Flávia Maia
postado em 23/10/2016 08:01
Antigos saguões ocupados por hóspedes, pacientes, clientes e operários deram lugar a vãos silenciosos. Em uma cidade, o pulso está no movimento das pessoas dentro dos espaços. Sem elas, os endereços se tornam fantasmas. Como toda metrópole, Brasília começa a colecionar os seus esqueletos, construções abandonadas que estão se deteriorando por causa da burocracia e de brigas judiciais intermináveis. Especialistas defendem uma política mais assertiva em relação a esses imóveis, começando pela regulamentação do Estatuto das Cidades no Distrito Federal, que prevê diretrizes para evitar a precariedade da propriedade e de toda a urbanidade.
Na antiga Academia de Tênis José Farani, as histórias de glamour dos hóspedes, os ilustres jogadores de tênis que por ali pisaram, as ficções projetadas em 10 salas de cinema e os acordos políticos delineados em luxuosos restaurantes deram lugar a um cenário diferente. Galinhas surgiram como opção para conter a proliferação de escorpiões. Quatro cães fazem barulho contra eventuais invasores. Folhas secas se amontoam na porta e realçam o aspecto de abandono. Conta-se que o Plano Collor foi discutido no apartamento da ministra da Fazenda à época, Zélia Cardoso de Mello, que vivia lá. Na Academia abandonada, as histórias mudaram. Agora, a mais expressiva é a de uma sucuri de 10m que aparece no local. ;Dizem que tem, mas eu nunca vi;, comenta Júlio César da Conceição, 34 anos, vigia do lote.
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A área foi vendida em 2010 para duas incorporadoras: o Grupo HC e o Attos. Desde então, as atividades estão paralisadas. À época, o espaço tinha problemas com legislação ambiental, invasão de área pública e dívida tributária, estimada em R$ 100 milhões. Segundo o presidente do Grupo HC, Sebastião Carvalho Neto, a área será usada para construção de apart hotéis, entretanto, o empreendimento aguarda há mais de cinco anos a aprovação do projeto pelo governo.
Outro espaço que se tornou emblemático pelo abandono foi o Torre Palace Hotel. A briga judicial entre os herdeiros e os passivos trabalhistas levaram à completa desativação do empreendimento. Desde 2013, o imóvel está abandonado. Acabou invadido por usuários de drogas e, mais tarde, por famílias do Movimento Resistência Popular Brasil (MRP), em uma simbiose complexa: cada grupo ocupava diferentes andares. Em junho deste ano, o Estado teve que intervir no local para retirar os ocupantes. Gastou R$ 309 mil na ação e pede aos proprietários o ressarcimento. Há projeto de uma implosão da estrutura.
Na Asa Sul, o prédio em que funcionava o Hospital São Braz encontra-se com a estrutura deteriorada. Os vitrais estão quebrados e os tetos de gesso começaram a cair. No lugar de pacientes, muito lixo e resquícios de invasores, como restos de fogueira e odor de urina. Um cadeado foi instalado recentemente, mas fecha apenas o acesso central ao prédio. A unidade de saúde está desativada há pelo menos cinco anos. O hospital tem muitos processos por dívidas, tanto com fornecedores, quanto com o Estado. A reportagem não localizou os proprietários para saber o futuro da edificação.
A técnica de saúde bucal Cássia Alexandra de Oliveira Sousa, 29 anos, passa em frente ao hospital há três anos. ;Teve uma época em que um homem se escondia aí dentro e fazia gestos obscenos.; Situação similar vive a auxiliar administrativa Paloma Regina Silva, 24. Todos os dias, ela passa em frente à fábrica desativada da Itambé, próximo ao viaduto Ayrton Senna, no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA). ;Direto, meus colegas de trabalho são assaltados por aqui. Os bandidos roubam e se escondem nos escombros;, conta. ;Se você olhar, neste lote tem de tudo, roupa, preservativo. Tudo de errado fica aqui.;
A antiga fábrica da Itambé foi desativada em 2002. À época, a empresa alegou que ia fechar as portas por causa do aumento da tributação no preço do leite. Em 2006, a área foi vendida e ficou sem uso. No ano passado, o grupo Paulo Octavio comprou a projeção e informou que está fazendo estudos para a implantação de um novo negócio, ainda não definido.