Há quatro anos, Brasília não vive as tradicionais histórias de samba contadas na avenida. Os enfeites dos carros alegóricos deram lugar à ferrugem. Momentos como a correria pela fantasia e o ensaio para que a música e o ritmo estejam na ponta da língua ; e do pé ; foram trocados por pó, silêncio e incertezas. Mesmo assim, as escolas de samba do Distrito Federal fazem o possível para que as portas continuem abertas.
Para a folia de 2018, o governo apoiou uma apresentação de seis agremiações do grupo especial em evento exclusivo. A atividade ocorrerá em 2 de fevereiro, no gramado entre a Torre de TV e a Fundação Nacional de Arte (Funarte). Além disso, a festa contará com a presença de outras duas atrações, em fase de contratação.
Crise parecida aconteceu entre 1994 e 1995. Porém, essa é a primeira vez que a cidade não conta com desfiles por tantos anos consecutivos. ;Isso fere a alma da escola, sendo que a satisfação maior é trabalhar duro por um ano para entrar na avenida;, afirma o presidente da Associação Recreativa Cultural Unidos do Cruzeiro (Aruc), Moacyr Oliveira, o Moa.
A última vez que houve investimento destinado ao carnaval brasiliense foi em 2014. No total, as escolas receberam mais de R$ 5 milhões para a festa (veja Verbas). Além da falta de investimento, as escolas devem mais de R$ 2,5 milhões aos fornecedores que auxiliaram no desfile de 2015, que não foi realizado. Hoje, Brasília conta com 21 agremiações filiadas à União das Escolas de Samba e Blocos de Enredo de Brasília (Uniesb).
O presidente da Uniesb, Geomar Leite, o Pará, acredita que a situação pode melhorar. ;Em quatro anos de governo, são quatro anos sem desfiles. Não vi nem mesmo um repasse. Em 40 anos de carnaval brasiliense, isso nunca aconteceu;, frisou. ;Enquanto tiver samba, o carnaval está vivo. Temos essa luta de manter uma cultura popular, que é patrimônio cultural brasileiro. E o Estado precisa garantir isso;, completou.
A garantia vem da Lei n; 4.738/2011. O decreto institui o carnaval como evento oficial do DF e menciona, ainda, que precisa ser ;organizado, gerido e apoiado financeiramente pela Secretaria de Estado de Cultura do DF;. A legislação ressalta, inclusive, que os desfiles das escolas de samba, assim como os blocos de enredo e carnavalescos tradicionais, são garantidos graças ao orçamento da capital.
A Secretaria de Cultura informou, em nota, que custear os desfiles tem sido insustentável para o governo. Com os cofres públicos no vermelho, o Executivo local não tem como arcar com o evento. Porém, apoia a volta da programação carnavalesca e ;estuda meios de as agremiações captarem recursos ao longo de todo o ano, com eventos, oficinas e parcerias com a iniciativa privada;.
A secretária adjunta de Cultura, Nanan Catalão, explicou que o problema maior é a falta de proposta para a contratação da empresa que cuidará da festa. ;Recebemos apenas uma e insuficiente;, disse. Segundo ela, o auxílio privado é bem-vindo. ;Porém, é mais importante ainda que as empresas venham com propostas relevantes, bem como justo com o ganho privado de publicidade, isso em relação ao valor que esteja disposto a investir;, concluiu.
Recomeço
Nesse tempo, a Aruc, que completa 57 anos em 2018, tenta se manter em atividade. Moacyr Oliveira, no quinto mandato à frente do grupo, diz que depender apenas de verbas públicas não adianta. É preciso formar um novo modelo de carnaval. ;Vi isso tudo sair do papel, tudo ser construído. Mas, assim como o mundo, o carnaval necessita se reinventar. Por conta desse tempo sem samba, não tem como voltar aos velhos tempos. É um recomeço;, avaliou.
Os quatro espaços da Aruc ; galpão de ensaio, confecção de carros alegóricos, lazer e eventos ;, distribuídos em uma área de 32 mil metros, estão vazios. ;Nessa época, estaríamos correndo com os preparativos. Hoje, nem fantasias temos para contar história, mas quero que o samba volte;, ressaltou Moa. Para os desfiles, a escola contava com uma equipe de mais de mil pessoas, entre costureiras, músicos, coreógrafos e desenhistas. Hoje, há 50.
Por causa disso, a Aruc mantém parceria com blocos de rua. Neste ano, o grupo do Cruzeiro desfilará com o Suvaco da Asa, as Virgens da Asa Norte e o Fio Desencapado. ;Não é pela crise. Essa polêmica de que carnaval em Brasília é só bloco não existe. Os organizadores que nos procuraram. E a parceria vai continuar;, reforçou Moacyr. A Aruc também se prepara para se apresentar no evento organizado pelo governo.
Outra tradicional escola de samba que marcará presença na Torre de TV em 2 de fevereiro é a Acadêmicos da Asa Norte, que faz a alegria dos brasilienses há 49 anos. Entre 2012 e 2014, sagrou-se tricampeã da folia candanga. Porém, o presidente da agremiação, Jansen Melo, está preocupado com o futuro das escolas brasilienses. ;Nem o GDF em si, muito menos a Secretaria de Cultura, nos deram mais atenção;, reclamou. ;Contratamos muita gente. Tínhamos até uma equipe de costureiras que cuidavam das fantasias na Estrutural. Hoje, dependemos de eventos que não suprem as necessidades;, lamentou.
Desfile
As seis escolas tradicionais que se apresentarão são: Acadêmicos da Asa Norte, Águia Imperial de Ceilândia, Aruc do Cruzeiro, Bola Preta de Sobradinho, Império do Guará e Unidos da Vila Planalto/Lago Sul. A escolha das escolas foi feita pelo Governo do Distrito Federal. O motivo de ter apenas seis escolas, segundo o Executivo local, é o limite de verba.