Rodrigo Barreto*
postado em 06/08/2017 06:00
Tudo começou quando o professor Cristiano Carvalho foi abordado por uma jovem artista ao fim de um curso de fotografia em 2011. Elise Milani, surda, propôs o ensino dessa arte para deficientes auditivos. ;Esse foi o meu primeiro contato com a comunidade surda. Elise passou a trabalhar comigo como auxiliar e, com o tempo, fui aprendendo a língua brasileira de sinais (Libras);, relata o professor. Foram diversas turmas informais de fotografia atendidas dentro da Pastoral do Surdo, na 914 Sul.
Entre emoções e aprendizados, Cristiano fundou o projeto Surdofoto um ano depois, ministrado na Associação de Pais e Amigos de Deficientes Auditivos (Apada). ;Em 2012, surgiu o interesse de criar um projeto definitivo. Foi quando me juntei à mestre em linguística e educadora de surdos Isabela Gurgel e à cineasta brasiliense Madalena Schnabel para criarmos o projeto Surdofoto;, explica.
Hoje, aos 32 anos, Elise trabalha em uma empresa pública como auxiliar administrativo, mas investe em trabalhos fotográficos autorais. Uma das vantagens do Surdofoto, segundo Elise, é o diálogo instantâneo entre aluno e professor pelos sinais, em Libras. ;Libras é a nossa língua. Não precisa de intérprete ou intermediário. Isso ajuda a entender o conteúdo com maior rapidez.;
Ex-aluna e, agora fotógrafa, Celyse Sasse, 26, faz pós-graduação em ortodontia e comenta sobre o que a iniciativa de Elise e de Cristiano significa. ;O Surdofoto representa a minha mais perfeita identidade. Esse projeto me traz segurança. É uma experiência de convívio que expressa nosso cotidiano, como enxergamos o mundo. Nós, surdos, não conseguimos extrair dos sons os sentimentos e as emoções.;
O curso funciona com programação anual e tem capacidade para duas turmas de 20 alunos. Os professores são voluntários. Os parceiros fornecem a infraestrutura para a ministração dos conteúdos, além de oficinas de fotografia gratuitas para a comunidade surda.
Os objetivos ultrapassam a simples relação de manusear uma câmera. Por meio dos instantes clicados, o projeto oferece um modo de expressão e proporciona oportunidades aos surdos de conhecer e participar das artes. ;Os resultados são imagens que retratam os sentimentos de quem vive no silêncio;, comenta Cristiano.
Foco
O clique fixa um momento singular. A visão é o sentido mais aguçado dos deficientes auditivos. Os alunos ; concentrados ; experimentam as diversas possibilidades de cada momento eternizado. ;Expressamos-nos pelo olhar, e a fotografia consegue captar os momentos mais significativos de nossos sentimentos. Conseguimos demonstrar como vemos o mundo ao nosso redor e não apenas registrar o momento inesperado de forma simples;, esclarece Celyse.
Silêncio. As mãos do professor falam. Ensina-se os aspectos básicos da fotografia. Como se fossem versos, escrevem com a luz aquilo que enxergam. ;Eu gosto de usar o termo ;poesia visual; para meu trabalho. Gosto quando as pessoas olham as imagens que faço e ficam pensando. Quero que eles vejam e reflitam sobre as minhas fotos e sobre o que elas ;falam;;, destaca a poeta-fotógrafa Celyse.
Percalços
Apesar de todo esforço investido, o projeto passa por dificuldades. O professor Cristiano não esconde: ;Estamos no momento sem apoio de governos. Os estudantes, em sua maioria, são de baixa renda. Além disso, os alunos que optam por se profissionalizar têm a dificuldade de adquirir equipamentos para dar continuidade ao trabalho com fotografia.;
A maior adversidade apontada pelo professor, no curso básico de fotografia, é a falta de material profissional. Há quatro máquinas fotográficas disponíveis para um total de 20 alunos por turma. ;Nosso maior desafio é adquirir mais equipamentos para poder dar aula prática aos meninos. Uma máquina para cada dois alunos seria o ideal.;
A arte não se limita a questões físicas. Apesar disso, Celyse Sasse relata ao Correio que ainda existe preconceito quando descobrem que ela é surda. ;Só porque somos surdos, será que não somos capazes? Só porque não escutamos, não somos capazes de sentirmos o momento?;, indaga. Ela também não esconde o desejo de seguir carreira fotográfica e desabafa: ;Quando alguém admira meus trabalhos, mas descobre a minha condição, fica com o pé atrás, não acredita na minha capacidade ou até pensa que a foto é montagem;, conclui.
* Estagiário sob supervisão de José Carlos Vieira
Exposição
Fotógrafo, detentor do prestigiado prêmio World Press Photo, em 2000, Olivier Bo;ls dará início ao projeto Vozes da alma. Com apoio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), a iniciativa se destina exclusivamente para surdos que queiram mergulhar no universo da fotografia. Os estudantes terão 30 encontros com aulas teóricas e práticas. O projeto é assinado por Nísia Sacco e Bo;ls em parceria com Surdofoto e Ashram Photo. Vozes da Alma culminará em uma exposição que acontecerá em junho de 2018, no Museu Nacional da República. Interessados em participar do
projeto deverão enviar e-mail para milarepaproducoes@gmail.com ou mensagem para o número (61) 98180-4044.
Acessibilidade
Elise Sasse percebe mudanças com a preocupação e conscientização de algumas instituições a respeito da acessibilidade, como o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). ;Antes não havia quase nada para surdos. Os artistas (e as instituições) estão percebendo e começando a colocar intérpretes em suas exposições na cidade. Isso é muito bom. O CCBB é exemplo disso;. O CCBB oferece de forma gratuita visitas às exposições mediadas em libras, mediante agendamento prévio. Os dias disponíveis são de quinta a sábado, das 9h às 16h. Telefones para agendamento: 3108-7623 e
3108-7624.
Participe
Os interessados em fazer parte do Surdofoto devem enviar mensagem para o e-mail da coordenadora isabellagurgel@gmail.com. Para doações, contactar o professor Cristiano Carvalho (61) 98116-2528. Página do Surdofoto no Facebook: www.facebook.com/surdofotoclube