postado em 08/03/2016 06:00
Esqueçam as flores e as caixas de bombom neste Dia Internacional da Mulher. Os desejos para a data são mais duradouros do que pétalas e menos doces do que chocolate. Busca-se a consciência das desigualdades profundas quando se comparam as oportunidades para eles e elas e a igualdade. O dia aparece como um momento de reflexão e de discussão sobre as violações físicas, sociais e sexuais vividas por mulheres, simplesmente por serem mulheres. Soa como exagero falar em violências diárias, mas elas persistem e seguem bastante naturalizadas. Mesmo em pleno século 21, faz parte da vivência feminina enfrentar obstáculos para alcançar o que se deseja, em vários aspectos da vida.
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[SAIBAMAIS]Quando decidiu mudar de carreira, Daniela Velez, 40 anos, não imaginava todas as dificuldades que estariam à sua frente. Aos 35 anos, ela deixou a profissão de bancária para se tornar corretora de imóveis. ;Fui incentivada por um ex-namorado. Ele viu um potencial que eu mesma não via em mim. Hoje, vejo o quanto isso é recorrente: a mulher não é estimulada a acreditar em si mesma, a empreender. Então, pedi demissão sem nenhum preparo e me tornei corretora;, conta. Em pouco tempo, ela se tornou gerente da empresa em que atuava e se descobriu infeliz. A dificuldade em conciliar papéis e rotinas a colocou em contato com o lado cruel da jornada tripla. ;A sociedade nos julga muito. Todos esperam nosso sucesso como profissional, mãe e companheira ao mesmo tempo. Mas a vida de empresária é muito solitária. No meio do caminho, meu filho não aguentou e pediu para ir morar com o pai. O meu namorado, que à época me apoiou a mudar de carreira, também foi embora;, lembra.
De funcionária a empreendedora, Daniela seguiu em mudança, desta vez de forma planejada, e se tornou consultora. A experiência anterior trouxe a percepção de que a trajetória profissional é um ciclo crescente. ;O que chamam de sucesso é algo construído. Hoje, considero que tenho sucesso porque consegui aliar a missão de vida ao trabalho. Mas muitas não conseguem, infelizmente, e abandonam a carreira;, diz. Como consultora, Daniela percebeu que as dificuldades são bastante sutis. ;As mulheres passam a exercer papéis até então atribuídos aos homens. Nisso, enfrentam dificuldades de lidar com firmeza, com as relações de poder, com a dificuldade de se posicionar, porque não aprenderam a fazer isso;, diz. Para vencer esses problemas, o caminho é se voltar para a autodescoberta. ;Se tivermos habilidade, se estivermos conscientes de quem somos, nós nos apropriamos e encontramos o nosso caminho;, afirma.
Na periferia
Ao se apropriar da essência que carrega, Verônica Diano Braga, 38 anos, definiu o caminho profissional e o projeto de vida que segue. Com o nome artístico de Vera Verônica, a rapper também é pedagoga, professora universitária e feirante ; todas as atuações estimuladas pela música. ;Eu morava em Valparaíso de Goiás, onde não havia lazer nem cultura. As opções para a juventude de lá eram o tráfico de drogas ou a prostituição, no caso das meninas. E eu sou negra e obesa, portanto, não correspondia ao estereótipo de beleza esperado. Então, comecei a cantar rap na escola. Foi uma escolha na minha vida que me trouxe outras. Na pedagogia, consegui compreender as questões socioculturais da juventude na periferia;, afirma.
