacionais ; se receberem doses de Viagra.

Andréa lembra, no entanto, que, mesmo sendo divertidas, as pesquisas não podem ser encaradas como ridículas ou inúteis. ;As pesquisas são, em sua grande maioria, absolutamente sérias e importantes para elucidar uma série de coisas que nem imaginávamos existir;, afirma a consultora. ;E justamente por não terem a intenção de serem engraçadas ou ridículas, elas se tornam ainda mais pitorescas. Não são ridículas, mas são indiscutivelmente inusitadas;, completa.

Contribuição
Segundo o conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Isaac Roitman, o fato de algumas pesquisas parecerem estranhas à primeira vista não significa que sejam desnecessárias ou absurdas. ;Não existem pesquisas bizarras ou estranhas se levarmos em conta que toda pesquisa procura contribuir no saber de qualquer área de conhecimento;, opina o especialista. ;A contribuição pode ser de pequeno porte ou traçar novos rumos dentro de uma área de conhecimento. Os dois caminhos são válidos;, completa.

Na compilação de Andréa Cordoniz, por exemplo, há estudos como o realizado pela Universidade do Arizona que resultou na descoberta de uma espécie de formigas em que só há fêmeas. A pesquisa pode parecer curiosa e render algumas piadas, mas o processo de investigação levou os cientistas a descobrirem uma interessante forma de procriação a partir da clonagem natural. As possibilidades de uso dessa descoberta podem ser inúmeros e levar outros cientistas a realizarem novas investigações em diferentes áreas.

Apesar de não considerar bizarra nenhuma pesquisa, o membro da SBPC acredita que o humor pode ser útil para o mundo da ciência. ;Quando utilizado de forma adequada, pode também servir como instrumento de educação e divulgação científica;, acredita Isaac, que também é coordenador de Comunicação Institucional da Universidade de Brasília (UnB).

Incentivo
O jornalista Marcelo Duarte, autor do Guia dos curiosos (Panda Books), série de livros publicada desde 2005, defende a abordagem mais lúdica e divertida dos conhecimentos produzidos nos laboratórios, que pode servir inclusive de fomento às pesquisas. ;A piada pela simples piada logo perde a graça. No entanto, quando ela tem algum conteúdo relevante, pode servir para fazer refletir, repensar;, opina. Além disso, ele acredita, pesquisas que parecem divertidas para o público podem ajudar a formar uma nova geração de pesquisadores. ;Hoje se vive uma era em que tudo deve ser rápido. Se conquistamos uma criança, por exemplo, por meio do humor, no futuro ela pode continuar esse caminho e se tornar cientista, por exemplo;, analisa.

A abordagem bem-humorada da ciência está longe de ser exclusividade do livro escrito por Andréa Cordoniz. Em todo o mundo, sites e publicações dão espaço ao mais estranho e diferente que é produzido no mundo científico. A mais famosa das iniciativas, o prêmio Ig Nobel ; uma sátira do Nobel, condecoração máxima do mundo científico ; é promovido desde 1991 pela renomada Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Segundo seus organizadores, a premiação destaca as pesquisas mais estranhas, diferentes ou engraçadas.

;Nosso objetivo é fazer as pessoas rirem e, depois, pensarem. Esperamos estimular a curiosidade e levantar a questão: Como você decide o que é importante e o que não é? E o que é real e o que não é ; na ciência e em qualquer outro lugar?;, afirma, no site da universidade, Marc Abrahams, fundador do Instituto Improbable Research, que coordena a premiação.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação