Isa Stacciarini
postado em 11/01/2018 06:00
Anne Mikaelly, Palloma Lima, Clésia Andrade e Ieda Rizzo nunca se conheceram, mas as histórias delas se cruzam pela violência. Entre 18 e 54 anos, todas se tornaram vítimas de criminosos. Foram mortas ou ficaram feridas pelas mãos de homens ciumentos, intolerantes ou bandidos na rua. Os crimes aconteceram em um intervalo de 72 horas e entraram para a lista dos primeiros ataques contra mulheres em 2018.
À exceção de Ieda, as demais tiveram a vida interrompida por pessoas próximas. Isso reforça que, em casa ou na rua, elas estão expostas ao machismo que deixa traumas, sequelas, fere e mata. De janeiro a setembro de 2017, o DF registrou 10.810 casos de violência doméstica, 14 de feminicídio e 646 estupros. A média mensal no período é de 1.274 ataques contra mulheres na capital federal, ou seja, a cada dia, 42 são alvo da covardia masculina. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social.
Um dos casos mais recentes de feminicídio é o de Anne Mickaelly, 22 anos, morta a golpes de faca na noite de sábado, em Samambaia Sul, por um homem de 46 anos, vizinho da vítima. O acusado, que se apresentou na terça-feira à polícia e confessou o crime, disse que sofria ameaças da vítima, também amiga da filha dele. Apesar de nenhuma fonte confirmar qualquer relação de namoro entre as jovens ; o delegado-chefe da 32; Delegacia de Polícia (Samambaia Sul), Joás Borges, disse que a filha do suspeito negou qualquer relacionamento ;, o nome de Anne aparece em uma lista de ;lesbocídio; em todo o Brasil, expressão desenvolvida por um grupo de estudos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A professora Suane Soares, da UFRJ, explicou que o lesbocídio é um crime motivado pelo ódio. As pesquisadoras lançarão um dossiê que reúne as mortes de mulheres pela condição sexual. Os dados são de 2014 a 2017. Estudante de serviço social pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e integrante do movimento, Milena Carneiro contou que o projeto contabilizou, só em 2018, seis suicídios de lésbicas e dois assassinatos. ;Queremos trazer esses casos para que o poder público, de alguma forma, interfira na vida dessas lésbicas que têm a sobrevivência precarizada. Que não seja só uma ação de punição para quem comete esse tipo de crime, mas de condição para que não se chegue a isso;, destacou.
Outros casos
Das vítimas mortas no DF, a mais nova era Palloma Lima. Morreu aos 18 anos com um tiro na cabeça disparado pelo namorado. Em depoimento, ele disse que o crime aconteceu durante uma roleta-russa, mas a polícia estranha a versão. Segundo o delegado-chefe da 20; DP (Gama), Francisco Antônio, a família informou que os dois haviam discutido anteriormente. ;Se fosse um disparo acidental, por que os responsáveis fugiriam? O namorado e o cúmplice deixaram a vítima no hospital e saíram em direção a Valparaíso, quando foram pegos;, explicou Francisco. Eles continuam presos e responderão por homicídio qualificado.
O terceiro caso de suposto feminicídio ocorreu em São Sebastião. O corpo de Clésia Andrade, 28, foi encontrado com ferimentos de tiros, assim como o do namorado, o cabo da Polícia Militar Bruno Viana, 38. A principal hipótese da polícia é que ele tenha matado a jovem e, em seguida, cometido suicídio.
Professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Mulheres da UnB, Lourdes Maria Bandeira explicou que não há uma causa única que explique a violência sofrida pelas mulheres. Segundo ela, esse é um fenômeno multicausal, mas alguns fatores ajudam a entender o cenário de opressão vivida por elas, como a relação de dominação do homem sobre a mulher, a educação sexista e machista dos companheiros e a sensação de frustração, humilhação e desqualificação deles perante os colegas de trabalho.
Lourdes Maria esclareceu que, inclusive em espaços públicos, o homem se comporta como controlador. Na visão da especialista, eles reagem sempre que percebem uma postura mais autônoma delas. ;Vivemos em uma sociedade patriarcal na qual o homem quer ter poder sobre tudo e sobre qualquer um, em especial sobre as mulheres. Nesses locais, de forma geral, elas não são colocadas como autônomas, que devem ser respeitadas da forma que se apresentam. O corpo feminino, por exemplo, é de propriedade e autonomia delas;, reforçou.
O que diz a lei
A Lei n; 13.104 alterou o Código Penal para prever o feminicídio como um qualificador do crime de homicídio, no rol de crimes hediondos. As circunstâncias qualificadoras são o homicídio contra a mulher apenas por ser do sexo feminino e quando o crime envolve violência doméstica e familiar, além de menosprezo ou discriminação à condição feminina. A pena para assassinato, quando praticado contra a mulher pelos motivos citados, é aumentada de um terço até a metade, se o crime for praticado durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto, contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência, e na presença de descendente ou de ascendente da vítima.
Denuncie
O Ligue 180 é um serviço de utilidade pública gratuito e confidencial oferecido pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. A central recebe denúncias de violência, reclamações sobre os serviços da rede de atendimento à mulher e as orienta sobre direitos e legislação vigente, encaminhando-as para outros serviços, caso necessário. Com atendimento 24 horas, todos os dias da semana, inclusive aos fins de semana e feriados, o Ligue 180 pode ser acionado de qualquer lugar do Brasil.
(Colaborou Yasmin Cruz, estagiária sob supervisão)
(Colaborou Yasmin Cruz, estagiária sob supervisão)