A banca, na Feira da Torre, foi uma ocupação aprendida com a mãe. ;Ela criou mais de 200 crianças, em um orfanato, a partir do trabalho lá. Quis permanecer porque vejo uma forma de mostrar para as mulheres que é possível estar bem e elegante usando tamanhos maiores. Dou preferência para as peças com referência à cultura negra, como forma de ativismo;, explica. Vera Verônica estimula o empoderamento. ;Demorei muito para aprender o que é isso. Hoje, considero que são vários elementos para formá-lo. Assumir meu cabelo é empoderamento, usar o turbante é símbolo da luta das mulheres negras. Vejo tantas que ainda precisam passar por isso, porque ainda não se encontraram e ficam reféns de padrões;, destaca. Como primeira rapper do Distrito Federal e Entorno, ela completa 25 anos de carreira. ;Carrego uma missão: estimular mais e mais mulheres a cantarem rap. Quando comecei, era só eu de mulher. Hoje, somos mais de 30;, celebra. Ela produz o DVD de comemoração da trajetória de forma colaborativa. ;Ainda falta apoio financeiro para a produção desse estilo, ainda mais para mulheres;, explica.
Nos muros
Outro componente da cultura hip-hop invadiu a vida das integrantes do coletivo Risofloras. No grupo, o objetivo é dar ao grafite a expressão e o traço femininos. A iniciativa surgiu de um encontro no Centro de Atendimento Especializado à Mulher (Ceam), em Ceilândia, e ganhou os muros de todo o DF. Hoje, Edilene Colado, 29 anos, Verônica Pires, 21, e Camila Leite, 20, pintam para inspirar outras mulheres. ;O grafite teve uma linguagem masculina por muitas décadas. Acho que estamos mudando a cena da arte urbana;, acredita Edilene. Ainda que tenham rompido muitas barreiras, elas se veem obrigadas a adaptar horários e locais em nome da integridade física. ;Se existe a possibilidade de grafitarmos em um horário mais tarde ou em um local de pouco movimento, não vamos sozinhas;, conta Edilene. Para ela, o atual momento é bastante propício para quem trabalha com intervenções urbanas. ;O preconceito dos homens ao ver mulheres no grafite tem se enfraquecido;, acredita a artista plástica.
Três perguntas para / Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil
O combate à desigualdade de gênero tem tomado as discussões, nas diversas esferas sociais, nos últimos anos. O ambiente digital, especificamente, ajuda na divulgação do tema e dá às mulheres a oportunidade de melhor se expressarem sobre as violações de gênero que vivenciam. Ainda assim, a participação feminina nos espaços de decisão de políticas voltadas à redução da desigualdade deixa a desejar. Elas ocupam poucos cargos de direção e na carreira política. O Brasil, em especial, é um dos países com menor participação política, com menos de 10% de mulheres no Congresso. Assim, terá que acelerar o passo se quiser colaborar com a meta do Planeta 50/50, proposto pela ONU Mulheres, para conquista de um mundo verdadeiramente igualitário. É o que apresenta a representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman.Em qual estágio se encontra o Brasil no enfrentamento da desigualdade de gênero?
Nós temos, nos últimos 20 anos, desde a Conferência Internacional da Mulher, em Pequim, avançado muito nos temas principais, que vão desde a violência e o trabalho, as meninas etc. Crescemos muito em programas voltados para a igualdade de gênero a fim de alcançar os objetivos do desenvolvimento sustentável 2030. Temos feito muito, mas, para chegar ao que queremos para os próximos 15 anos, que é ter um planeta igualitário. Precisamos colocar recursos necessários para implementar essas políticas e seguir trabalhando na mudança e no envolvimento de homens e mulheres nesta agenda universal
Há relação direta entre a participação feminina na política e a implementação de políticas públicas voltadas para a equidade?
As políticas públicas passam por um orçamento voltado à implementação delas, não só nos ministérios específicos, como no Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, mas em todos os ministérios. Este é o grande desafio para os próximos anos.
Como os homens podem ajudar no combate à desigualdade de gênero?
Está na hora de os homens fazerem a parte deles, de eles se conscientizarem de que esta é uma responsabilidade compartilhada. Temos, por exemplo, a campanha Eles por Elas, para incentivar os homens a se movimentar a favor do empoderamento feminino. E tem sido muito exitosa. Muitos governos e universidades mostram interesse em se engajar. Queremos que o tema ocupe a consciência pública. Aumentamos o número de homens que assinaram o documento: passamos de 3 mil para 26 mil. A iniciativa é um chamado para acelerar as mudanças antes de 2030.